INTERAÇÕES BIZARRAS, RESULTADOS CATASTRÓFICOS
*Por Antônio F. Bispo
Qual o cerne da tua interação com os seus semelhantes? O que te liga aos outros? O que te dar prazer nestas interações? O que te vincula a eles? Em que tu te tornas semelhantes aos que contigo interagem? Em que você se acha diferente? Como você os afeta? Como eles te fazem perder tua individualidade? Se pudesse mudar algo nessas interações, o que seria? Você se acha uma pessoa livre? Ou está preso por algo que não gostaria de ser, ter, fazer ou sentir e ainda nem percebeu?
Pois bem. Algumas de nossas interações com outras pessoas acontecem por motivos de trabalho e dessa forma temos de conviver com todos os tipos de pessoas com os mais variados tipos de virtudes ou desvios de caráter. Alguns desses indivíduos são nossos clientes, fornecedores, chefes ou subordinados e querendo ou não fazem parte do processo de produção ou consumo do nosso tipo de negócio.
Por extrema necessidade, por falta de opção, por falta de coragem ou de inteligência, alguns de nós tem o infortúnio de conviver com verdadeiros “demônios” diariamente. Outros tem o privilégio de encontrar-se com “anjos” em sua caminhada quase sempre. Alguns irão desfrutar da interação com pessoas equilibradas devido ao intelecto que possuem, pela seletividade, por questões financeiras, por brasões de famílias, etc. Outros preferem chamar isso de karma, de destino, de sorte e azar e outros de a lei do plantio e da colheita.
Os que conosco interagem poderão deixar uma parte de si em nós e absorver um pouco daquilo que somos ou temos a oferecer. Isso pode ser prazeroso ou doloroso. Chamaremos de amigos os que por mais tempo ou mais vezes compartilharam de bons momentos conosco. Os que nos causaram dores poderão nos marcar profundamente e alguns vezes nos moldar para o bem ou para o mau.
Em todos os grupos sociais, vínculos de amizades poderão ser construídos. Entre religiosos, entre profissionais de alta patente, no crime organizado ou em qualquer lugar que duas ou mais pessoas interajam com frequência ou tenham propósitos em comum. Como o passar do tempo, tais pessoas relembrarão de seus momentos prazerosos ou cômicos de suas interações, mesmo quando tais momentos forem cometendo crimes ou destruindo vidas alheias.
No fundo, todos querem ser decentes, querem ser lembrados como pessoas boas e de bens. A religião existe justamente para isso, para que mesmo a mais tenebrosa de todas as criaturas sinta-se como sendo um filho de deus ao imaginar suborná-lo com orações, oferendas e participações em ritos litúrgicos.
As relações saudáveis e construtivas entre duas ou mais pessoas independem das religiões, dos deuses ou de “escrituras sagradas”. É algo que transcende a isso. São duas consciências que se respeitam e respeitam aos outros mesmo quando não há indícios de vantagens pessoais. Há uma linha tênue, uma linha muito fina que separa uma pessoa em seu estado primitivo animal com aquilo que deveríamos chamar de homem racional.
Muitos dos que desejam um mundo onde a ordem, o progresso a decência e a paz andem de mãos dadas, pouco ou quase nada fazem para que isso aconteça. Agem como animais, infringindo por conta própria todos os limites para que uma relação saudável aconteça e depois vão fazer oferenda aos deuses ou demônios, para que resolvam suas relações conturbadas.
Todos sabem que ofender ao “Zeca” mora ao seu lado e ir pedir perdão a “Chica” que mora do outro lado do mundo, não vai fazer com que o ofendido esqueça o ofensor, mas é justamente assim que as pessoas fazem todos os dias. Ofendem pessoas reais e vão pedir perdão aos seres imaginários.
Esse é o pico mais alto da estupidez humana, só que de tão comum, isso tem sido interpretado como uma virtude de uma pessoa descente. Isso não funciona, mas é uma ofensa dizer isso abertamente. Agir feito gente burra, doida, indecente e depois entregar tudo nas mãos de deus é o que de modo geral a sociedade julga como sendo um ato de fé e inteligência.
Em certos casos, domar própria língua, controlar os próprios instintos animalescos, filtrar as relações, sondar as próprias emoções, rejeitar o sentimento de rebanho e cuidar do corpo e mente sem o auxílio de nenhum guru religioso, líder politico ou sindical, poder ser visto como uma afronta a uma sociedade doentia que precisa o tempo inteiro que alguém lhes diga o que fazer, como se comportar e o que sentir em relação a tudo que os rodeia.
