QUANDO OS DEUSES ADOECEM E MORREM...
Segunda parte do texto sobre questões ecumênicas!
*Por Antônio F. Bispo
O método mais eficiente para que um ser mistificado perca seu “poder” e sua “santidade” é torna-lo ordinário, ou seja, comum a todos! É assim que se faz toda vez que é preciso substituir uma divindade por outra e dá-la ao povo como um novo paliativo para suas mazelas. Todos os deuses do passado que alguém hoje desdenha, um dia também já foi considerado o deus verdadeiro de muita gente. O mesmo ocorrerá com os deuses atualmente venerados. É só questão de tempo!
Enquanto os deuses estiverem no Olimpo, no Horebe, em Sião, numa mesquita, num templo ou em uma “igreja de crente” eles serão sempre “vistos” como sendo seres gloriosos, perigosos, inacessíveis, inatingíveis e super valorizados. Se fossem trazidos à luz do dia, à convivência dos homens, eles logo seriam esquecidos e toda apreciação por eles seria desprezada a não ser pelo uso da força.
A convivência com alguém real faz com que vejamos os seus defeitos e falibilidade e desse modo toda áurea mística em torno dessa pessoa é desfeita. Enquanto os deuses estiverem apenas no campo virtual, toda áurea de mistério, poder e santidade será preservada.
Enquanto padres, pastores, rabinos, gurus, e todo tipo de líder religioso for o intermediário entre deuses e homens, serão sempre estes que ditarão os termos para que os deuses se apiedem ou venham condenar alguém.
Se todos por igual modo, sem interferência e sem escambo algum tivessem acesso aos deuses e as suas vontades, não haveria os cambistas da fé e nem os mercadores de almas. Desse modo, deus seria tão vulgar quanto desprezível! Enquanto ele estiver na imensidão dos céus, nas profundezas das águas, nas densidades das florestas e com acesso restrito à sua “presença” apenas por meio de deus representantes, ele será buscado e apreciado. Ao revelar-se, perder-se-ia toda sua pompa.
É a exclusividade que faz com que algo se torne caro! Mesmo sendo algo inútil, imprestável e até inexistente, isto se tornará de valor inestimável. Se o mantiveres em mistérios eternos, sempre falando por intermediários seu valor será mantido.
A areia e a brita por exemplo, em sua função social são mais úteis que a pedras preciosas. Na maior do planeta, a construção de pontes, edifícios, estradas, portos, aeroportos e construção civil em geral dependem desses dois elementos como base de fundação. Por existir em demasia esses itens, apesar da utilidade terão sempre o seu preço reduzido. Já as pedras preciosas são raras, difíceis de encontrar, e quando encontradas algumas destas voltarão novamente a esconderijos secretos, para segurança do proprietário e para valorização do objeto. Algumas destas pedras servem apenas para despertar a ganancia dos homens já que pouca ou nenhuma utilidade real possuem
Assim são os deuses: inúteis, inexistentes, nunca foram vistos por ninguém, mas como vivem escondidos e tiveram suas dimensões e seus “feitos” amplificados, estes terão sempre os seus valores elevados, sendo um dos mais cobiçados objeto de desejo dos povos desde que um esperto descobriu como usar o medo e a ignorância dos outros em benefício próprio.
E quem é que dá o preço aos deuses? Os mercadores da fé, os compradores de bugigangas sagradas e todos que veneram o invisível e desprezam, maltratam e exploram a sua própria espécie, visível, real e coexistente nesse orbe.
Há uma simbiose maldita entre o comprador e o ofertante desse tipo de “produto”. O que vende (deus) afirma que é um produto de valor inestimável! O que o compra, acredita nessa mentira para que o seu próprio valor pessoal também seja aumentado, afinal, não ter fé em deus é algo extremamente depreciativo em várias sociedades, principalmente nas que sofreram a influencia do “deus de Abrão”.
