Escrito sobre a Filosofia do Cinismo
Tema: cinismo, filosofia
Os gestos ostensivos e a larga bufonaria empregados por Diógenes em toda a sua longeva vida, chocou as pessoas. Ele, Diógenes, grego, natural de Sinope, cidade localizada as margens do Euxino (atual Mar Negro). Temos acessos aos seus dados biográficos e sua “obra”, em segunda mão, de forma indireta, em seu principal biógrafo Diógenes Laércio, narra fatos curiosos, na qual obstante fornecem um marco interessante de partida para um convite à reflexão sobre a sua vida.
Diógenes vivia em um tonel, conta-se que passou a habitar a moradia devido a um indivíduo não lhe fornecer uma choupana que havia lhe encomendado. Vivia a perambular pelas ruas de Atenas e depois Corinto, onde munido de uma lanterna incitava a procurar um ser humano, chamava a sua própria figura de “cão”. Mesmo passando-se cerca de vinte e três séculos da morte de Diógenes, suas ideias filosóficas ainda permanecem familiares, mesmo que indiretamente, pois nada de escritos atribuídos a ele sobreviveram, apenas suas ideias e visão de mundo nos foi legado.
Nascido em Sinope, o filósofo “cão” era muito provavelmente filho de família proeminente, já que seu pai era responsável pela cunhagem de moedas naquela cidade grega. Diógenes e seu pai envolveram-se em adulteração da moeda sinopense, fato este que lhes renderam punição, o degredo para o primeiro e provavelmente a prisão ao segundo.
Encontra-se então nos idos do século III a.C., Diógenes a perambular em Atenas, lá no berço da democracia e em uma cidade que naquele tempo acolhia todo o tipo de gente, tem contato direta ou indiretamente com o filósofo seguidor de Sócrates, Antístenes. As ideias socráticas pregadas por Antístenes, juntando com a sua condição social de exilado, gestaram de certa forma no ideário do sinopense, o seu constructo intelectual na qual assentou-se a sua base prática na qual vivenciou plenamente.
Diógenes corrompeu não somente a moeda física (valor monetário), mas a moeda moral, atacando e vociferando ferozmente, numa batalha contra o mundo. Batalha esta que intuía salvar o mundo (pessoas) da corrupção moral e da decadência espiritual. O seu modo de vida, habitava em um tonel e mendicante, traduzia materialmente e explicitamente a pobreza moral das pessoas e a miséria espiritual. Portanto ele próprio encarnava estes aspectos no seu corpo externando-os. O sinopense desdenhava o ensino formal, na sua concepção enquanto meio para produzir uma massa de manobra de trabalhadores. Para ele o ensino deveria ser um instrumental na qual o ser humano transcendesse a miséria humana, e pudesse entrar em contato com a sabedoria.
Entretanto o cinismo apregoado por Diógenes, não pode ser visto epenas como um simples exercício prático de abnegação dos valores materiais do mundo, como andar de pés descalços, vociferar valores morais, ter cabelos rebeldes e viver em um tonel. Há de se ter sim a profundidade reflexiva e uma compreensão dos valores cínicos. Valores estes que perpassam a superficialidade, é preciso ver e viver além das aparências, vislumbrar as entrelinhas e perceber o sue lugar no mundo. Perceber que a insignificância do indivíduo perante o Cosmo e praticá-la, não somente materialmente mas sim mentalmente, caso contrário não passará de falsa modéstia.
Os ensinamentos de Diógenes, não podem serem organizados em um sistema intelectual articulado e estruturado, tal qual as demais correntes filosóficas. Faltam ideias e a completude filosófica e conceitual, mas é inegável que a completude de sua vida, a sua dedicação em desfigurar os valores fúteis e banais da civilização o impediram de esquematizar e sistematizar a sua rica filosofia. Ele seguramente desfigurou a moeda social do seu tempo, abalou o pensamento centrado no consumismo e nas aparências tolas e vazias e deu uma alternativa reflexiva e profunda para o ser. E conseguiu a ímpia proeza e unir indissoluvelmente a teoria e conceitos de seu pensamento com a vida prática, tornando-se um objeto uno.
(Fonte: Diógenes o Cínico – L. E. Navia)