COMO NASCEM AS RELIGIÕES

*Por Antônio F. Bispo

Certa vez, reunido com amigos em um almoço de confraternização, um deles falou que tinha algo muito sério para nos mostrar. Ele tirou o celular do bolso e pediu para que víssemos um vídeo de extrema importância, cujo conteúdo poderia inclusive mudar o destino da humanidade.

Todos assistimos a gravação e só conseguíamos enxergar uma fogueira queimando numa noite escura, cujo crepitar de galhos e direção do vento fazia com que algumas fagulhas rodopiassem no ar.

Ele nos indagou sobre o que víamos e todos respondemos em uníssono: uma fogueira queimando! Ele ficou irritado, achou que estivéssemos “zuando com a cara dele”. Pensávamos o mesmo dele em relação a nós.

Para não sermos grosseiros, pegamos o aparelho e de modo individual revisamos a cena em detalhes e a visão era a mesma: uma fogueira queimando numa noite escura em um ambiente que parecia ser uma mata.

Depois de segundos de duro silencio e olhar reprovador da parte dele em relação a “nossa burrice”, ele nos falou que não estávamos preparados para aquilo, pois aquele tipo de revelação exigia um nível maior de inteligência e espiritualidade.

Informou então que há dias vinha fazendo meditação e contemplação da natureza de forma constante, sempre sozinho em ambientes naturais, que tinha se abstido de certos alimentos, que estava estudando alguns ensinos de povos antigos e por isso o seu “terceiro olho” estava em plena atividade.

Ele era uma boa pessoa mesmo sem religião alguma e por isso achamos que tudo aquilo era uma piada, coisa comum entre amigos. Rimos e isso o deixou ainda mais furioso.

Pedimos então que ele fosse paciente conosco já que ele estava nesse “elevado estado de consciência” e nós ainda em “plena ignorância”. Ao dizer isso, tocamos no “ponto G” de seu ego e dessa forma o convencemos a relatar o que de tão misterioso havia naquela curta gravação de menos de 30 segundos.

Ele relatou então que em uma de suas meditações, recebera a visita de seres de outras dimensões e que os tais falaram sobre a bem aventurança dele em “se desligar do mundo” e buscar algo maior e que por isso ele estava preparado para receber contato de uma civilização mais avançada e repassar a humanidade ensinamentos importantes para nossa própria redenção.

Os “seres inteligentes” (segundo ele) dissera que estavam tristes com os humanos e que precisavam de alguém para servir de ponte, a fim de transmitir ensinamentos que iriam purificar esse mundo do pecado. Ele (o jovem nosso amigo) havia sido escolhido para tal função por sua pureza e estado de espírito.

Perguntamos se ele vira se materializar os seres dos quais dissera, se vira alguma nave, alguma tecnologia não humana, algo que comprovasse sua visão. Ele disse que os seres de luz falaram em sua mente e coração e que ele mesmo duvidara ao ouvir tudo aquilo, mas os seres de luz dariam um sinal de sua existência. A prova seria fazer com que algumas fagulhas da fogueira levitassem e rodopiassem no ar... Essa teria sido a prova de que os “ETs iluminados” deram de sua existência! Nisso, ele pegou o celular e apontou para uma fagulha se erguendo do chão e girando em círculos até se extinguir.

Ouvimos toda a narração com uma das mãos tampando a boca para que ele não pudesse notar que estávamos prendendo o riso, mas nesse ponto ninguém mais aguentou. Todos rimos e gargalhamos alto por mais de 40 segundos sem parar.

Sinceramente continuávamos achando se tratar de uma piada, mas o olhar de fúria que se formou em seu semblante dizia que não! Decidimos nos recompor e mudar de assunto para que nossa amizade não fosse estragada por “mensagens iluminadas de outras dimensões”.

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Pois é... assim nascem as religiões. Elas não surgem do nada, como algo já pronto para consumo e bem estruturada (a menos que isso seja intencional). Geralmente elas aparecem como um simples culto, depois uma seita, logo depois como uma igreja, até atingir proporções e seguidores que seja enquadrada num perfil de religião. O tempo e o modo como ela será aceita ou propagada é que determinará se ela vingará, se virá outra coisa ou se extinguirá.

Isso aconteceu com praticamente todas as religiões e nesse exato momento está acontecendo em vários lugares do planeta com pessoas diferentes que estão recebendo “contatos iluminados de seres de outros mundos”, cujos seres poderiam aparecer e expressar-se forma clara e coletiva, mas preferem escolher indivíduos isolados em situações difíceis, em estado de transe, com baixa imunidade, muito desespero ou ganancia.