Entre o “povo de deus” por exemplo, um criminoso confesso, um estuprador, um pedófilo ou qualquer pessoa que causa dano a sociedade, se ele apesar de tudo disser que acredita em deus, terá mais valor e respeito do que alguém com uma vida ilibada e socialmente produtiva, porém ateísta.
A ideia de “ter deus no coração” faz com que qualquer marginal considere-se um santo, que um criminoso considere-se uma vítima, que um inútil se considere um célebre feitor, e que o louco considere-se um sábio apenas por repetir o tempo inteiro mentiras reconfortantes e socialmente satisfatórias do tipo “deus é nosso pai”, “deus está conosco”, “foi deus quem quis assim”, “isso é obra de deus”, “deus nos salve”, etc..
Quando alguém atribui feitios humanos aos deuses imaginários e quando associam milagres inúteis ou inexistentes a estes, mais elevado se torna o “valor de mercado” daquele deus entre os veneradores. Logo o seu representante poderá barganhar com políticos e outros líderes esse tipo de valor no mercado negro.
Quase todos conhecem a lenda urbana de que deus salvou uma dúzia de ovos no porta-malas de um carro enquanto deixou 5 jovens morrer num trágico acidente só para provar que ele é deus e que com ele não se brinca! Pois é...milagres inúteis como esses e bobagens descabidas como essas elevam cada vez mais o valor de mercado desse tipo de divindade, e mais caro será o pedágio que os usuários desse sistema terão de pagar aos donos dos templos toda vez que quiser falar com deus, falar de deus, ou em nome de deus...
Eles não entendem que quanto mais bizarrices falam em nome de deus, e quanto mais milagres cabulosos a ele atribuem, mais caro será para os usuários do sistema ter acesso a esse deus. Desse modo mais caro eles terão de pagar para obter os supostos favores e proteção imaginário de um ser imaginário.
Ainda que não assumam, toda igreja é uma franquia independente de uma franquia coletiva que cobra direitos diversos sobre a imagem do seu produto (deus). Quanto mais falam desse produto sem de fato vê-lo e tê-lo, mais o seu valor de mercado aumenta! E alguns achando que o mercado especulativo e a bolsa de valores é algo recente! Amadores, srsr...
Enxergar deus numa torrada, no c* de um cachorro, num tronco de madeira apodrecida ou numa mancha mofada na parede também fazem elevar a “grandiosidade” desse ser imaginário.
Se todos, porém adorassem a um mesmo ser virtual e que fosse acessível a todos sem distinção algum, que valor esse deus teria? Nenhum, claro. Como tudo o que é inventado pelos homens, algo só tem valor se puder ser cobiçado, ainda que seja inútil! Isso vale para uma obra de arte de 100 milhões pendurada numa parede de uma sala, quanto para qualidades surreais dos deuses.
Se puder ser cobiçado, poderá ter o seu preço elevado! Para elevar-se o desejo de cobiça de algo, nada melhor que inventar uma história mística ou épica em torno desta obra, ou então atribuir sua posse anterior a uma pessoa igualmente “importante” na sociedade. Notem que todos os deuses além de místicos, são épicos mesmo sendo as vezes bizarros!
A “função social dos deuses” é basicamente fazer com que uma pessoa sem posses se ache rica, uma pessoa burra se ache sábia, que um sábio seja visto como louco, que um criminoso se passe por inocente e que a opressão, o engano, a mentira, e a falsidade sejam vistos como virtudes e não como um defeito, se tiveres “deus no coração”.
É como se você viajasse sua vida inteira num transatlântico para depois de toda pompa aportar em uma plataforma de papelão, numa ilha de isopor por cima de um manguezal! De nada adiantou tanta pompa! Vai cair na lama de todo jeito!
Assim também é a confiança nos deuses! Apesar de confiarem tanto nestes e anunciarem que em breve estarão nos céus com eles, os fiéis continuam temendo a morte, o inferno, as enfermidades e todos as incertezas dessas vidas. Em outras palavras os deuses são estes portos inseguros para pessoas também inseguras e infantilizadas por opção ou imposição.
