A Entidade da Fronteira


Quando a consciência está limitada ao ego, sua dinâmica é determinada pelos próprios elementos integrantes do ego (físico, mente e emoções). A mente decide de acordo com o que as emoções indicam ser o melhor para a conquista do prazer ou a fuga do sofrimento, desde que os efeitos colaterais negativos, para o próprio ego, sejam o mínimo possível.  
 

É assim que o ego se autocontrola: visando seu próprio bem-estar, a partir de um cálculo de custo/benefício. Mas esta estratégia é um círculo vicioso. Nela, não tem saída para patamares superiores de consciência, a não ser a muito longo prazo, com o aprendizado pelas experiências, através do sofrimento vida após vida.


Permitir e aceitar o autocontrole do ego, é como pedir a uma criança superativa que tome conta de si mesma. Muita destruição e muitos acidentes ocorreriam até que a criança, já mais madura, começasse a aprender com sua própria experiência e sofrimento. A presença de um adulto responsável é imprescindível para manter a integridade física da criança e das coisas ao seu redor, poupando a criança do sofrimento e sustentando seu processo de crescimento físico e psíquico.
 

Assim como a criança, o ego tem uma lógica ego-ista - como não poderia deixar de ser - que só pode ser observada e compreendida por uma entidade de maior nível de consciência que aquele em que o ego repousa. Esta entidade, interna ao ser, existe, é de fácil acesso e reside na fronteira entre o ego e o EU superior (a centelha de Deus no ser humano), como um elo de ligação entre os dois. É a “eminência parda” que, sem interferir no comando da mente e dos sentidos, protagonizado pelo ego, é capaz de conduzi-lo espontaneamente a uma reestruturação de si mesmo, na qual ele reconhece o elevado nível espiritual desta entidade e se rende à sua observação.


A Entidade da Fronteira não julga o ego, não repreende o ego, não critica o ego, não se impressiona com o que quer que ele faça. Esta entidade não gera pensamentos, sentimentos ou emoções, pois estas energias pertencem ao próprio ego, que as manifesta através das ações do indivíduo. Só o ego julga, repreende, critica e pune, inclusive a si mesmo, e se impressiona com suas derrotas ou conquistas, pois estas manifestações são de caráter psíquico, típicas do ego.
 

A Entidade da Fronteira, quando sintonizada pela atenção, apenas observa o ego. E o faz com o propósito de retirar dele e deslocar para si a prerrogativa da observação que, quando comandada pelo ego é dirigida para o exterior e repleta de vícios, como preconceitos, mágoas, medos, apegos e ilusões. O ego só tem consciência do objeto que observa, não tem consciência de si mesmo.  O ego é como o olho que tudo vê, menos a si mesmo.


O ego não só observa, mas se imiscui de todas as formas no mundo exterior (1). Entidade da Fronteira, quando acionada, apenas observa o ego. Apenas observa! E o ego, como a criança observada pelo adulto, constrange-se, seus impulsos perdendo o ímpeto.

 
Acessando a Entidade da Fronteira
 

Entidade da Fronteira é o "Observador”, o "Vigilante” a quem o acesso se opera pela transferência de identidade. Ou seja, para ter acesso ao Observador você terá que se identificar com ele. Você terá que “ser” ele. E, por localizar-se na fronteira entre o ego e o EU, uma zona de transição entre matéria e espírito, ele se faz acessível ao ego. É o primeiro passo! O Vigilante não pertence ao ego, mas pode facilmente ser acessado por ele. O Vigilante pode bem ser o “elo” entre o ego e o EU superior, o “elo perdido” para aqueles que não conseguem deixar de se identificar com o ego.


Em termos práticos, imaginemos uma situação que desencadeie um sentimento de raiva. Como “age” o ego diante deste sentimento? Ele dirige-se para o objeto da raiva, geralmente no mundo exterior: “Isto não deveria acontecer!... Vou tomar uma providência drástica!... Essa pessoa é isso, é aquilo!... Vou me vingar!...”
 

Transferir a identidade, retirando-a do ego, para identificar-se com o Observador significa apenas desviar sua atenção do objeto da raiva para a raiva em si mesma que se manifesta no ego: “Estou sentindo raiva! Como é sentir esta raiva? Que sensações ela causa em meu corpo físico? Dói no peito? Aperta a garganta? Qual a intensidade desta raiva?
 

Quando isso é conseguido, o objeto da raiva some do radar dos seus pensamentos e sentimentos. Nas primeiras tentativas pode ser difícil, porque a atenção tende a voltar ao objeto da raiva, insistindo em ali permanecer, como se tivesse contas a acertar no plano do ego.
 

Mas, ao exercitar com frequência esta transferência, insistindo em manter a identidade no Observador, você criará um hábito que tornará essa transferência automática. Qualquer manifestação do ego que lhe pareça indesejável será automaticamente objeto de observação pelo Vigilante, seja mágoa, medo, inveja, ciúme, raiva ou qualquer outra.


Permanecer identificado com o Vigilante não significa proibir o ego de se manifestar. Pelo contrário, significa dar a ele plena liberdade, sem constrangê-lo, para poder observá-lo. "Até onde ele vai?"
 

A prática continuada da observação do ego - pelo Vigilante - torna-o consciente de si mesmo. A sequência: ocorrência de uma sensação, sentimento ou pensamento indesejáveis; a percepção de que tal ocorrência deve ser observada; a transferência da identidade do ego para o Observador e a observação em si, com o tempo passam a fazer parte de um único movimento que acontece no momento da ocorrência a ser observada no ego.


Neste ponto de destreza, o ego se confunde com o Vigilante e, portanto, assume um patamar muito mais próximo do EU: a fronteira entre o EU e o ego, a porta de entrada para o EU Superior: A criança tornou-se um adulto!

 
O ego não "vê" o EU
 

Dado sua natureza "hierárquica" inferior no espectro dos sete corpos do ser humano, do mais denso ao mais sutil (2), o ego não consegue observar o EU, mas o EU consegue observar o ego por se posicionar num patamar "hierárquico" mais elevado. Para o EU ser observado é preciso que a identificação do ser esteja ancorada Nele: "Eu não sou meu ego, eu sou meu EU Superior".


O EU somente pode ser observado a partir dele mesmo.


Para observar o EU você precisa “sê-Lo”. Mas, uma vez o ego estando amalgamado no Vigilante da fronteira, o fluxo de Luz emanado do EU que cruza a fronteira, e que antes se dissipava pela falta de sintonia, agora atinge o ego e o faz transformar-se, irradiado que é pelos três aspectos da Unidade em nós, que flui através do Observador: O Amor A Sabedoria e a Vontade Universais.

(1) Veja ensaio do autor neste RL: "A Torre da Evolução" (3/02/21)

(2) Veja ensaio do autor neste RL: "Do Ego ao EU - A Viagem da Existência". (6/02/21)