Uma pessoa “escuta a voz de deus” e fala sobre tal experiencia. Se os outros estiverem igualmente crédulos ou debilitados de suas faculdades físicas, mentais ou sob forte pressão, irão aceitar tal epifania. Com o número crescente de crédulos eles passam a fazer prosélitos. Enquanto estão em pequeno número, sentem-se como se fossem mártires, perseguidos, rejeitados e humilhados, capazes de morrer por tais “verdade” que pregam.

Se conseguem crescer até o ponto de influenciar a política, a educação ou chefes militares, então de perseguidos eles passam a perseguidores até o ponto de a crença não ser mais uma opção e sim uma imposição a todos, um caso de vida ou morte.

Foi assim com o cristianismo e tem sido assim com algumas versões do islamismo até os dias de hoje: quem não aceita tais crendices é um infiel, inimigo de deus e por isso deve morrer!

Estude a fundo e de modo neutro qualquer tipo de segmento religioso que você conhece, retirando dela toda romantização que seus líderes ou seguidores fazem dela e verá que o princípio é sempre o mesmo: uma pessoa aflita, gananciosa, doente, cheia de problemas, de paranoia ou sob efeito de alucinógenos que recebe uma mensagem divina contando sobre algum plano mirabolante e bla, blá, blá...

Moisés, depois de matar um egípcio e fugir para o deserto, lá se escondeu por 40 anos até que em uma certa noite fria de pastoreio viu arbusto pegar fogo e não se queimar. Teve curiosidade e se aproximou. A moita se apresentou, revelou seu nome e proposito. Disse que ele era um escolhido e por meio dele libertaria o povo hebreu para que uma nova forma de culto em seu nome fosse iniciada.

Ele o fez e assim nasceu o judaísmo, por meio de um ex-principe do Egito, o herdeiro do trono de Faraó, e agora um assassino, fugitivo, procurado que se tornara pastor de ovelhas para se mesclar ao povo, tendo que suportar o calor escaldante do deserto pela manhã e o frio insuportável a noite, além de enfrentar ladrões, lobos e todos os tipos de predadores que tentavam minar seu rebanho.

Teria ele oportunidade melhor que essa para aproveitar todo o seu conhecimento esotérico, cientifico, político e sua capacidade de liderança? Perdeu a coroa, mas não a majestade! Bastou um pouquinho de criatividade, romantização e falar o óbvio (tirar o povo da escravidão) e pimba! Surge um novo objeto de culto. Um deus incorpóreo que deseja reaver o “seu povo” das mãos do Faráo, e ele seria o seu interprete e se tutor nessa missão.

Depois de se apresentar por meio da sarça ardente, esse deus passou a se manifestar a Moisés sempre de forma oculta e misteriosa ou em lugares inascíveis a exemplo de cumes de montes. E quem o seguisse para conferir sua interlocução “com deus” deveria ser morto.

Até hoje esse deus continua no mesmo mistério, nunca sendo visto, sempre dando ordens confusas e antagônicas por meio de seus diversos representantes que se digladiam entre, dizendo ser o mais apropriado sucessor de moisés para conduzir o povo a “Jerusalém celestial”!

Com Maria não foi diferente!

Gravida de um “filho sem pai”, em uma sociedade religiosamente cruel e de preceitos irredutíveis e imperdoáveis quanto a virgindade e ritos maritais, a morte certa por apedrejamento era o seu destino final.

Dizer que estava grávida do próprio deus era a melhor saída, afinal, outras virgens em outras épocas e em outras culturas já tinham dito o mesmo e se deram bem, se tornaram bem aventuradas por serem mães de semi deuses.

José também caiu nessa! Um homem religioso é capaz de perdoar até o imperdoável para não manchar a “obra de deus”. Se este, além de ser religioso for um apaixonado, ele é capaz de salvar a tal obra de deus, sua amada e a honra de toda sua família assumindo um filho do espírito santo, mesmo nunca religião que não existia espirito santo, cujo deus era apenas um e indivisível, sendo impossível dividir-se em dois ou três, muito mesmo ser parte de uma zoofilia numa fantasia erótica de uma mulher em apuros.

José aceitou e se conformou. Seus discípulos também.

Hoje o culto ao deus pai, ao deus filho, ao deus espirito e a “deus mãe (ou mãe de deus)” é tolerável, aceitável, e já foi até crime passível de morte negar tal “milagre”.

Com um pouco de criatividade, vitimismo e romantização tudo se resolve, principalmente se for entre o “povo de deus” ou para salvar uma “causa santa”, não é mesmo?

Algo parecido seu deu também Maomé!

Órfão de pai e mãe, no meio de uma sociedade cujas tribos brigavam entre si pelo poder absoluto sobre as demais, foi em uma caverna que ele teve sua primeira epifania.

O anjo Gabriel lhe apareceu, falou sobre deus e sua vontade e como ele deveria se preparar para unificar o povo em uma cruzada santa, expulsar os pecadores dos locais sagrados e converter todos ao chamado de Alah (e quem não concordasse poderia ser morto). Assim essa fé ganhou espaço, seguidores e influencia global.

