Pulsões

Pulsões

Quando comecei a estudar as psicopatologias, de certa forma, o sofrimento psicológico decorrente das patologias psíquicas passou a me interessar, pois, uma pergunta sempre me aprisionou na dicotomia prazer e desprazer.

Então, necessitei entender qual relação rege o prazer e o não prazer, e antes, entender o que são psicopatologias. Por que existem? O que interferem em nossas vidas? De que forma as evitar? Serão elas inerentes a nossa existência, ou mesmo a nossa espécie?

Para tentar responder às questões afloradas em minha mente, procurei me acercar de algumas informações acerca do que concerne o estudo das patologias psíquicas, e a concepção freudiana a esse respeito.

É claro que este ensaio, certamente, o que for dito, o será a partir de minhas concepções, ainda que fundamentadas em vários pensadores, ainda assim, estão revestidas por minhas palavras, e estas serão tão variadas, quanto variadas são as concepções a esse tema.

Dessa forma vão existir objetivos variados no contexto de nossas informações, quando nos dispomos a pensar sobre o tema, e mesmo estabelecer relações, ou apreciar o que se fala sobre o assunto; certamente, são esses conceitos, procedimentos e atitudes que vamos nos valer como objetivos gerais.

De forma geral, tentaremos objetivar argumentar alguns conceitos, procedendo de forma a reproduzir algumas informações inerente ao relato dos fatos, e não menos importante, manter uma atitude questionadora frente ao que for apresentado.

Diante de tudo isso, é importante relacionar o fato de que a humanidade se construiu a partir de suas vivencias, a considerar a diversidade dos povos ser originada dos variados climas, dos diferentes momentos históricos, e da miscigenação, não somente.

Ter em mente esse entendimento de humanidade; seja Freud ou Lacan, que me pese o pensar a eles posso dizer: Ser ou não ser, eis a questão. Então, o inconsciente como “missing link”, ou mesmo a linguagem que o estrutura. Seja o que for; “o inconsciente é a verdadeira doença mental do homem”. Posso dizer que a Psicanálise é a sua cura.

Não menos poético e filosófico, é dizer que o homem é um complexo energético que demanda atenção constante para se manter em equilíbrio. Tal equilíbrio, penso, está em estabelecer uma relação harmoniosa entre o prazer e o não prazer.

Essa relação de prazer, imbricada no modelo de homem apresentado pela Psicanálise, e resumido por KLINE (1998), quando diz haver dois impulsos principais no homem; sexualidade e agressão, ambos, determinados pelo ambiente, e posso dizer; construídos socialmente.

São eles expressos pelos conflitos edipianos e de castração, juntos, operam um sistema de energia fechado de expressão vital; mediados pelo ego em defesas bem e malsucedidas, elas se caracterizam em sintomas neuróticos e atos simbólicos na tentativa de lidar com os conflitos e traumas inconscientes.

Esse modelo de homem, de algum modo, necessita de alto grau de controle na sociedade e saídas institucionalizadas para os impulsos. Sem o que, de acordo com o modelo freudiano, viveríamos de forma arriscada a beira do precipício psicológico.

Quando nos referimos ao ser humano como complexo de energias, e organizados em um mundo a controlar seu estar, estamos, analogamente, nos referindo à pulsão como o estímulo interno, não só biológico, mas, a energia psicológica que nos impele à realização de nossos objetivos, quando o desejo primordial de nossas realizações é o prazer, uma vez que, para a energia pulsional, sua satisfação é a obtenção desse prazer.

Não o prazer aleatório, unicamente físico, mas, o prazer de estar no mundo e dele fazer parte como de certo nos compete no correr da vida.

Então, prazer e não prazer passam a fazer parte da existência humana, e de algum modo, são os elementos antagônicos a nos mover no contexto sociocultural que nos organiza como humanos.

Nesse entendimento de organização, inserimos um adendo para satisfazer nosso prazer, quando nos referimos ao estresse, associando-o ao conceito freudiano de fator motor da pulsão, quando Freud (1895), define pressão (drang), como o que impele o organismo à ação específica e responsável pela eliminação da tensão provocada pela pressão que exige constante trabalho psíquico das exigências sociais.

Ora, se existe uma energia que nos pressiona a realizar algo que nos dá prazer e, tal realização, de algum modo, está condicionada socialmente, então, na condição de seres sociais, só podemos realizar algo que esteja sancionado socialmente, caso contrário, estamos fadados ao conflito originado pela relação prazer desprazer.

Na confluência desse entendimento, e nos variados conceitos a respeito do estresse, temos originalmente em Hans Selye a dimensão biológica do estresse especificada pela Síndrome Geral de Adaptação (SGA).

