HESSE, UM LOBO NA CONTRAMÃO

Acredito que o grande escritor, não é aquele mais rebuscado, culto, prolixo, mas sim, o que toca o leitor de ser para ser. O gênio impressiona não por sua capacidade de apontar o difícil, mas, justamente o simples, o óbvio que, por diversos motivos, não conseguimos ou não queremos ver.

O escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962), pertenceu à esta classe de homens. Sua trajetória foi a de um rebelde, em busca constante pela autolibertação e independência; da renúncia ao destino que sua família e pátria queriam lhe impôr. Disse não à educação castradora, quebrantadora da vontade, ao nazismo, aos grilhões da burguesia, e às instituições.

Nele, a verdade não vem de fora, através de teorias, doutrinas, filosofias e religiões; ela é original, conquistada pela vivência e contatos mais íntimos e profundos com o seu ser. Foi o escritor do humano por excelência, bem como da aceitação e síntese das contradições da alma humana. Em sua obra, idênticas e uma só eram o pecado e a santidade, a sabedoria e a loucura, a vida e a morte.

O grande escritor também é eterno, sempre atual. Tudo aquilo contra o qual ele se insurgiu, de certa forma, permanece. Ainda hoje nos vemos às voltas com os fuhrers, com os nazistas e fascistas da vida. Mudam os discursos e as formas, mas a essência do totalitarismo permanece. O homem continua sendo o lobo do homem, e os grandes homens são quase sempre incompreendidos e/ ou sacrificados (Cristo , Gandhi, Lennon, Luther King, etc.). "O burguês queima hoje por herege e enforca por criminoso aquele ao qual amanhã levantará estátuas". "Muitos homens que passam por "normais" e até por valiosos membros da sociedade são loucos incuráveis e, por outro lado, muitos que passam por loucos são verdadeiros gênios". As religiões, em sua maioria, continuam alienando, infantilizando e criando fanáticos.

Outros grandes literários – como, por exemplo, Dostoiévski – souberam, como ninguém, revelar as nossas grandes sombras e fraquezas. Hesse não fica atrás, embora sua grandeza não possa ser medida totalmente pela conquista do Prêmio Nobel de literatura em 1946, glória máxima a que aspira todo escritor. Mas, justamente, por ter ido além, tocado o transcendente, oferecido saídas aos principais questionamentos e angústias que tanto nos afligem. E, as oferece não com a arrogância de quem julga tudo saber, mas sim, como um observador da vida: com humildade e simplicidade. Como o personagem Vasudeva, de seu livro "Sidarta", cuja maior lição passada ao seu amigo, (protagonista da história), foi justamente o aprendizado da escuta do rio e do que ele queria lhe dizer. E, às vezes, o rio não dizia nada, era preciso aguardar. Aprender a esperar e a escutar. Parece fácil, mas quantos de nós conseguimos isso realmente?

Homem que experimentou dores, separações, sucessos e fracassos, incompreensões, críticas injustas... que andou pelos caminhos e descaminhos da existência, mas que nunca abriu mão da sua autenticidade e verdade mais profundas.

Hesse " Só para raros, só para loucos. Entrada ao preço da razão." Era essa a inscrição na entrada do Teatro Mágico, no livro "O lobo da Estepe", clássico de 1927. Muito mais se poderia dizer sobre esse mestre, mas, por ora, vou ficando por aqui. Ele chegou à imortalidade, principalmente por ter vencido – em si – o maior dos medos humanos, que é o medo de ser.

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Leonardo Alvim Corrêa - 3/8/20