AS MISTERIOSAS FISSURAS CIRCULARES
AS MISTERIOSAS FISSURAS CIRCULARES.
Série: Soluções de engenharia
Autor: Moyses Laredo.
A piscina do Clube de Engenharia, que eu frequentava com assiduidade, na cidade em que morei por muitos anos, apresentava um problema já há bastante tempo, e nunca havia sido sequer dado nenhuma solução, convivia-se com aquilo como fato consumado, e olhe que estamos falando de um clube de engenheiros, mesmo assim, ninguém comentava nada de como se resolver aquela questão. Durante as conversas que mantive com colegas, perguntava-lhes o que estaria acontecendo, o porquê daquilo, mas, as respostas vinham evasivas, às vezes, com as mais variadas soluções, sem contudo, haver congruência entre elas, porém, como também, não vinham acompanhadas de explicações técnicas, ninguém defendia ao certo sua teoria, então, para amenizar o problema para os usuários da piscina, uma diretoria que passou por ali, mandou colocar tábuas no sentido horizontal, fixadas com grandes parafusos e buchas, cobrindo as rachaduras nos encontros das paredes da piscina, com as bordas, tapando completamente a anomalia, e assim, ninguém, via mais nada.
O problema que acontecia era o seguinte: As bordas que se sobrepunham sobre as paredes da piscina, apresentava uma grande rachadura ativa e progressiva, exatamente no encontro das ditas paredes com as lajes das bordas do piso da área ao redor da piscina. A rachadura, percorria todo perímetro, dando a impressão que se soltara do piso da borda. Como forma de esconder ao público, cobria-se tudo com tábuas, que de dois em dois anos, precisavam ser substituídas em face do seu apodrecimento. Quando chegava essa época, os parafusos começavam a fazer vítimas para quem se encostasse ali descuidadamente. Num domingo, que estavam a substituir as tábuas, onde se podia ver bem a rachadura, observei um fato curioso e deveras interessante, as bordas das rachaduras dos azulejos, não eram coincidentes, como a oclusão das dentaduras, algo as estava fazendo se movimentar, desalinhando-as. Também observei que, todos os azulejos da linha da rachadura, apresentavam fissuras circulares. Impressionante, cada azulejo tinha a sua própria marca de fissura, exatamente os azulejos que foram assentados no respaldo da parede da piscina com a borda, ou seja, a última fiada. Além das estranhas fissuras circulares, partiam-se ao meio, representando a separação forçada como uma junta de dilatação, exatamente no encontro da separação da placa do piso com as paredes da piscina, acredito que não fora projetada para esse fim, o mais certo seria admitir um erro de construção. Agora, o elemento “fissura circular” em cada azulejo situado na linha da “junta de dilatação forçada”, é uma patologia estranhíssima. Mas como isso ocorre? Diria o curioso engenheiro junior. Que tipo de fenômeno ocasionaria tais deformidades? Contradizendo os exemplos dos livros, onde as fissuras são sempre lineares, algumas até podem apresentar pequenas curvatura ou linhas quebradas no percurso, mas, círculos perfeitos em cada azulejo?...não, isso não tinha explicação, ainda! Esse fenômeno passou a me intrigar, não conseguia me desvencilhar dessa questão, embora não estivesse sendo cobrado, e nem era nenhuma das obras minhas, entretanto, a curiosidade científica me instigava; para mim, tornou-se um insulto não saber responder a isso, de fato, esse fenômeno desafiava a minha alma de perito. As perguntas eram: Como isso ocorre? Quais as causas que provocam esse intrigante fenômeno? Essa anomalia passou a me interessar, sempre que frequentava o Clube, ficava a matutar o problema. Até que um dia, finalmente encontrei o caminho para a elucidação do problema. Tratava-se evidentemente de dilatação, não haviam dúvidas. Primeiramente a resolução do problema, começa com o enunciado das causas. As paredes da piscina, não foram concretadas concomitantes com as bordas, isso era um fato inegável. Apurei que executaram a borda dias depois, integrada ao piso da área de lazer, o mesmo que compunha a área do solário que arrodeava a piscina. Conclusão, a laje da borda da piscina, fora concretada somente após concluírem o nivelamento de toda área de aterro. Dessa maneira, foi criada uma junta natural de dilatação não prevista, exatamente no encontro da laje do piso com o respaldo das paredes da piscina. O recomendado é, que se concrete a borda ao mesmo tempo que se concreta as paredes da piscina, assim, a “caixa” da piscina, apresentará muito mais resistência às deformações (torções, flexões, etc.), permanecendo mais rígida contra qualquer movimentação prevista.