Aos que questionam a veracidade dos fatos, do proposito ou a santidade do fundador penalidades diversas lhe aguarda. A obediência cega as lideranças e a imposição de “costumes de santidade” por algumas vertentes dessa fé se entrelaçam aos “mandamentos divinos” deste povo de modo que é impossível tirar uma vírgula de seus costumes sem declarar uma guerra de proporções inimagináveis.

Outra vez, o deus de mistério agindo de forma misteriosa, falando às escondidas para que sua mensagem seja replicada ao publico sem questionamentos.

Outra desta epifania também misteriosa é a do fundador da Igreja dos Mórmons. Dessa vez, “deus” saiu do velho mundo e “apareceu” no novo mundo, mostrando ao Sr Smith umas tábuas escondidas contendo mandamentos escritos milhares de anos antes e ele fora o privilegiado para levar essa novidade ao mundo.

Ele estava perturbado, muito preocupado em servir ao deus certo de modo certo, diante de tanta hipocrisia vivida por tantos outros padrões religiosos de sua época. Daí deus “aparece”, diz o que tem de ser feito e pronto!

Seus seguidores repercutiram tal encontro e os tais “mandamentos divinos” e hoje temos uma grande vertente do cristianismo com milhões de seguidores em todo mundo apesar de ter menos de 200 anos de existência. Pela primeira vez deus “aparecia” em um lugar que não fosse o oriente médio...

É sempre assim. Deus é mistério e misterioso é o seu modo de agir!

Se tivéssemos dado ouvido ao nosso amigo do início da história, quem sabe mais um culto teria surgido naquele dia e “local sagrado”, e um vídeo de uma fogueira acesa numa noite escura seria e alguns amigos jogando conversa fora depois de um almoço ser a “prova viva” dessa manifestação teofânica.

Se você estudar como cada igreja começou a história será basicamente a mesma: os fundadores tiveram sonhos, visões, revelações de deus mandando fazer algo. Outros tiveram suas confirmações por meio de eventos naturais, cuja visão ordenava que eles saíssem de uma igreja, abrissem outra fazendo a mesma coisa que faziam onde estavam dizendo serem diferentes ou mesmo sendo diferentes em usos e costumes, mantendo a mesma crença raiz na trindade ou no deus bíblico da “igreja mãe”, apenas trocando seis por meia dúzia sem nada de proveito de fato apresentar ao mundo.

Enquanto deus não aparecer pessoalmente para revelar de modo igual e simultâneo sua vontade a todos, isso se repetirá por muito tempo...

Enquanto o “dono da marca” não aparecer começar a cobrar royalties por direitos autorais ou processar pastores, apóstolos, bispos e outros líderes religioso pelo uso indevido e abusivo de sua imagem, todos os dias novos mercadores da fé surgirão depois ter alguma “conversa particular com deus”.

E nesse limbo permaneceremos...hora alcançando patamares científicos nunca antes vistos em época alguma, hora comprando um caroço de feijões comuns à preço de diamante com promessas de cura para uma pandemia global...

A solução para este mal é individual, de responsabilidade própria!

Dizem que a fofoca morre quando um entre os fofoqueiros decide não levar a diante a fofoca recebida.

Indiretamente, todo fazedor de prosélito religioso é um fofoqueiro que não viu o que ocorreu, não sabe ao certo como, quando, com quem ou sob quais circunstancia um fato ou aconteceu (ou se ocorreu) e mesmo assim decide divulgar tais citações como se fosse uma verdade universal e irrefutável (sem falar que a maioria deles ameaçam de morte, enfermidades e inferno quem não acredita em suas mensagens (bobagens)).

O Estado concede essa licença como sendo um paliativo para mentes não evoluídas e chama isso de liberdade de expressão religiosa.

Tudo bem! Que seja!

O problema é que a liberdade de uma pessoa começa quando de outro termina e muitos não entendem ou aceitam isso. Tem de ser do jeito deles, cada um com suas verdades tentando empurrar à todo custo aos outros.

O “desejo de todo deus” é sempre ser o maior, o mais venerado e o mais temido entre todos. Então toda civilidade e humanidade pode ser esquecida ou ignorada quando o assunto é “fazer a vontade de deus”!

Que há inteligência nos guarde! Que a sobriedade nos proteja! E que a racionalidade, a compaixão e o equilíbrio estejam sempre conosco hoje e sempre, principalmente quando estivermos na presença de “servos fieis a qualquer tipo de deus”.

Em último caso, que não nos falte a coragem de mandá-los para casa do C*R*L*H* qualquer deste nos queira impor a todo custo suas próprias verdades. Que assim seja!

REVEJAM SEUS CONCEITOS!

Saúde e Sanidade a Todos!

Texto escrito em 10/1/21

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 10/01/2021
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