E SE FOSSE VERDADE?

A saga dos escravos errantes que portavam suas próprias sentenças de morte acreditando se tratar de cartas de alforria!

Por Antônio F. Bispo

Pensem na seguinte situação: servos de um fazendeiro escravocrata desapareciam toda vez que saíam para levar uma carta misteriosa a um destinatário, um capataz rude e fiel ao fazendeiro, responsável por guardar o único portão de acesso a fazenda.

Como nenhum dos escravos retornavam de suas missões, os que ficavam pensando que estes tinham se tornado livres por meio daquela carta escrita, dada a eles pelo fazendeiro.

Obedientemente, todos esperavam trabalhando em suas funções, acreditando que depois de algum tempo o seu dia também chegaria e a liberdade desejada viria como aos que dali partiram sem mais voltar.

Por se tratar de uma comunicação interna e como nenhum dos portadores sabiam ler, as cartas nunca eram seladas. Qualquer portador poderia ler o conteúdo se quisessem. Como não sabiam, o conteúdo estava protegido e o objetivo seria sempre executado.

Eles nem desconfiavam que, todos os emissários destinados portavam a própria sentença de morte pensando ser a uma carta de alforria.

Salvo o próprio fazendeiro, seu capataz e seus filhos, todos na fazenda foram proibidos de conhecer as letras e quem fosse pego tentando receberia duros castigos.

Ao portador era ordenado a morte e a eliminação do corpo. Os motivos eram os mais diversos: escravos fujões, doentes, estéreis, fracos, velhos ou com altas probabilidades de liderar motins.

Entre eles, um jovem escravo encontrou um modo de ausentar-se sem ser notado em certas ocasiões para um proposito maior. Ele furou pequeno buraco no assoalho da sala do seu senhor e toda vez que a professora de seus filhos vinha ensinar-lhes, ele ficava ali, escondido numa posição desconfortável, absorvendo todo o conteúdo ensinado por ela.

Desse modo ele aprendera a ler e escrever, além de filosofia e outras ciências humanas e exatas. Ele ocultou isso de todos jurando usar tal conhecimento numa ocasião oportuna em benefício de todos.

Depois de adulto, aos poucos seu comportamento foi mudando, sua influência sobre os outros aumentando e logo ele seria capaz de liderar uma rebelião. O senhor de escravos sabia que algo diferente estava acontecendo com aquele rapaz, mas não sabia a origem.

Como em outros casos, ele escreveu uma carta ao seu capataz ordenando que o eliminasse, alegando que este era um risco a todos e que ele tinha uma inteligência fora do comum para um escravo iletrado.

Em posse da carta, o escravo partiu para aquilo que parecia ser seu destino trágico. No caminho ele parou, leu o conteúdo e ficou surpreendido com o que lera. Entendera o que acontecia com todos os seus irmãos e que estes, ao invés de alcançarem a liberdade, dirigiam-se ao matadouro portando suas próprias sentenças de morte.

Imediatamente ele teve uma ideia: tratou de rescrever a carta como se fosse o seu senhor, ordenando ao capataz que lhe fornecesse uma montaria melhor, dinheiro e comida para 3 dias de viagem, pois sua filha estava extremamente doente e o tal fora incumbido de buscar uma planta medicinal que só era encontrada do outro lado da floresta.

Apesar de ser um pedido incomum, o capataz procedera conforme a orientação da carta. Ele sabia que o seu senhor jamais autorizaria que ninguém além dele ou de seus filhos saísse dos limites da fazenda por motivo algum. Mas sabia também, que o fazendeiro tinha uma filha doente que de tempos em tempos tinha uma recaída crise e precisava de médicos ou curandeiros indígenas para trata-la.

Se fosse averiguar a veracidade da informação, ele levaria metade de um dia a cavalo. Se fosse verdade e a filha do seu amo morresse por sua imprudência, ele pagaria com a própria vida. Resolveu deixar o escravo ir.

Fora da fazenda e com mantimentos suficientes para 3 dias de viagem, o escravo conseguiu reunir escravos fugitivos de outras fazendas, bem como índios e pequenos agricultores abolicionistas que retornando em maior número, conquistaram a fazenda e libertaram todos os escravos restantes...

O conhecimento das letras não apenas salvou da morte certa aquele rapaz, como também a todos os seus conterrâneos...

Pois bem, essa é uma história fictícia que usei para ilustrar o que tenho a dizer a cerca da crença em deus (o deus bíblico) conforme o cristianismo afirma ser.

Imagine que essa carta misteriosa fosse a bíblia. A maioria dos crédulos chamam-na de palavra da verdade e a trazem consigo como se fosse uma carta de alforria, mas na verdade seria sua própria sentença de morte caso deus (ou jesus) fossem reais.

