O Universo é um Grande Quarto Bagunçado (ou Hipótese do Viés da Simetria)
Uma ideia sobre o entendimento do mundo que possui grande apelo é a ideia de uma simetria, ou ordem, em todas as coisas. Isso permeia desde ideias hipotéticas na Física, como de que o universo se expande e depois se contrai eternamente, ou a supersimetria da Teoria das cordas, até ideias de caráter religioso, místico e não-científicas como karma, redenção pós-morte, etc. Ideias assim parecem apresentar certa beleza para várias pessoas, mas por quê?
Pensemos num mundo, numa outra realidade, onde temos uma espécie de seres vivos que utilizam como critério de avaliação para escolher parceiros a arrumação de seus quartos, baseando-se na lógica de que aqueles com um quarto arrumado demonstram mais energia, se provando mais saudáveis que aqueles (com quem simpatizo) que simplesmente deixam suas coisas jogadas por aí de qualquer forma, “Ora, ele tem a energia e disposição para se dar ao trabalho de arrumar seu quarto, terei descendentes mais saudáveis com ele que com aquele outro que não tem a capacidade para tal” pensa um ser dessa espécie, avaliando suas opções. Assim sendo, ao invés de você ver pessoas em baladas escolhendo quem elas acham mais "atraentes" para se reproduzir, primariamente baseadas na aparência física, você as vê escolherem baseado na arrumação dos quartos, ter um quarto arrumado é ser "atraente" neste mundo. Vamos supor que arrumar ou não o quarto (ou ter a energia para isso, se for mais simples de compreender) é uma característica hereditária, se seus pais arrumavam o quarto você tem probabilidade maior de arrumar também, já se não arrumavam sua própria existência se torna mais improvável e você terá mais dificuldade em arrumar, logo tendo mais dificuldade em se reproduzir. assim sendo, com o passar das gerações, é de se esperar que os quartos tendam a ficar cada vez mais arrumados, assim como as pessoas cada vez mais criteriosas (ou chatas, se preferir) quanto à arrumação, pois aquelas mais “preguiçosas” vão gerar menos descendentes, que por sua vez vão gerar menos descendentes, e por aí vai.
Vamos avançar então algumas gerações, quando a noção inicial do porquê de escolher alguém com um quarto arrumado se perde, porém as pessoas continuam escolhendo, agora puramente porque acham “bonito”, criou-se um consenso que quanto mais organizado o quarto, mais bonito ele é e seu dono é um “melhor partido”. Nesse mundo, assim como no nosso, pessoas se perguntam sobre as coisas, sobre “Qual o sentido da vida?”, “Por que estamos aqui?”, “Cachorro-quente é um sanduíche?”, etc. Certo dia uma delas, refletindo sobre a existência, conclui que o universo é como um grande quarto arrumado, tudo tende a se encaixar numa grande ordem maior, cada quadro perfeitamente reto na parede e cada calça dobrada simetricamente na sua devida gaveta. Seus contemporâneos o aplaudem, “Sim, é claro, ele só pode estar certo”, afinal, para eles, a ideia é muito bonita, pois eles acham a organização muito bonita. Assim a ideia se espalha, a pessoa que a criou começa a escrever livros, dar entrevistas, sua ideia é aclamada, as pessoas inclusive passam a usar contra céticos o argumento de que “Se não é verdade então por que tanta gente concorda?”, o que é uma falácia, mas não temos porque pensar que as pessoas desse mundo seriam mais imunes a falácias do que nós somos.
Mas, voltemos algumas gerações, lá para o começo, quando as pessoas estavam escolhendo que critério utilizar para encontrar parceiros. AXB1732, uma habitante desse mundo (você pode achar o nome dela estranho, porém ela também acharia isso do seu, então não sejamos intolerantes aqui), está tentando decidir com quem pretende ter descendentes, tendo em vista que quer que eles sejam o mais saudáveis possível. Ela analisa entre dois candidatos, A e B, o candidato A arruma seu quarto com perfeição, não se vê uma toalha molhada sobre a cama ou sequer uma meia fora de lugar, já o candidato B tem um quarto completamente caótico, não se consegue achar nada lá que não esteja revirado e, na verdade, nunca se acha o que se procura, as coisas só aparecem aleatoriamente conforme se explora. Ora, seguindo os critérios ditos antes o candidato A seria uma escolha certa, porém vamos parar para analisar o que aquela pessoa no futuro, possivelmente uma descendente de AXB1732, disse: “O Universo é um grande quarto arrumado”, ou seja, tudo tende a uma ordem. Bem, se essa pessoa estiver certa então pense, que grande feito ou demonstração de saúde e energia fez o candidato A? Ele arrumou seu quarto, sim, porém seguindo essa ideia, o universo praticamente o estava ajudando, afinal tudo tende a se organizar naturalmente, então qual foi seu esforço? Ele só tem que sentar e esperar esse universo organizado fazer seu trabalho. O candidato B, por outro lado, de alguma forma, mesmo com o universo agindo na contramão, consegue manter seu quarto bagunçado, ora isso sim é um feito, ele sim está demonstrando mais energia e aptidão.
O.K, mas... O que eu quero dizer com esses mundos diferentes e quartos arrumados e bagunçados? Bem, nós, como seres vivos habitantes do planeta Terra (como eu suponho que você seja), também temos mecanismos para escolher parceiros mais aptos para a reprodução (além de outros mecanismos para sobrevivência dos nossos genes), porém, assim como as gerações mais futuristas do nosso planeta imaginário, não nos damos conta deles conscientemente, por serem selecionados geneticamente através de um longo processo, conhecido como “Seleção Natural”. Possivelmente como consequência desses mecanismos, passamos a achar coisas “simétricas” e “ordenadas” como mais belas, pois, sem que nos déssemos conta, elas simbolizariam aos nossos genes uma capacidade maior dos outros genes de “enfrentar” o caos, “ora, se mesmo com todas as possibilidades de aquele nariz ser torto, ele é bem centralizado, deve ter havido um esforço para o deixar assim (note que não um esforço consciente do dono do nariz, nem este seria um pensamento consciente de quem avalia o nariz, mas algo que vai sendo geneticamente selecionado ao longo de muito tempo)”. Quando não se tratando de seres vivos, a beleza ainda viria da própria improbabilidade de algo se ordenar por puro acaso, afinal, como se pode observar ao tentar arrumar qualquer coisa, há mais maneiras de deixar algo desorganizado do que organizado, sendo assim algo ordenado seria belo pela dificuldade que há em sua existência.
Isso não quer dizer que o universo (ou o multiverso ou o que seja) não possa ter algum tipo de ordem, apenas que devemos ser cautelosos em assumir que ele tenha se quisermos uma representação acurada dele, pois talvez só sejamos atraídos a essa ideia por um mecanismo em nossos cérebros que nos atrai a coisas ordenadas, quando na realidade, o próprio fato de gostarmos dessas coisas simétricas e ordenadas, pode ser um reflexo de que as coisas, num panorama geral, não o são.
Um círculo perfeito não seria belo por si só, seria belo para quem o observasse ao perceber o quão difícil seria desenhar aquele círculo. A ordem em si não tem beleza, talvez só a apreciemos pois ela simboliza um esforço, uma luta, num universo de caos e desordem aquilo que tem ordem é um monumento erguido contra a conformação, é uma revolta contra todo o universo e seu funcionamento caótico.
Leitura Recomendada:
"O Gene Egoísta", de Richard Dawkins - Para entender mais sobre nossos mecanismos evolutivos e o funcionamento da Seleção Natural.