Depois de descoberto a falha na concretagem, que explicava a tal rachadura, fica ainda a explicação das fissuras circulares nos azulejos. Mas, como explicar as tais fissuras nos centros dos azulejos? As causas estão ligadas intrinsicamente à questão do índice de expansão (Ce) das argilas, ou seja, o substrato dos pisos das áreas, que com a mudança de volume causado pela variação do teor de água dos conhecidos solos vertissolos (são solos morfologicamente muito pouco permeáveis que apresentam grandes mudanças de volume). O substrato onde a placa do piso da área de lazer da piscina se apoiava, era desse solo vertissolos. A associação dos movimentos da dilatação térmica linear (volumétrica desprezível) da placa de concreto da borda, com a expansão vertical do solo do aterro da área, de forma lenta e gradual à proporção da exposição ao calor do sol descrevia uma curva. Se colocado esses movimentos num gráfico cartesiano, onde o eixo das ordenadas (y), representaria o empuxo vertical do solo, e no eixo das abscissas (x), representando a dilatação térmica, ter-se-ia uma curva ascendente, dado que, as velocidades dos dois elementos constituintes do fenômeno, são distintas, e com o consequente resfriamento da placa à noite, desenharia a simetria da curva, o que fecharia o círculo nos azulejos. Eureka!!! É isso mesmo?...Explicando melhor, quando o solo se satura, tende a se expandir, é claro, uma vez que se encontra aprisionado, o único grau de liberdade dessa expansão é para cima, e isso acontece ao mesmo tempo que ocorre a dilatação térmica, das placas de concreto, na medida que o calor incidente sobre ela a faz dilatar-se volumetricamente. Vamos ver se entendi direito, a conjugação dos movimentos de dilatação volumétrica do maciço do solo em função de sua saturação para cima, e a expansão linear da placa de concreto da borda da piscina, ao longo do dia, gera um movimento conjugado em círculo, nos azulejos, que permanecem colados em ambos os lados da rachadura até que se partam pela força exercida pela placa, basta entender que, os movimentos se processam gradativamente à proporção que as placas do piso se aquecem e voltam a se resfriar à noite, a partir da não incidência do calor do sol, isso fecha o contorno do círculo. Em outras palavras, durante o dia, a placa do piso dilata, à noite se contrai, num movimento sanfonado, enquanto que, o solo, continua a empurrar a placa para cima, porque a saturação do solo não se dissipa tão facilmente como o resfriamento das placas de concreto. Essa conjugação de forças, rompe os azulejos e aí o ciclo se encerra, vez que não há mais a resistência oferecida pela colagem dos azulejos nas duas partes, parede e placa.
Mas tudo bem, foi explicado o fenômeno, e agora como corrigi-lo? Essa era a segunda parte da solução. Mas vamos lá. Solicitei à diretoria do clube que me dessem permissão para solucionar o problema, os colegas incrédulos, disseram que muitos já haviam tentado, contudo, não lograram êxito, mas, que eu poderia pelo menos tentar mudar o aspecto daquelas madeiras apodrecidas da borda. Permissão dada, início dos trabalhos.
A rachadura ao longo do perímetro da borda era irregular, como duas linhas quebradas sobrepostas, que não se coincidiam. O primeiro passo seria retificar as rachaduras, torná-las uma fenda de mesma largura e retidão. Em seguida, preencher o espaço com uma junta de dilatação para que haja a movimentação independente das partes separadas da piscina, o que evitaria a transmissão de esforços de uma para a outra. O segundo passo, seria remover as partes dos azulejos com as anomalias, e assentar novos, porém, seccionados ao meio, divididos exatamente na junta e assentando uma parte do azulejo acima e outra abaixo da rachadura retificada. O assentamento dos azulejos seria alinhado, ou seja, que se coincidissem nos rejuntamentos, respeitando o espaço da junta de dilatação. É claro, os serviços teriam que ser executados pela manhã, onde não há ainda a incidência do sol. As pessoas tinham que conviver, a partir dessa solução, com aquela faixa horizontal conhecida agora como junta de dilatação, porém muito mais estético e elegante.
O fenômeno da dilatação não cessou, continuou ativo, porém agora, com o detalhe, não mais provocava fissuras nos azulejos, nem circular, nem vertical, muito menos horizontal e ninguém se machucaria uma vez que a junta de Neoprene inserida, vedava totalmente a junta. O interessante é, que nas primeiras horas da manhã, os azulejos que foram divididos na junta de dilatação, se alinhavam perfeitamente, para depois, com o movimento das placas no aquecimento do dia, novamente se distanciarem, sem provocar mais nenhuma anomalia. Problema resolvido com louvor.