A BATALHA DO RIO AMÔNIA
A BATALHA DO RIO AMÔNIA
– A RETOMADA DA COMUNIDADE DA FOZ DO BREU –
“‘Histórias do Acre’”
Autor: Moyses Laredo
Quem já ouviu falar do rio Amônia? De coordenadas geográficas (9º10’32.33” S; 72º54’49.64” O) Esse é um rio pouco conhecido para muitos, mas é um rio brasileiro, se localiza no alto Juruá, para em seguida adentrar ao Peru e sumir por entre suas matas. O Amônia do lado brasileiro, é um dos componentes dos chamados “rios voadores da Amazônia”. As árvores da Floresta Amazônica “bombeiam” as águas das chuvas de volta para a atmosfera, através de um fenômeno denominado evapotranspiração, ou seja, a água das chuvas que fica retida nas copas das árvores, evapora e permanece na atmosfera em forma de umidade que, como outros rios amazônicos, se juntam para formar grandes volumes de vapores d’água, que vão ser levados pelas correntes dos ventos e irrigar a América do Sul inteirinha. Todos que viajaram ou, amanheceram nalgum lugar na floresta Amazônica, já perceberam, que todas as manhãs se constata aquela névoa esbranquiçada levemente densa, sobre as copas das árvores, que emprestam aos olhos, uma paisagem quase alpina, é deslumbrante! Exatamente é essa umidade que vai ajudar a compor os chamados “rios voadores”. Nesse pequeno rio Amônia, num trecho de pouco calado e largura, aconteceu um dos episódios estratégicos e heroicos, da luta feroz do povo acreano, em defesa de um pequeno território brasileiro, contra o exército peruano, que por força das armas, queria assegurar seu domínio naquela rica região, antes da demarcação da linha divisória entre os dois países estabelecido pelo Tratado do Rio de Janeiro (1909), que estabelecia uma expedição formada por uma Comissão Mista, (Brasil e Peru). Esta tal Comissão de juristas e técnicos agrimensores dos dois países, navegariam pelo Juruá, para definir, com base no Direito de Posse, os limites entre os litigantes países.
Na prática funcionava assim. Se na diligência da tal Comissão Mista, fosse encontrado, ao longo do percurso do rio Juruá até mesmo entrando no rio Amônia, um povoado, ou, um assentamento qualquer, que fosse de ajuntamento de pessoas de mesma nacionalidade peruana, os topógrafos da Comissão, imediatamente contornariam tal área do ajuntamento, estabelecendo aquele quinhão de terras para o lado peruano. Desse modo e proceder, do mesmo jeito, se encontrado fosse, alguma povoação de brasileiros, aquela área já seria marcada para o Brasil e assim por diante. Em seguida, seria firmada na Carta de Confirmação da Demarcação, a dita linha, com isso, a fronteira entre o Brasil e o Peru, naquele trecho de conflito, começaria a se delinear, desenhando a que seria hoje, a linha de divisa entre os dois países. Esta linha, por causa do tipo de demarcação, é um traçado misto (muito fragmentada de retas e curvas). Pode-se dizer que foi uma solução Salomônica, porque contentava os dois países e poria fim na refrega que se avizinhava.
Umas semanas antes do início da tão propalada demarcação, o Marechal Taumaturgo de Azevedo, um militar astuto, estava nos seus afazeres da caserna, cuidando da burocracia para preservar o território do Departamento do Alto Juruá em Cruzeiro do Sul, que lhe fora designado pelo próprio presidente da República. Quando foi informado por uns matreiros que caçavam para suas sobrevivências, de que peruanos armados, estavam a se mobilizar, a jusante (depois) da foz do rio Breu, onde havia uma pequena comunidade habitada por brasileiros. Os peruanos, se mantinham a montante (antes) da foz do Breu, aguardando a Comissão Mista para demarcar a área a fim de acompanha-la. Foi então, que os peruanos, resolveram ampliar seus domínios, sabiam que a demarcação seria com base na presença de alguma representação dos dois povos na área, decidiram avançar pelo rio Amônea, com uma guarnição de mais de 80 soldados fortemente armados e tomaram o pequeno povoado da Foz do Breu, “nombrando-o” de "Nuevo Iquitos", queriam com isso assegurar com um assentamento, o domínio peruano na área, de modo a que, quando a comissão mista por ali passasse, constataria um quartel, como se fosse um forte, a resguardar suas fronteiras e, é lógico, a contornaria como foi assim acordado no tal tratado. Essa ação, não passaria despercebida pelo Marechal, porque declinaria grande área que seria destinada ao Brasil. O Marechal logo matou a charada, eles queriam que a Comissão atestasse que ali, havia a presença peruana. Mas, porque uma guarnição armada?... se poderia ser alguns grupos de seringueiros peruanos, que faria o mesmo efeito para a Comissão. É claro que o Peru, já esperava a reação do Marechal, o conheciam da demarcação da fronteira do Brasil com a Venezuela, sabiam do patriota e do bom soldado que foi em defesa dos interesses do Brasil naquela disputa, já esperavam uma forte reação.