De fato, por séculos a maioria dos que a portavam não sabiam ler o seu conteúdo e apenas repetia o que outros diziam se saber se era ou não daquele jeito. Ditames populares mesclaram-se com aquilo que “deus disse” a ponto de não saber-se mais o que tinha ou não sido “escrito por deus”. A igreja católica decidiu manter tais ditames e crendices e chamar isso de tradições da igreja e as tornou tão sagradas quanto a própria bíblia.

Por esse e outros motivos, mesmo hoje com a alfabetização estando acessível a todos, o que a leem, quando o fazem, a entendem de acordo com suas tradições culturais, ideologias místicas, políticas ou influencias diversas de gurus novos e antigos, desta e de outra época.

Um mesmo livro, várias interpretações, vários senhores, vários carrascos e vários escravos que portam a própria sentença de morte sem saber que o fazem.

Os escravos que tiveram a ousadia de “aprender além da conta” perceberam o erro de tudo isso, leram suas cartas, entenderam suas sentenças de morte e as reescreveram, substituindo-as por um final feliz, conseguindo libertar-se dessas amarras sem antes enlouquecer. Eles fizeram isso confrontando aquilo que a fé diz ser com o que realmente tem sido desde sempre, comparando a teoria e a prática da própria bíblia e dos que dizem segui-la.

De fato, se não fosse apenas questão de fé, se todas as sentenças escritas na bíblia tivessem efeito real, os cristãos estariam indo à passos largos para o matadouro, condenados pelo próprio livro que diz ser a verdade, pelo modo que vivem suas vidas e concebem a ideia de deus.

Os que dizem servir ao deus bíblico desconhecem o que ele é ou o que ele ordenou segundo a própria bíblia, escrita por aqueles que se consideram “o seu povo”. A bíblia (ou pelo menos o velho testamento) não é um livro cristão e nem fora escrito para os tais. Seu conteúdo, objetivo e forma fora escrito para outro povo. Os cristãos a tomaram para si como se fossem donos e criadores de tais “verdades”, sem saber que o próprio conteúdo do livro era um testamento aberto, condenando-os no seu modo de ser, pensar e agir. É o que dar plagiar os deuses dos outros sem saber o que eles “mandam”.

O primeiro princípio que os condenaria é que segundo a bíblia Deus é uno, indivisível, imutável e absoluto. Venerar qualquer outro deus que não seja ele mesmo em seu modo invisível e inacessível de ser é um pecado mortal. Isso inclui adorar a sua representação por meio de um deus filho em forma humana e um deus espírito em forma de pomba. Totalmente inconcebível!

Adorar, pedir ou cultuar a qualquer outra forma (física ou imaginária) de deus que afirme ser sua representação terceirizada também é uma blasfêmia, passível inclusive de morte segundo mesmo livro.

Isso inclui venerar ou interpelar a Maria (a suposta mãe de jesus) bem como a seu pai, seus irmãos, seus apóstolos ou qualquer um que a igreja tenha canonizado como se fosse um santo ou mediador entre deus e o homem.

Venerar padre ou pastor; comprar bugigangas ungidas; banhar-se (ou beber) em seu suor, sua água de banho ou qualquer secreção de seus corpos achando ser milagrosa bem como acreditar que esses mortais possuem o poder de abençoar ou amaldiçoar alguém, é também brutal a santidade de deus, um crime inafiançável, uma blasfêmia intencional, cujo intuito não verbal é afirmar que o próprio deus não é capaz de prover o que prometera aos seus servos. É uma declaração de guerra ao próprio deus. Até pensar nisso seria pecado, quanto mais fazer...

Os cristãos não sabem disso ou fingem não saber.

Os senhores de escravos (líderes religiosos) e seus capatazes não permitem que as origens de suas crenças sejam buscadas e compartilhadas por escravos comuns e qualquer um que o fizer será duramente açoitado em público.

Vamos, porém, “pegar leve” nessa demonstração.

Digamos que deus realmente mudou e passou a tolerar tudo isso sem se importar com o que dissera antes.

Digamos que ele aceitou dividir sua glória com outros deuses e líderes religiosos salafrários, manipuladores e gananciosos. Digamos que estes realmente os representam.

Vamos deixar de lado todos os mandamentos de Genesis a Deuteronômio.

Vamos aceitar como verdadeiro apenas os 10 mandamos, retirando os 5 que se referem a deus e deixando apenas os 5 direcionado às relações pessoais. Mesmo assim teríamos: não roubar, não matar, não adulterar, não mentir e nem falar mal dos outros! Eeeeeeeeita....

