à sonsa
à sonsa
E eu entro e saio
giro o mundo
subo e desço
sento e levanto
e ela sempre no mesmo canto
há anos e é a mesma joça
ela está ali
olhos esbugalhados
lambendo os beiços
esganiçando seu tesão
recolhido
mofado
passado
nunca usado
espreitando um parco verso
um resto
um traço
algum caroço
algum resto de alimento
um osso
uma sobra
qualquer migalha que caia da mesa
escorrendo pelos vãos
o leite
a jarra cheia
nunca lhe foi pertença
ou pertencerá
e ela fica
como um cão sarnento
escorraçada
espatifada
enrustida
com os olhos compridos
escrevendo para o umbigo
esperando um resto de sorriso
um pedaço de foda
um resto de beijo lambuzado
algo que nem vem mais
apesar da alta madrugada
algo que já nem valha
que tenha sobrado de uma noite inteira
e que lhe ocupe a sede à boca seca
as agruras e amarguras pensa ser alguém
e mendiga um resto
uma sobra de amor
um prato roto
do simulacro que enche e farta-se
em outros cantos onde é outra a sobremesa
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Amor não se mendiga, menina!