O Marechal nem tentou avisar o governo federal, as notícias levariam meses para chegar ao Rio de Janeiro (sede do governo) e mais algum tempo para o senado decidir, então, investido da outorga que lhe conferiu o governo federal pelo próprio presidente da República, na gestão do território do Departamento do Alto Juruá, decidiu tomar a frente, a situação exigia urgência e rapidez. Era necessário agir logo diante da situação que se impunha, como militar, tinha que conter o avanço dos peruanos com o seu pequeno efetivo. Ele estava numa situação que requeria muito seus conhecimentos de planejamento e estratégia. A guarnição da tropa federal, era de poucos homens e mesmo assim, não havia como transportá-los até o rio Amônia, ou Nueva Iquitos como já batizado pelos peruanos, faltavam-lhes recursos, tais como: embarcações para o transporte da tropa, combustível e mantimentos. Então, foi quando ele soube de dois navios/motores ancorados no porto do seringal Invencível, no rio Moa próximo dali em Cruzeiro do Sul, chamados: “Moa”, da firma “Mello¨& Cia, e o “Juruá” de uma casa aviadora de Belém. Tomou os dois navios de assalto, (na linguagem militar), com a autoridade que lhe fora delegada, para o desespero dos proprietários das embarcações e imediatamente os equipou para servir como vaso de guerra, ainda ordenou que as tripulações, incluindo os comandantes, permanecessem no controle das já transformadas em belonaves. Mostrou seu timbre a todos sob seu comando, de imediato dois dos itens do seu problema tinham sido resolvidos de uma lapada só, a embarcação e o combustível, restava-lhe tão-somente a ração para os homens, mais especificamente a mistura, porque o básico tinha estocado em seu almoxarifado. Por sugestão dos matreiros, que se colocaram à disposição, pediram para “buscar” a mistura (caçar para abastecer o almoxarifado da companhia), missão de fácil cumprimento, dado a abundância de caça na região, o que foi autorizado sem delongas. No mesmo dia, os matreiros deram com uma piara (vara) de cateto e voltaram com pelo menos uns 20 já sem os “fatos” (intestinos). Pronto, o Marechal estava com a logística de suprimentos, arranchado.
No dia seguinte, já bem estruturado, seguiu viagem pelo Juruá, entrou no rio Amônia até bem próximo da foz do Breu, viagem que segundo os historiadores, durou cerca de seis dias de muita expectativa, pois o que se ouvia de notícias sobre os peruanos, enchia de apreensão a todos, menos o Marechal, que já tinha arquitetado sua estratégia, apesar de que, também tomou conhecimento que a tropa peruana era composta de pelo menos 80 soldados da “guardia nacional” armados até os dentes, inclusive eram possuidores de uma metralhadora Gatling de seis canos, que giravam em torno de um eixo, adquirida recentemente pelo exército peruano. Essa notícia abalou o moral de todos, porque a fama dessa arma, embora fosse desconhecida de todos, a antecipava. Uns seringueiros ouviram o pipocar dela no meio da mata, eram os soldados peruanos em treinamento, os curiosos seringueiros assustados viram o folharal medonho que era cortado de uma só vez, com os tiros da tal espingarda de seis canos, disque, os peruanos queriam mesmo causar pânicos nos residentes locais. A história já chegou aos ouvidos do Marechal, que a bicha derrubava mais de “100 homens” de uma só abanada. Imediatamente, reuniu o alto comando e decidiram que tinham primeiro que neutralizar essa tal metralhadora Gatling, o Marechal tinha conhecimento dessa nova arma, já ouvira falar, de fato era do tipo, “acaba pelotão”. Infelizmente, um dos dois navios cooptados, o Môa, não chegou ao seu destino, ficou encalhado num banco de areia, o rio estava baixo, ele ficou bem próximo do local onde seria a batalha, o que fez com que o Marechal, mudasse sua estratégia de ataque direto, teve a ideia de dividir sua tropa em três pelotões, por conta da grande procura de seringueiros que ao tomarem conhecimento do acontecido, se alistavam na hora, e se juntaram à coluna do Marechal em defesa de suas terras, terras essa que já “pertencia” aos peruanos pela posse militar.
As três colunas, fecharam o triângulo, em volta da armada peruana estacionada na comunidade Foz do Breu, o Marechal, selecionou os melhores homens e se encarregou pessoalmente de neutralizar a tal famigerada metralhadora. Os homens dos três pelotões, não esperaram o comando do Marechal, e nem tinham como, estavam distantes e sem comunicação, começaram o ataque, acuaram os assustados peruanos, fizeram-nos recuar até a sede do seu comando, deixando para trás suas armas e munições, mas antes, lutaram bravamente, tiveram alguns mortos e vários feridos. Pela bravura no ataque, os seringueiros também foram feridos, pela tal arma medonha, mas graças a ação corajosa dos homens do Marechal, a Gatling foi capturada, silenciada e sessada a barreira de fogo que impedia o avanço das tropas brasileiras. Ao final, os peruanos se renderam e na contagem dos mortos e feridos, houve um saldo de um morto e vários feridos do lado brasileiro e nove mortos e um número expressivo de feridos, do lado peruano. Depois de três dias de refregas, troca de tiros, gritos, ameaças e desespero, estava acabado o conflito com a rendição total da guarnição peruana e vitória das tropas federais brasileiras, apoiada pela horda (multidão) de seringueiros, que ficou conhecido como a “batalha do rio Amônia”. Finalmente, a Comissão deu a propriedade daquele espaço, ao Brasil. Os feridos dos dois lados, foram medicados no Brasil, por um farmacêutico de nome Mário de Oliveira Lobão que fora engajado às pressas e embarcado num dos navios, sob as ordens do Marechal Taumaturgo de Azevedo, tinha ele, a missão de atender os feridos, e foi dele, o relato mais preciso da grande batalha o que pode ser materializado nessa brilhante página da história da tenacidade do povo acreano.
(fonte: https://thaumaturgoacre.webnode.com.br/sobre-nos/)