Imagine agora nesse mundão de cristãos mundo à fora, nesse país de fake News, de “gente de bem”, e de “gente honesta”, que sem remorso algum fazem o que fazem com interesses egoístas... para onde eles iriam? Quem entre eles se salvaria? Eles estariam portando consigo o livro que os condenaria e diz com todas as letras eles são pecadores, indignos de deus e merecedores de punições diversas. Xiiiiii... o bicho pega, não é?

Vou facilitar ainda mais a vida desses “escravos errantes”.

Vamos concordar com eles por um instante que que Jesus é realmente o filho de Deus, que todo o velho testamento foi abolido e somente a parte que fala do dízimo é válida (como eles dizem).

Então teríamos um Cristo, abnegado, que renunciou sua realiza, que se juntou aos homens, que sofreu e padeceu para ser exemplo de humildade, virtude e desapego e que disse: “façais aos outros tudo aquilo que desejam que os outros vos façam...”

Caramba! Ainda tá complicado, não é?

Diante dessa simples afirmação, onde raios se encaixariam esses cristãos avarentos, cobiçosos, egoístas e orgulhosos que apregoam os reinos dos céus e vivem em função de conquistar a terra? Para onde iriam os que apregoam a paz e vivem promovendo a guerra em seu nome? E aqueles que usam a política, a religião, o comércio e toda tecnologia para escravizar o seu próprio povo além de expandir essa escravidão além fronteiras?

Para onde esses iriam? Como ficariam esses cristãos pais e mães que abusam ou estrupam seus próprios filhos e enteados? E os filhos que abandonam os pais depois de velhos e doentes, para onde iriam? E os que mesmo “morando em igrejas” vivem em função da inveja, do ódio, da vingança e da ira desnecessária contra tudo e todos? O que aconteceria com esses?

Algo a se pensar...

Nessa hora, surge um escravo portador de sua própria sentença de morte diz: “o sangue de cristo é que nos purifica de todo pecado”! Ou então: “pela fé é que somos salvos e não pelas obras”!

...É realmente um “ato divino” conviver com tantas contradições sem surtar e mesmo assim se considerar o ser mais inteligente do universo. Esse é sem dúvida um dos vários mistérios da fé, passível somente aos que vivem como ovelhas...

Se perguntarmos aos tais, a que fé ou a que cristo eles se referem, é provável que uma avalanche de insultos variados nos sejam dirigidos, pois uma afirmação automaticamente anula a outra, e que se ambas ou apenas uma delas estivesse certa, eles seriam condenados pelo próprio livro que diz ser um mapa para o reino dos céus...Pensando encontrar o nirvana, eles encontrariam o seu próprio carrasco se tudo fosse real...

O mais incrível é que qualquer escravo que aprenda a ler, que conquiste a própria liberdade e que retorne para libertar seus conterrâneos, será hostilizado pelos próprios escravos que acreditam que por meio da obediência cega, um dia seu senhor lhe concederá a liberdade que eles tanto esperam. Acreditam que somente orando, jejuando e obedecendo serão coroados com honras e glórias diante de todos os não crédulos e “escravos fujões”.

Por sorte, se suas crenças não fosse um aglomerado de fantasias, estariam todos eles perdidos para sempre. Bom que eles podem mudar o disco quando quiserem e ouvir uma nova estória.

Por outro lado, os que insistem em viver nessa fantasia, estragam a si mesmo e tentam a todo custo estragar a vida alheia acreditando estar em missão divina, quando tentam tornar seres livres em escravos de todo tipo de líder religioso, principalmente os imorais.

Vivem em completa negação e plena fé provedora, mas recorrem a medicina, a tecnologia, ao direito e a todas as estruturas sociais já montadas toda vez que a fé sozinha não é capaz de resolver...

Esse tipo escravidão não se desfaz de uma ora pra outra, principalmente quando o escravo não se enxerga como um tal.

Pior ainda quando esse acredita que todo tipo de abuso e exploração por parte dos líderes religiosos e seus capatazes fazem parte de um grande plano divino para provar a fé do crente, que após passar por tudo isso crente em deus, receberá uma recompensa ainda maior...

Antes de mais nada, toda liberdade coletiva começa com a inquietação de uma mente inconformada, que procura “ler e entender o mundo”.

Os que chegam nesse nível, quando não conseguem libertar seus compatriotas, em posse de sua sentença de morte reescrevem o próprio destino fingindo-se bobos até passarem pelos capatazes da vida, para somente depois de ultrapassados os limites dos currais da fé, possam anunciar sua liberdade...

Saúde e sanidade a todos!

REVEJAM sempre SEUS CONCEITOS!

Texto escrito em 13/12/20

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 13/12/2020
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