CONCERTO DE VONTADES. LIBERDADE/SONHO/ DIGNIDADE.

Os excessos são como as desigualdades. Isso é marcante na história, tanto que movimentaram homens e ideias que foram combustíveis de guerras, revoluções e grandes mudanças. E continuam soprando as brasas e bases que correm nas veias humanas e incendeiam o rumo das nações.

“Como faço uma escultura? Simplesmente retiro do bloco de mármore tudo que não é necessário”. Michelangelo.

Essa deveria ser a partilha da humanidade.... Tirar do excesso o que a necessidade precisa, sem comprometimento da liberdade.

Deflui ainda do realismo histórico-humano, presentemente, constatável no curso da existência, a convivência, sempre, de ricos e pobres, classes mais abastadas do que outras.

Os homens são assim, que seria da história se os mais dotados não permitissem aos menos dotados suas criações que lhes chega pela inteligência. E a criação é de todos. Ninguém é tão carente que não tenha nada a dar nem tão abastado que nada possa receber. São todos caminhantes em paralelas na construção de suas edificações. São os iguais diferentes, os homens. E só um poder pode barrar aspirações humanas, Deus e suas delegações. Mesmo as investiduras do homem têm balizas. Leia-se Paulo de Tarso, o São Paulo.

Quem estaria no mesmo passo de tempos atrás com a rapidez dos computadores para a grande comunicação que se tem hoje? A rede de arquivo digitalizado era feita em grandes rolos da IBM, uma das precursoras dessa magia. De um salto quem hoje está apartado da computação está segregado. Raia inclusive pelo fechamento do exercício de direitos, o que se lastima.

Tive um pequeníssimo telefone celular comprado em Curaçau, faz anos, Caribe, quando o que existia eram caixotes que os exibidos colocavam em cima das mesas em restaurantes para mostrarem “status”. Minha mulher rotulou-os de “guizos de status”.

A humanidade é desigual. Será sempre desigual. É originário e intransponível. Mas não deve prevalecer a injustiça. E mesmo os preceptores das ideias igualitárias que nada igualam, como as doutrinas que dividem e convergem no mundo em vários afluentes, sempre dormirão abraçados com o sonho impossível de fragmentarem o que é uno na liberdade concedida ao homem.

É difícil viver, sonhar e nada mudar. Viver secundado pelo pesadelo de acordar e nada mudar. É indefectível. A espera que encerra a luz tão prometida de um vocábulo surrealista; dignidade. Na história os sonhos protagonizados fizeram sofrer e se mudaram algo foi muito pouco.

O maior exemplo desse fato está na lágrima de Maria a Mãe de Jesus.

Deveria estar na balança o princípio de justiça de Santo Agostinho: “Dar a cada um o que lhe é devido”. E por dignidade, a todos é devido a dignidade, o necessário para viver condignamente.

“O que é a necessidade senão o medo da própria necessidade?”. Nada melhor para definir essa carência como proclamava Khalil Gibran.

É nesse medo que o homem vai tropeçando na história deixando um rastro de muita dor e pouca alegria.

O que é inaceitável é a miséria de muitos, a fome, a ausência de caridade e a presença da crueldade tão visível nos últimos acontecimentos racistas nos EUA, por exemplo. Martirizar por asfixia tornou-se um espetáculo explícito sem nenhum escrúpulo para torturadores agentes do estado.

Mas qual a razão de muitos não perceberem tais evidências? A soberania do mal e a vitória da intolerância e da desigualdade. E o proselitismo que se instala nessa escola repulsiva vai vencendo.

A paixão não anda de braços com a ciência, nubla o entendimento, ensombra a compreensão, apaga a percepção, aniquila a inteligência se existente minimamente.

A vontade ansiosa, por vezes legítima e até elogiável, mas irreal, dá saltos em direção ao idealismo que subverte a realidade na crença da verdade individualista. Chega mesmo a admitir a supressão da liberdade, a negação dos direitos universais, e a opressão pelo poder da maior força. Os fins são injustificáveis impulsionados pela ilegitimidade dos meios.

As mentes demasiadamente idealistas, mas conectadas com visão unilateral e restrita, por isso sem largueza humanística, não percebem inversões da realidade patente. Não têm capilaridade nem a medida temporal incidente que vai regendo a história e a historiografia. Cede a impulsos rasos e balbuciantes de engenhos inviáveis.

Olhe-se em volta, mire-se o mundo. É a inegável realidade. O negacionismo dos valores fundamentais estão à margem. Dois impérios surgiram com indiscutível força no mundo, Roma e hoje os EUA, com 800 bases militares que sangram seu orçamento.

Até a burguesia - para quem verdadeiramente conhece suas origens e desdobramentos, desde o século X com os "mercatores" ou "burguenses", que lhe deram nome, até alcançarem a força e o prestígio que a riqueza proporciona, abatendo feudos, dominando governos de comunas medievais e muitas vezes se associando à realeza nas lutas em que essa se punha diante das suzeranias - não pode hoje ter o mesmo conceito. Não é mais como era; quem não era vilão ou servo, era nobre, clérigo ou burguês.

Isso acabou, a palavra burguês relacionada à classe social só a incultura considera.

A inteligência busca o saber e, face às suas habilidades, deixa o estudo um pouco de lado, mas não será suplantada. Ninguém tem o direito de fazer afirmações fora da realidade. Encontrará um aluno, sempre, mais esperto, que não se submeterá à cátedra por ser cátedra. A “paideia” grega está solta no mundo moderno para não estancar o novo, exercitado, e ela é lançada pelo e para o mestre. E o mundo se tornou mestre em saber que somente a liberdade é porta segura da dignidade do homem.Isso ninguém muda.

Já o saber nunca alcançará a inteligência por mais que se esgotem bibliotecas; remará no deserto e nadará na planície. Inteligência e saber aliados são insuperáveis, e nunca se colocarão contra a evidência, contra o que nada pode.

Edward Wilson, professor de Harvard, autor da incrível obra "A Unidade do Conhecimento", com o peso de seu vasto saber, explicita que "espera-se dos cientistas sociais a indicação de como moderar os conflitos étnicos, converter os países em desenvolvimento em democracias prósperas e otimizar o comércio mundial"; acrescento eu, nunca confundir ou tentar separar mais e mais a sociedade, e o pior, ensinando padrões ultrapassados que de alguma forma dividem antes de conciliar.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 04/09/2020
Reeditado em 04/09/2020
Código do texto: T7054181
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