CONSTRUÍNDO NA AMAZÔNIA

CONSTRUÍNDO NA AMAZÔNIA - ARMAZÉNS DA CIBRAZEM

Autor: Moyses Laredo

A Companhia Brasileira de Armazenamento - CIBRAZEM, através do Impa, lançou uma licitação para construção das bases (fundações) de um Armazém no km 80 da Br-317 a 30 km de Assis Brasil/Ac, trecho que liga Rio Branco a Assis Brasil, antes da localidade Aurora. Próximo a Assis Brasil, existe uma cidade do lado boliviano, chamada Bolpebra, é um tríplice fronteira, formada pelos primeiros nomes dos três países-membros, Bolívia (Bo) Peru (Pe) e Brasil (Bra) de bem intuitivo nome, local de grandes conflitos. A estrada BR-317, é também conhecida como Estrada do Pacífico, deste ponto dista aproximadamente 3.900 km para o Oceano Pacífico mais próximo do que de Manaus para o Rio de Janeiro pela BR-364 que é 4.277,6 km. As cidades acreanas de Brasileia e Epitaciolândia, ambas situadas cá antes, na confluência das fronteiras Brasil e Bolívia, que são separadas pelo rio Acre, alcançada facilmente por Epitaciolândia, basta pegar a Av. Internacional, passar pelas alfândegas dos dois países e pronto, já se está em Cobija, Departamento de Pando (o jota de Cobija, se fala rá), já para quem vai para Assis Brasil, como o nosso caso, segue-se por Brasileia sempre pela BR-317 por mais 110 km. O armazém a ser edificado, situava-se num ponto da estrada que não atendia a ninguém, se a ideia era construir um armazém para estocar os grãos dos pequenos produtores da região, ali ficava na contramão dos acessos das próprias linhas (ramais) de abastecimento estabelecidas pelo Incra. Diante dessa importante informação, pedi uma audiência com a Diretora do Incra em Rio Branco, para falar justamente a respeito disso, a minha ideia era que fosse construída, essas bases, no km 60 e não no 80, pois ali havia o encontro de outra linha de abastecimento do Incra, não fazia sentido construir já bem próximo de Assis Brasil, de modo que, a mudança de locação facilitaria tanto para os produtores quanto para o escoamento dos produtos para Rio Branco. Um assessor de nada (um aspone), no meio da minha argumentação, saiu a contrário sensu, de que eu quereria construir mais perto para obter a minha própria economia, bastou isso para que a diretora balançasse a cabeça e negasse o meu pedido, dizendo: “- Faça onde você ganhou a licitação!”.

Seguindo a história...O ponto até chegar ao local, das indicadas obras, era o busílis, a estrada fora aberta numa condição, que no inglês chama-se de “rolling grade” ou no bom português, greide rolado, significa uma estrada em que não houve cortes e aterros, quando o eixo da estrada segue o perfil natural do terreno, apenas com a retirada da camada vegetal, do jeito que a natureza deixou o relevo, diga-se, ali, cheio de altos e baixos. No mais, a dificuldade de deslocamento é gigantesca para vencer as constantes subidas e descidas nessas condições, sem contar com os atoleiros constante e o consequente alto consumo de combustíveis. O maior problema se concentrava no trecho correspondente aos 30 km antes de chegar ao local das obras, ou seja, entre os km 31 e o km 60, dava início as ondulações e curvas mais graves do trecho (curvas verticais e horizontais), a pior parte da estrada, se constituía numa montanha-russa mal projetada. Quem se aventurasse a andar por essa estrada, se sentiria montado num cavalo chucro a bom corcovear, além disso, tinha que ficar de olho nos outros veículos que vinham em sentido contrário, não era possível ver quem vinha na outra mão, as subidas eram como ondas gigantescas, tinha-se que chegar ao topo para se avistar algum veículo em sentido contrário, uns dois cumes à frente, nesse pequeno lapso de tempo, antes do capô da caçamba embiocar para ganhar velocidade na descida. Não havia distinção de faixa, a trilha era uma só, bem no meio, assim que a caçamba ganhasse energia cinética (embalagem) ao descer, para poder subir, não tinha como frená-la no meio da subida, e se por descuido outro veículo viesse em sentido contrário sem ser avistado, era um choque frontal inevitável, sem piedade, ficavam os dois veículos estrepados por bom tempo.

Agravava a situação quando chovia, porque criava uma grande poça no encontro do declive com o aclive, bem no fundo da curva, quando se passava por ela em velocidade, parecia estar num submarino, a água cobria até acima do para-brisa, o rumo ficava nas mãos firmes do motorista, ele tinha que confiar na imagem da estrada gravada segundos antes. Segurava o volante bem firme com as duas mãos, apesar de o volante ter mais folga do que funcionário público, ele já conhecia a manha dele, a controlava bem. Às vezes, me parecia sem sentido quando o via dirigindo, dava quase duas voltas no volante para um lado e a caçamba o ignorava, continuava seguindo na direção que estava, era a tal folga do volante, comparado com os grandes petroleiros, em que o prático na atracação, precisa girar o leme uns dois quilômetros antes da curva, a inércia do navio o impedia de obedecer com rapidez, assim se comportava a caçamba de britas.