Outra coisa para aumentar o valor comercial dos deuses é aumentar o número de seus adversários!
Sem os demônios imaginários, sem as mazelas que afligem os povos (algumas delas provocadas justamente defendo a honra dos deuses), sem outros deuses concorrentes e sem a função de despertar a ganancia dos homens, nenhum deus teria valor algum!
Além da fórmula secreta de deixar sempre deus num ligar inacessível para aumentar o seu preço, outra fórmula bem sucessedida é criar vários outros deuses concorrentes e adjetivar a todos que não segue o “deus verdadeiro” como sectário, herege, mentiroso, filho da perdição e destinados ao inferno.
Lembrar-se sempre do fato os inimigos dos deuses podem instigá-los a travar combates imaginários, vencendo guerras que nunca aconteceram, trazendo sobre si coroas e troféus surreais que fará com que as pessoas venerem ainda mais o ser mistificado. Quanto mais batalhas imaginárias melhor! Contra o diabo, contra a nova ordem mundial, contra os iluminatis, contra o ateísmo, contra o TIK TOK, contra os rótulos de maionese, contra os filmes da Disney...ponha deus em combate e ele vencerá todas!
Não se preocupe, a imaginação desse povo é farta, pois ao que crê, tudo é possível! É o lema deles sempre e todo esse cenário surreal o fiel pode contemplar pelos olhos da fé! E quem não consegue contemplar tal visão celestial, ficará provado que não faz parte do povo de deus. Pronto! Esse é o motivo de haver muitas pessoas agindo como gente abobalhada nas igrejas, “pegando a visão” do pregador, fazendo todos os tipos de maluquices para não serem classificados com Tomé, ateu ou infiel. O rei está nu, é um bobão, e ninguém tem coragem de dizer, pois o rei disse que só os inteligentes são capazes de ver suas roupas celestiais! Entendeu?
Diga que vê o que não vê, que sente o que não sente, que faz o que não faz e eu você é o que não é, e terá o seu valor elevado entre o grupo! Funções e lucros diversos na “casa de deus” esperam todos os que sabem atuar como bons atores! Os que “caem na gandaia” e dão vazão a todo tipo de histeria serão glorificados! Os que aposentam o próprio cérebro e agem de modo animalesco contra si mesmo e todos os “infiéis” pode ser ter até seus nomes imortalizados entre os heróis da fé! Quem não quer isso?
A grandeza dos deuses reside justamente naquilo que não pode ser comprovado, naquilo que pode ser fantasiado em benefício do usuário, do líder ou do grupo. Todo deus é um mecanismo de defesa para os irresponsáveis, os medrosos e os inseguros ao mesmo tempo que é uma ferramenta de ataque para os opressores e gananciosos!
Se falta criatividade para adorná-los com qualidade surreais, eles caem no descrédito! Se os tornar acessíveis ao público também! Se tirar todo o véu de mistério que os envolvem, eles não valem coisa alguma!
Nesse carnaval, vence quem sabe bordar a melhor fantasia! Para os foliões da fé, quem fizer o melhor carro alegórico para exibir deus sob os seus pés ou sob suas cabeças, terá o maior número de adeptos e poderá “sambar na cara dos inimigos”, ditar as regras do jogo ou construí um império em nome da fé (dos outros).
Invente ou propague uma fantasia com um ser imaginário e você poderá ser detido em um manicômio. Conte a mesma fantasia e nela acrescente referência aos deuses e você poderá ser beatificado, ser o pai fundador de uma religião ou um líder religioso de muita influência e poder financeiro. Se com sua história cabulosa envolvendo os deuses fores capazes de construir uma válvula de escapes para pessoas imaturas e ignorantes, você será bem pago por isso. A loucura nesse caso é apenas uma questão de ponto de vista e não uma questão senil ou moral.
CONTINUA...
Texto escrito em 1/8/20
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.