Muitos dos que defendem a igualdade, desejam inclusive que todos sejam burros, estúpidos, cegos, explosivos, idolatras e babacas o quanto eles são! Os que conservam a sanidade e pensam na consequência de tudo o que faz e deixa de fazer, corre sempre o risco de ser visto como uma ameaça a ordem social, de ser idolatrado ou de ser perseguido caso recuse ser o objeto do “amor” e da ira de tais veneradores que o usará como válvula de escape toda vez que precisar eliminar seus dejetos emocionais.
Alguém para “amar”, alguém para odiar...nessa gangorra de emoções alguns estão sempre a subir e descer e nem percebem.
Quando pensamos no convívio com pessoas boas e decentes, geralmente pensamos em profissões bem remuneradas ou reconhecidas socialmente. Nem sempre isso é verdade! Alguns desfrutarão de relações honrosas com pessoas de elevador caráter mesmo em serviços braçais e encontrarão ali verdadeiros amigos e irmãos.
Entre estes, alguns estarão em prédios luxuosos, com pessoas super “refinadas”, endinheiradas e bem remuneradas, porém vazios de empatia ou rodeados de pessoas que vê no oportunismo, na fraqueza e submissão alheia sua forma principal de obter lucro, poder e prazer. Pessoas cuja riqueza provém justamente por ações desonestas, imorais e ilegais. Nesses casos a sensibilidade não existe e o prejuízo aos outros ou ao meio ambiente como um todo pouco importa.
Nem todos se deram conta ainda, mas somos responsáveis por aquilo que nós mesmos e nossa geração está produzindo e consumindo em todos os níveis, seja cultural ou material. Quando não despertos ou por imposição cultural, incorporamos em nossas vidas traços de outras sociedades, de povos de outras épocas que viveram outra realidade diferente da nossa. Situações que de certa forma serviram apenas para certas pessoas, em certas épocas, sob certas circunstancia e que em nada nos é útil nos dias atuais. Algumas tradições religiosas são o exemplo perfeito disso.
Há um fator importante e bem comprometedor que nos corrompe e que atravessa gerações há milênios. Tal fator estar tão atrelados aos nossos hábitos sociais que nem nos damos conta deste mal e que algumas pessoas mesmo agindo como criaturas das trevas julgam-se santos ao fazê-lo.
Me refiro ao fato de sentimos prazer com as desgraças alheias.
Isso é tão sorrateiro que quase sempre apontamos dezenas de defeitos nos outros, mas esse um quando o mantemos nos é tão prejudicial quanto outros que apontamos nos outros. O que é mais preocupante é que quanto mais moderna e tecnológica nossa sociedade se torna, mas tempo teremos para o ócio. O ócio criativo ou o ócio destrutivo.
Alguns de nós está o tempo inteiro vivendo no modo automático, e nos passa desapercebido que nós e os que conosco convivem, somos responsáveis pelo bem ou mal que produzimos e com estes teremos que conviver.
Ao longo dos séculos a forma como nos divertirmos tem sido de certa forma bem macabra, baseada na maioria dos casos na dor e no sofrimento alheio. Isso quase ninguém percebe.
Num passado não muito distante, enforcamentos, açoites e apedrejamentos em praças públicas eram algumas das maiores diversões para as pessoas daquela época. Não era o sentimento de justiça que prevalecia (quando se fazia justiça), que levava pessoas de diferentes idades e classes sociais a se aglomerarem para ver a desgraça alheia. Era o prazer! O prazer de ver a vida dos outros se esvaindo de forma violenta.
Boa parte desses suplícios públicos aconteciam justamente depois de rituais litúrgicos. Depois da missa ou do culto, o “povo de deus” se reunia para presenciar as mais variadas cenas de crueldade, inclusive contra pessoas de seu próprio seio familiar e isso era prazeroso.
Nas arenas e coliseus do passado, ricos, pobres, e todos os tipos de “fodidos” se aglomeravam para ver, escravos, devedores e outros desafortunados lutando até a morte ou sendo devorado por feras. Os estádios lotavam. Era prazeroso.
Enquanto os políticos os políticos e tiranos oprimiam o povo em detrimento de seus próprios interesses, o povo se reunia para celebrar a desgraça alheia. Qualquer desgraçado ainda vivo na arquibancada se achava um deus ao poder decidir com “likes” ou “deslikes” se o desafortunado na arena viveria ou morreria por meio de um aceno de punho.
Entretidos pelo pão, o circo, o sangue e o infortúnio alheio, os miseráveis seguiam suas vidas. Eram em números até 100 vezes maior que os seus opressores, podendo virar o jogo quando quisessem, mas nem se davam conta disso! Ao celebrar a desgraça alheia, caminhavam como ovelhas paras as suas próprias.
