OS COMPLEXOS PESSOAIS E CULTURAIS
Os complexos individuais ou pessoais, na abordagem da psicologia analítica ou na psicologia profunda, podem ser definidos como unidades vivas capazes de existência autônoma, cuja carga tem grande teor afetivo e emocional, podendo estabelecer associações com outros elementos análogos. Um bom exemplo de complexo, para ficar mais fácil o nosso entendimento, é o de uma pessoa que, devido aos maus tratos que sofreu na infância, desenvolveu um complexo de inferioridade.
No livro ''Jung e a psicologia profunda'', Verena Kast, a respeito da formação de um complexo, nos dá uma definição bem precisa: ''O complexo se forma em situações que se igualam à situação marcada, em episódios típicos de conflitos de relação, que podem se mostrar no dia a dia ou na situação terapêutica, mas também em sonhos e imaginações''.
Na mesma obra, a autora dá um esclarecimento de seu significado destacando as palavras do próprio Jung: ''Segundo evidências, ele (o complexo) provém do choque de uma exigência de adaptação com a natureza especial do indivíduo, inadequada no que se refere a essa exigência''.
Quando pensamos nos complexos culturais, podemos nos referir aos complexos presentes na cultura de uma nação ou na cultura de grupos religiosos, os quais têm as suas práticas intrínsecas, crenças, modos próprios de se vestir, falar e pensar. Segundo Jung, os complexos podem muito bem possuir tanto um indivíduo, quanto uma nação inteira, na medida em que o ego se torna totalmente frágil, desprotegido e desprovido de força para resistir a irrupção de um conteúdo energizado provindo do inconsciente pessoal ou coletivo. Na época da Segunda guerra mundial, o complexo cultural presente na coletividade alemã, um povo inferiorizado e que ansiava ao mesmo tempo a uma ascensão econômica e cultural de sua nação, bem como um revanchismo contra alguns países de índole expansionista, contribuiu para o desenvolvimento de seu poderio sobre as nações europeias por um certo tempo e, também, de sua capacidade de destruição sem precedentes na história da humanidade.
Thomas Singer, num ensaio sobre os complexos culturais que integra um estudo sobre psicologia analítica e perspectivas contemporâneas, a respeito desse assunto nos fornece uma boa definição: "Finalmente, como os complexos pessoais, os complexos culturais podem fornecer a quem foi apanhado em sua potente rede de histórias e emoções uma certeza simplista sobre o lugar do grupo no mundo em face do que, de outro modo, seriam incertezas conflitivas e ambíguas". Nesse contexto, podem emergir comportamentos individuais carregados de emoções e impulsividade, cuja visão de mundo muitas vezes se torna unilateral e, às vezes, tais atitudes podem ser movidas por alguns preconceitos pertencentes as influências de um grupo ou ideologia.
Numa de suas conferência sobre os Fundamentos da psicologia analítica, Jung a respeito do complexo de salvador eclodido na Alemanha e também na Itália, vai dizer: ''Atualmente não temos nenhum salvador na Inglaterra nem na Suíça; mas não creio que sejamos tão diferentes do resto da Europa. Nossa situação é um pouco diferente daquela dos alemães e italianos; talvez eles sejam um pouquinho menos equilibrados. Mas mesmo conosco seria necessário bem pouco para chegarmos ao que está acontecendo nesses dois países. Lá temos o complexo de salvador como psicologia de massa. Este complexo é uma imagem arquetípica do inconsciente coletivo e muito frequentemente se torna ativado numa época tão cheia de problemas e desorientações como a nossa''. Evidentemente, numa época cheia de desorientações pode eclodir certos complexos culturais que podem ter uma influência negativa e prejudicial sobre a massa e sobre toda a sociedade, como os complexos de salvador e de herói.
Ora, boa parte dos fenômenos de massa ocorrem de maneira incontrolável e irrefletida, suprimindo qualquer chance individual de pensar de forma diferenciada e além de estereótipos e preconceitos. É o que Jung vai dizer no seu livro ''Aspectos do drama contemporâneo: ''A vida dos povos transcorre de modo incontrolável, desorientado e inconsciente, á imagem de uma rocha que se precipita encosta abaixo, só se deixando frear por um obstáculo mais poderoso do que ela. É por isso que o acontecer político corre de um beco sem saída para outro, como um riacho na selva que flui entre barrancos, meandros e pântanos. Quando se trata do fenômeno de massa e não indivíduo, cessam os regulamentos humanos e os arquétipos passam a atuar. É o que acontece na vida do indivíduo quando este se vê diante de situações que não mais consegue controlar através das categorias que conhece e dispõe''.
Outros exemplos de complexos culturais que podemos mencionar é o que acontece no Brasil, com sua tendência à inferioridade em relação aos países economicamente desenvolvidos, de tal forma que os conteúdos de nossa cultura são menosprezados e os da cultura estrangeira valorizados; além dessa tendência, temos o fenômeno cultural da boa recepção do seu povo aos imigrantes e pessoas de outra cultura e língua. Também podemos destacar os EUA, com a sua política expansionista que remonta a muitas décadas, bem como a sua tendência de se manter no controle e na soberania do mundo através da imposição de sua cultura, de seu poderio econômico e de sua violência armada. Se no primeiro país, percebemos um certo complexo de inferioridade manifestado nos hábitos culturais de seu povo, no segundo notamos claramente um complexo de superioridade mesclado ao complexo de herói, os quais são manifestados não somente nos hábitos de seu povo, como também no orgulho desmedido dos seus cidadãos pela pátria.
Existem, além desses, outros tipos de complexos culturais, os quais deixam transparecer nas artes, na ciência, na filosofia e espiritualidade de um povo. Eles podem, de fato, eclodirem e se manifestarem no comportamento das massas e das coletividades com uma força ou ímpeto que os torna, às vezes, a mercê de certas obrigatoriedades e ritualísticas, juntamente com uma profunda noção de pertencimento a um grupo, ideologia, pátria ou política.