O Real Valor está no Interior

 


Religião e espiritualidade
 

As sociedades pressupõem que as religiões visam a oferecer o acolhimento à devoção espiritualista das pessoas. No entanto, a espiritualidade não depende da religião, já que a prática espiritualista é interna ao indivíduo e não pressupõe a crença em dogmas, nem a prática de rituais coletivos ou a obediência a preceitos concebidos por uma organização religiosa hierarquizada e dogmática. No entanto, a religião não dogmática, que acolha um grupo respeitando o exercício da liberdade de cada indivíduo na condução de seu próprio processo evolutivo, pode ser um importante suporte e um estímulo a esse processo individual.


A espiritualidade é proativa, espontânea e praticada de acordo com o nível de consciência de cada um. As religiões tendem a ser impositivas, restritivas e moralmente coercitivas, muitas vezes sufocando o potencial interior do autoconhecimento e da escolha do caminho que cada pessoa tem o direito de escolher para seu autodesenvolvimento espiritual.
 

Muitas pessoas são religiosas, mas não espiritualistas, já que não possuem autonomia espiritual; dependem de um Deus externo que as proteja e as salve dos próprios pecados, e precisam da identificação grupal; 0utros, são espiritualistas puros e compreendem as incoerências de grande parte das religiões e sua motivação de poder e domínio. Outros, ainda, são espiritualistas parcialmente convictos e ainda procuram o aconchego psicológico de uma religião que lhes diga o que fazer, “just in case”. [1].

 
Do EU ao ego


O crescimento espiritual é um processo que se desenvolve de dentro para fora, ou seja, do interior do ser - da conscientização crescente de sua unidade com o cosmo e com o universo - para o exterior – para a expressão desta conscientização em seus pensamentos, sentimentos e ações. A palavra conscientização aqui empregada, tem o sentido de percepção, de observação consciente de algo que existe, mas que não necessariamente aparece no radar da mente racional calculista.
 

O que ofusca a visão da Totalidade - que é o ser humano - são as camadas de individualismo egóico que se formaram ao longo de sua caminhada pelos campos da matéria. O que era para ser apenas um instrumento de interação do Ser com a matéria de que se revestiu - (EU, o espírito Uno individualizado no contexto da experiência terrena, tenho um corpo físico e a habilidade do pensamento e dos sentidos”) - transformou-se em sua identidade: ("eu, esta personalidade singular, diferenciada de qualquer outra, sou meu corpo físico, meus pensamentos e meus sentidos”). 
 

Assim, a consciência do EU - que nunca deixou de existir como reflexo do Criador no ser humano - transformou-se na consciência limitada do eu inferior ou ego, como uma barreira entre o Espirito Uno no ser e o mundo material, campo da experiência para a qual foi trazido ao planeta. A palavra religião, do latim religare, tem este sentido original: re-ligar a personalidade, a individualidade do ser ao Todo, a Deus.
 

Do ego ao EU

Crescimento espiritual, portanto, é o processo de fazer a consciência superar o bloqueio do ego e alcançar o EU, sua origem. Não se trata de anular o ego, trata-se de transferir sua identificação com o ego para sua identificação com o EU.
 

Trata-se de não mais afirmar-se na ilusão do “eu sou o meu ego: meu corpo físico meus pensamentos e minhas emoções” e passar a compreender a realidade do “EU não sou o meu ego, EU sou o Espírito Uno individualizado, apenas portador de um corpo e uma psique no contexto da experiência terrena”.


Não importa o tempo ou o espaço, este é o caminho de volta, o retorno para Casa, para a verdadeira identidade com o Criador. Não seria este potencial de identificação com o Criador o significado da expressão: “Somos feitos à imagem e semelhança de Deus”?
 

“Identificar-se” significa assumir a identidade de alguma coisa, significa existir tendo a consciência de ser esta coisa. Minha identidade é o que eu tenho consciência de ser. Sua identidade é o que você tem consciência de ser. A humanidade, ainda em grande parte, no estágio atual de sua evolução espiritual identifica-se com o ego, que, portanto, é a sede de sua consciência. Em sua origem primordial, o homem identificava-se com a Fonte, com o Espirito Uno (que é a sede da consciência cósmica) antes de esta identificação desviar-se para o ego (corpo, mente, emoções, sensações) ao longo de sua experiência na matéria.


Este processo de transferência da identidade individual, em retorno, do ego para o EU, é o que se chama de evolução espiritual. Ela impõe a participação em tempo integral do ser, seja de forma consciente ou inconsciente, pois nada ocorre no Universo, e mesmo na vida dos seres humanos, que não seja para sua própria evolução, não importa o nosso julgamento a respeito.  
 

A eficácia do processo, no entanto, depende de como cada um responde às oportunidades de despertar, que lhes são oferecidas. Os que as compreendem e as acolhem têm uma caminhada mais suave e mais célere no processo evolucional. Os que não as reconhecem e as rejeitam tem seu percurso mais lento e doloroso na senda da evolução.


Acordar para o espírito é um processo inexorável, cosmicamente determinado, que foge ao livre arbítrio. O livre arbítrio apenas pode interferir em como cada um decide fazer essa caminhada. Mas não existe liberdade sem responsabilidade. Por isso, cada um responde pelas escolhas que faz a favor ou contra a orientação cósmica da evolução em direção ao espírito.
 

A dor é apenas um lembrete de que talvez estejamos ainda navegando em águas rasas ou mesmo de que, embora já em mar aberto, onde as correntes conduzem a consciência ao seu destino, em algum momento houve um desvio do curso que pode pôr em risco o atingir do real porto seguro.


No estágio atual de evolução da humanidade, a consciência humana habita o ego, incapaz, portanto, de “enxergar” o EU. O ego é capaz de perceber conscientemente o seu contexto: corpo e psique. Mas o que existe em dimensões mais sutis somente poderá ser percebido quando a consciência se ancorar nestas dimensões:

 

O EU somente pode ser percebido a partir de Si mesmo!
 

 

 

 

 


[1] Expressão da língua inglesa que significa: “em caso de”; “por segurança”.