O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

Jung, ao aprimorar a sua concepção sobre individuação, define esse conceito, no livro ''O eu e o inconsciente'', com grande dose de clareza e brilhantismo: ''Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por 'individualidade' entendermos a nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio 'si-mesmo'. Podemos pois traduzir 'individuação' como 'tornar-se si-mesmo' (verselbstung)' ou 'o realizar-se do si-mesmo' (selbstverwirklichung)''.

No livro escrito por Murray Stein, Jung e o caminho da individuação, há uma passagem que expressa bem a importância dessa disciplina psicológica de grande valor para o desenvolvimento mais integral possível do ser: ''De modo mais significativo, porém, a individuação é uma disciplina psicológica que exige a participação integral da pessoa consciente para fazê-la progredir. Em essência, ela procura levar o ego-consciência para fora e para além de suas características e hábitos pessoais estabelecidos e de atitudes culturais assimiladas (isto é, caráter e personalidade), objetivando um horizonte muito mais amplo de autocompreensão e plenitude, um horizonte que é impessoal e beira o que muitas vezes chamamos de anima mundi. A individuação produz uma extensão da consciência que vai além do pessoal e alcança o arquétipo ou não pessoal''.

Baseados nesses insights trazidos pelo pensador e psiquiatra suíço a respeito desse conceito, podemos pensar a individuação como um processo que nunca termina e na qual um ser humano se torna mais capacitado para ser responsável pela sua existência, conquistando ótimos níveis de integridade pessoal e maior apropriação de alguns conteúdos desconhecidos de sua psique mediante a análise dos seus sonhos, memórias e materiais de grande carga afetiva e emocional (e alguns deles até de origem arquetípica).

A individuação surge, portanto, quando um indivíduo aprende a se diferenciar da massa, em muitos casos absorvida por ideologias, estereótipos, normalidades e impulsos desprovidos de reflexões, para então se aventurar numa profunda busca de si mesmo, atingindo uma habilidade de compreensão das suas próprias dificuldades e potenciais, limitações e aptidões criativas, realidades íntimas e anseios profundos da sua alma; e, além do mais, alcançando a condição de um admirável autoconhecimento.

Às vezes, um sofrimento vem auxiliar o encontro do indivíduo consigo mesmo; e também existem momentos em que uma epifania e um acontecimento de grande valor simbólico podem proporcionar uma vivência de profundo significado espiritual para aquele que está em busca de respostas consistentes para a sua existência, gerando em seu ser novas aspirações e necessidades que visam o aprimoramento pessoal, seja ele de ordem psíquica, afetiva ou espiritual.

Sobre a experiência profunda do si-mesmo, Jung nos remete às práticas da meditação e da Yoga tal como são realizados na Índia, a fim de nos dar um vislumbre de como o processo de individuação é uma via à experiência do si-mesmo, o qual, por sua vez, sempre estará acima do ego. Esse processo, na visão do autor, não é apenas para uma determinada fase, mas para uma vida inteira, assim como fazem constantemente os grandes metres das filosofias orientais nas suas empreitadas de extraírem boas experiências com o transcendente e com a sua totalidade.

O psicólogo e pensador de Zurique, nos seus estudos sobre a prática da psicoterapia, vai dizer de maneira bem clara o que ele entende por si-mesmo e como ele concebe o processo de individuação: ''O mesmo inconsciente coletivo dá origem a uma reação em contrário na forma de um processo centrado, caracterizado por símbolos inconfundíveis. Este processo vai constituir nada menos do que um novo centro para a personalidade, cuja característica- conforme mostram os símbolos- é estar acima do eu, e cuja superioridade também é comprovada empiricamente, numa fase posterior. É por isso que esse centro não pode ser subordinado, mas na valorização tem que ser colocado acima do eu. Além disso, já não se pode designá-lo o como eu, razão porque denominei 'o si-mesmo' (seibst). Experimentar esse si-mesmo é a meta mais nobre Ioga indiana (...) Tanto aqui, como na Índia, a experiência do si-mesmo nada tem haver com intelectualismo, mas é uma experiência vital transformadora. O processo que conduz a ela foi por mim denominado processo de individuação''.

Quando uma vida humana se confronta com as profundezas de sua interioridade e de seu coração, poderá, naturalmente, ficar assustada com o que irá se deparar, até porque poderá não apreciar o desvelar de alguns aspectos inconscientes, talvez tão opostos a maneira como ele se enxergava! No entanto, se essa pessoa seguir adiante e corajosamente nesse trajeto angustiante e rumar num processo constante de autoavaliação e autoexame interior, talvez conseguirá desenvolver uma maior consciência a respeito de si mesma e, com isso, poderá desfrutar de uma sabedoria bem mais elevada do que se estivesse imersa nos imperativos irrefletidos da maioria na sua realidade pré-fabricada.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 26/12/2020
Reeditado em 25/09/2021
Código do texto: T7144501
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