Na revolução francesa, milhares de cabeças rolaram, inclusive de alguns dos que incitaram as revoluções e deram o pontapé para as estruturas sociais recém estabelecidas. As pessoas se amontoavam para se deliciar com as cenas macabras de decapitações. Alguns corriam entre a multidão agitando a cabeça do defunto como se ali estivesse o elixir da vida eterna. A multidão ia a loucura com tal encenação.
Escritos de tais épocas descrevem o quanto isso fazia feliz a boa parte da população, enquanto a balburdia e a desordem corriam solta e cada um deles poderia ser o próximo decapitado mediante uma simples denuncia, mesmo sendo falsa em certos casos.
No holocausto judeu, vários povos se tornaram insensíveis com a morte de milhões de inocentes. Alguns foram cooperadores com o modo e a quantidade de sofrimento infringido aos tais. Para as “nações inimigas”, era prazeroso ouvir, saber ou fazer tal coisa.
Desde sempre e até hoje é prazeroso entre os religiosos saber que seus “oponentes” padecem de alguma forma ou sofrem com distúrbios sociais. Para os tais é uma evidente prova de que estes que sofrem, estão sofrendo por não servirem ao deus verdadeiro.
Quando “deus não age” com suas formas misteriosas, eles mesmo o fazem por meio de atentados terroristas. Eles morrem tornando-se mártires, causando um enorme prazer aos seus correligionários que darão honras e glorias aos seus deuses por favorecer tal privilégio.
Assim temos sido por milênios e nem nos damos conta, mas podemos mudar isso para melhor.
Mesmo os que não estão envolvidos ou não admiram atitudes sangrentas como forma de prazer, podem estar sendo tragados sem perceber para um mundo recém criado, mas que oferece o mesmo tipo de entretenimento macabro, onde a violência, o desrespeito e a desconstrução de reputações são cultuadas a todo instante no mundo virtual.
Notem que os canais que possuem os maiores números de inscritos não são os canais de ciências, de tecnologias, de aprimoramentos das relações sociais ou de coisas que nos façam evoluir como pessoa ou sociedade. Pelo contrário: são justamente os canais de fofocas, de intrigas e que exaltem a desgraça alheia que mais crescem.
Os vídeos mais visualizados são justamente os que exibem “tretas”, onde pessoas se ofendem mutuamente ou onde um “lacrador” tenta mostrar supremacia ao dar o “golpe” mais baixo possível, “humilhando” a contra parte, saindo como se fosse algum tipo de herói nacional.
Esse é o tipo de conteúdo que mais consumimos, o tipo que as pessoas mais buscam.
As pessoas que mais ganham dinheiro na net são justamente as que navegam por tais águas. Se eles produzem é por que há um mercado de consumo. Se há um mercado de consumo é por que há produtores. Uma simbiose da morte que precisa ser tratada.
Todos os dias somos expostos a isso e na maioria das vezes gostamos.
A sociedade que apregoa a justiça e os bons costumes é a mesma que bate palmas e chama de “mais esperto” aquele foi o mais sagaz na hora de trair, seja numa relação conjugal, comercial, fraternal ou seja ela qual for.
Quanto mais fabulosa for o golpe dado ao que honrara os termos do acordo, mais será louvado o seu autor pela sociedade hipócrita. Burro é quem confia e quem mantém a palavra. “Inteligente” é o que dá o golpe, o “o que sai por cima”! É o que eles dizem!
Quanta tolice! Quanta hipocrisia! Quanta energia desperdiçada!
Alguns julgam que a tecnologia irá nos salvar. Outros dizem que será a ciência. Outros dizem que será as religiões e os deuses que elas representam que nos salvarão! Mas todos os que assim pensam estão enganados.
O aprimoramento de nossas relações pessoais é o único meio pelo qual poderemos alcançar a paz e o equilíbrio em todas as esferas.
Quando o certo for chamado de certo e o errado for chamado de errado e a causa principal do nosso prazer não for a dor e o sofrimento alheio (ainda que disfarçados), aí sim estaremos no caminho certo de nossa evolução.
Toda evolução exterior começa com a evolução interior. Ao identificarmos as causas de nossas motivações, daquilo que nos afeta e como afetamos os outros iniciamos nossa “transcendência”.
Em outros textos abordaremos outros aspectos dessa evolução.
REVEJAM SEUS CONCEITOS! Saúde e sanidade a todos!
Texto escrito em 7/9/20
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.