Para tornar mais emocionante ainda o “passeio”, logo após uma alucinante descida, aparecia uma curva fechada mais à frente. A estrada não era para amadores, os pilotos de Rali não se criariam ali, com certeza. Imagine uma caçamba carregada com brita, quando descia um morro desses, era tudo ou nada, a brita na carroceria se estabilizava, mas quando empinava a dianteira para subir, não se via nada de estrada, somente o céu e suas nuvens, então, se ouvia o estrondo das britas se chocando na báscula traseira ao escorregar para trás, depois, uma boa parte se despejava na pista de uma só vez, com isso, perdia-se grandes volumes na estrada, não adiantava prender a báscula porque com o peso se deslocando para trás, fazia a dianteira da caçamba levantar a dianteira do chão perigosamente.

Para conferir acompanhei o motorista na primeira entrega de 3 m³, uma carrada pequena, não acreditei no cara que me vendeu as britas em Brasileia, ao dizer-me que todo mundo em Assis Brasil só construía assim, compravam-se 2 m³ para chegar apenas 1 m³, achei que o cara estava com esperteza, mas constatei duramente que a coisa funcionava dessa maneira, o dono da pedreira estava com a razão, a maior parte da brita se perdia, e o pior, não tinha como recuperá-la, ninguém era doido de ficar ali no meio da descida, dando sopa recolhendo as pedras, em meio aos carros que passavam zunindo na ladeira, além do mais, subir carregado com as britas recolhidas, requeria de impulso! Para mim era terrível aceitar isso, em meus orçamentos não havia levado em consideração essa situação, calculei a brita conforme o traço do concreto, além do que, precisavam ser feitas várias viagens a fim de atender o volume necessário para as concretagens, isso acabaria comigo. Era uma obra de concorrência de licitação, se alguém apresentar um volume maior de brita do que o traço pedia, poderia ser desclassificado, alguém impugnaria a proposta. Perdi parte da primeira carga, ainda bem que levei pouca de início.

Fiquei matutando numa solução, mesmo que não se apresente nada na hora. Disse uma vez o grande Leonardo da Vince: “A sabedoria é filha da experiência”, como foi nesse caso. Observei que no km 30 sentido Assis Brasil, antes do início das ladeiras, havia um pequeno talude ao lado da estrada, um pouco recuado, ideal para carga e descarga, pesquisando descobri que funcionava como doca. Os pequenos produtores e hortifrutigranjeiros locais, usavam-na com essa finalidade, dava certinho na altura da caçamba, de modo que imaginei levar as carradas cheias, com 10 m³ ou de brita, ou de areia, até esse ponto, onde a estrada permitia, descarregar ali, e de lá, levar aos poucos para a obra, somente a quantidade que fosse suficiente para o transporte, aquilo já me economizava 30 km de distância e zero de perda de material. Para tornar mais eficiente o transporte, improvisei uma parede de tábuas atravessada bem no meio da carroceria, a fim de evitar que as britas e outras cargas (tábuas para azimbre/cimento/areia) escorregassem para trás, permitindo que a caçamba pudesse levar apenas o suficiente que conseguisse subir as ladeiras.

Resolvido esse grande complicador, as obras foram evoluindo de forma bem rápida e muito mais econômica. O pessoal de obra, foi escolhido a dedos, todos oriundos de Colônias (pequenos sítios), acamparam no local da obra em suas barracas de lona, e lá moravam o tempo todo sem retornar para suas casas, fazia parte do nosso acordo, eles ganhariam um bônus por isso, como não tinham para onde ir, à noite, uns jogavam dominó outros saíam para caçar, o que lhes rendia divertimento e carne suficiente para o consumo de todos sem que fosse necessário abastecimento desse gênero, o que o pessoal chama de “mistura”, quanto aos complementos, (café, açúcar, arroz, feijão, farinha e temperos), veio com os materiais na primeira viagem. Finalmente as obras ficaram prontas, dava gosto de ver depois que se concretou a laje de piso, (fazia parte dos serviços) tinha as dimensões 30 x 60 m, parecia uma enorme quadra de futebol de salão (futsal) lisinha e bem desempenada, com os parafusos de engates das estruturas de pilares chumbados milimetricamente nas bordas, aguardando as estruturas metálicas chegarem, era a própria Cibrazém que viria montar o armazém, a locação seguiu religiosamente as marcações, o topógrafo se esmerou na locação, eu conferi tudo. Infelizmente no local nunca foi construído o tal armazém.

Soube muito tempo depois que se realizou a minha profecia, a base que construí no km 80, nunca fora utilizada para erguer o tal armazém tudo se perdeu, serviu sim, para uso como excelentes quadras de futebol para os moradores locais, até foi criado um campeonato internacional, chamado “Bolpebra foot” com afluência de jogadores bolivianos e peruanos. Nem mesmo a própria Cibrazém se dispôs a construir lá, alegou inviabilidade estratégia do local, mandou erguer o armazém, justo no km 60, local por mim indicado. A conversa com a Diretora, nunca foi lembrada, fez boca de abiu, ela se-calou-se, como diziam por lá.

Molar
Enviado por Molar em 20/08/2020
Código do texto: T7041541
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