à sonsa

à sonsa

E eu entro e saio

giro o mundo

subo e desço

sento e levanto

e ela sempre no mesmo canto

há anos e é a mesma joça

ela está ali

olhos esbugalhados

lambendo os beiços

esganiçando seu tesão

recolhido

mofado

passado

nunca usado

espreitando um parco verso

um resto

um traço

algum caroço

algum resto de alimento

um osso

uma sobra

qualquer migalha que caia da mesa

escorrendo pelos vãos

o leite

a jarra cheia

nunca lhe foi pertença

ou pertencerá

e ela fica

como um cão sarnento

escorraçada

espatifada

enrustida

com os olhos compridos

escrevendo para o umbigo

esperando um resto de sorriso

um pedaço de foda

um resto de beijo lambuzado

algo que nem vem mais

apesar da alta madrugada

algo que já nem valha

que tenha sobrado de uma noite inteira

e que lhe ocupe a sede à boca seca

as agruras e amarguras pensa ser alguém

e mendiga um resto

uma sobra de amor

um prato roto

do simulacro que enche e farta-se

em outros cantos onde é outra a sobremesa

_______

Amor não se mendiga, menina!

Serpente Angel
Enviado por Serpente Angel em 25/08/2020
Reeditado em 25/08/2020
Código do texto: T7045404
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