Crítica ao conceito de Feminismo no Brasil

O Feminismo é um verdadeiro saco de gatos conceitual. Dentro dele foram jogados todos os movimentos sócio-políticos das mulheres no Brasil. Um enquadramento generalizante e empobrecido da atuação do ser feminino dentro da nossa sociedade. Toda vez que mulheres ousaram desafiar o status quo e lutaram pela sua emancipação, logo lhes foi atribuído os espaços da “esquerda” e do “comunismo”. Um bloco monolítico sem diversidade ou contradições internas, algo que não se sustenta num estudo mais aprofundado.

O movimento feminista remete a Inglaterra do século XIX. É partir daí que as mulheres da pequena-burguesia se unem pela sua inserção em novos espaços sociais e políticos. Nem todas as mulheres estavam inclusas, foram ejetadas do Feminismo as mulheres de outros grupos étnico-raciais e de outras classes sociais. Podemos estabelecer que esse movimento político e articulado das mulheres em relação a sua emancipação é de gênese liberal. A ideologia teve rápida proliferação e aglutinação em países do Ocidente capitalista.

Essa praxe não se confunde com o comunismo. Para as feministas, a luta se restringe a emancipação do feminino, ou seja, dos espaços sociais convencionais que aprisionaram as mulheres — a mãe, a esposa, a devota religiosa etc. —; já para os comunistas, a luta se dá no nível socioeconômico, não está focado nas questões identitárias. Sendo o primeiro movimento nascido das correntes políticas do liberalismo econômico das potências europeias, e o outro da classe operária, teremos muito mais relações históricas de conflitos que de diálogos.

Isso não significa dizer que mulheres comunistas não estivessem atentas e atuantes às questões femininas, de sua luta política e liberdade sexual (LIMA, 2008). Mesmo sem estarem vinculadas ao Feminismo ou se auto declararem, suas ações podem ser consideradas em alguns casos como feministas. O real problema é quando esses fatos são usados para homogeneizar, estereotipar e estabelecer uma unidade até então inexistente dentro do próprio movimento feminista, “o feminismo tem sido, nas últimas décadas [a partir da década de 1960], um movimento internacional, mas possui características particulares, regionais e nacionais” (SCOTT, 2011, p. 69).

Embora não seja o nosso objetivo fazer periodizações, podemos estabelecer os anos de 20 e 30 como o primeiro momento de atuação mais objetiva do Feminismo no Brasil,

“[...] [mulheres] especialmente de camadas socialmente privilegiadas, organizadas em diferentes grupos na luta pela libertação do gênero feminino. Parte delas se reconhecia feminista, a exemplo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) [...]. Outra parte, apesar de se posicionarem de forma contundente contra a inferiorização das mulheres, não se assumia feminista, como a maioria — senão todas — das mulheres do PCB” (ALVES, 2019, p. 182).

Houve períodos de maior ou menor atuação das feministas, sendo condicionado pelas rupturas democráticos que o Brasil passou. A exemplo do anarcofeminismo, só podemos lhe fazer menção a partir de maio de 68, sendo ampliado através do movimento punk; isso no que diz respeito strictu sensu ao nosso país. Em si tratando do comunofeminismo, independente das representações que o passado nos legou, só será visto em maior atuação na década de 90, quando o processo de reestruturação dos partidos de esquerda no Brasil se abriram aos movimentos sociais.

O Feminismo é uma força política real e atuante, no Brasil e no mundo. Mas de modo algum livre de contradições e reveses. Nem de longe unitário. Não devemos elencá-lo ao espaço da massa amorfa e indivisível; nem tão pouco repetir estereotipias ipsi litteris sobre a condição social e histórica das mulheres e sua luta política. O correto seria dizer “feminismos”, muitas vezes em conflito. São vários direcionamentos que, quando interseccionalizados, mostram um movimento heterodoxo e em constante renovação. Ser feminista no Brasil pode significar muitas coisas para as mulheres, mas com certeza não é uma unidade determinada.

REFERÊNCIAS

ALVES, Iracélli da Cruz. A política em prosa: representações comunofeministas em A sombra do patriarca. In: BATISTA, Eliana Evangelista; SILVA, Paulo Santos. (Org.). Dos fios as tramas: tecendo histórias, memórias, biografia e ficção. Salvador: Quarteto, 2019. p. 171-188.

LIMA, Luciano Rodrigues. Parque Industrial, de Maria Lobo (PAGU): resistência e utopia nos subterrâneos da Era Vargas. In: SENA JUNIOR, Zacarias F. de; SILVA, Paulo Santos. (Org.). Salvador: EDUNEB, 2008. p. 273-290.

SCOTT, Jean. História das mulheres. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas expectativas. São Paulo: Ed. Unesp, 2011. p. 65-98.

Caliel Alves
Enviado por Caliel Alves em 01/02/2021
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