Em outro conceito, Rodrigues (1997), traz uma definição biopsicossocial do estresse, admitindo-o a partir de estressores de ordem física e social (meio externo) e, decorrente do meio interno, pensamentos, sentimentos, emoções;...

Não sendo alvo de nosso diálogo, nos parece que o estresse tem sido o vilão da saúde mental e, modernamente, tem acometido os seres humanos de forma contundente, e creio não pecar ao dizer que como fonte dos conflitos psicológicos, sendo processo somático que ocorre em um órgão ou parte do corpo, revela um estímulo que é representado na vida mental por uma pulsão (trieb).

É essa energia, a pulsional, que não sendo possível destituí-la de seu objetivo final, uma vez que ela não se revela por si só, mas, pelos seus representantes, seja o ideativo (vorstellung), seja o afeto (affekt).

O afeto, pode-se dizer, é a quantidade de energia pulsional em sua essência qualitativa a se manifestar em processos de descarga percebida como sentimentos; não há afetos inconscientes, uma vez que não podem ser recalcados. Diferentemente, os representantes ideativos são catexias, concentração de energias mentais sobre representações bem definidas.

Então, a pulsão, diante da dificuldade de ser destruída, satisfazê-la requer estratégias de defesa que incidirão sobre seus representantes psíquicos, seja as ideias e os afetos. Aqueles se caracterizam pela reversão ao seu oposto; retorno em direção ao próprio eu; recalcamento, sublimação. O que concerne ao afeto, temos a histeria de conversão, que é o deslocamento do afeto; obsessão, que é a transformação do afeto; neurose de angustia e melancolia, que é a troca do afeto.

Diante do que acabamos de expor, há que se considerar a energia como o que tem origem no interior do organismo e, sendo imune às ações de fuga; vamos entende-la como pulsão. O que Freud vai particularizar como elo estreito entre corpo e mente. Assim, ...

“A pulsão nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida de exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo” (FREUD, 1925,p.127).

Freud, a partir desse exposto, vai verificar a pulsão sobre quatro aspectos significativos, quais sejam: a meta ou finalidade; o objeto; a fonte; a pressão ou impulso.

A meta ou finalidade, é o que já foi observado como sendo a obtenção de satisfação por vias que descarregam as excitações. A isso, Freud vai considerar que a pulsão pode ser inibida em sua finalidade (FREUD,1925), quando em sociedade (na civilização), o sujeito está condicionado às interdições e adiamentos inerentes ao processo civilizatório.

Por outro lado, o objeto, revestido de importância, vai se revelar como o que se apresenta de mais variável na pulsão. Ele assim se constitui em constantes mudanças e transformações, oriundas do amadurecimento psicológico do ser e, consequentemente, o que o indivíduo passa admitir como satisfação.

A fonte, conforme Freud, origina de processos somáticos a promover estímulos representados na vida mental do indivíduo. Por fim, a pressão, ela é representada pela constante exigência de trabalho no psiquismo.

É nesse momento de nossa leitura que podemos dizer que Freud organiza seu dualismo pulsional. Seja as pulsões do ego, seja as pulsões sexuais. Aquelas se caracterizam pela preservação do eu, estas, pela obtenção de prazer. Ambas vão constituir em seu conflito os sintomas das neuroses de transferência.

Então, a essa altura, a psicanálise, em seu processo psicanalítico, pauta-se pelos efeitos das pulsões sexuais passíveis de serem interpretadas no que constitui as formações do inconsciente. Diante disso, nos resta analisar de que forma se organizam os efeitos das pulsões e seus respectivos destinos.

Antes, porém, devemos sinalizar que a dicotomia prazer/desprazer nos trouxe até este momento, no qual, percebemos que tal relação é inerente ao ser humano pensante e vivente em sociedade.

E nessa sociedade, modernamente, temos anotado que o sofrimento psicológico é parte do processo civilizatório, como dito e, portanto, medicalizável quando patologia psíquica e, passível das exigências de consumo dos variados tratamentos disponíveis.

Se pensarmos saúde mental em (Foucault, 2005), esta é mecanismo regulador e controlador da vida do sujeito; e saúde e doença são legitimados por processos hierárquicos classificatórios, estabelecidos por tipos de patologias concernentes ao grau de adaptabilidade do ser em seu processo civilizatório. O que faz da doença mental uma definição valorativa e, portanto, arbitrária.

Se, portanto, arbitrária, não há porque pensar em doença quando a relação ego mundo se dá pela dicotomia prazer/desprazer. Então, na medida em que os objetos externos ao ser se tornam fonte de prazer, o ego os toma para si e execra os motivos de desprazer. Assim assinala Freud:

“Para o ego do prazer, o mundo externo está dividido numa parte que é agradável, que ele incorporou a si mesmo, e num remanescente que lhe é estranho. Isolou uma parte de seu próprio eu, que projeta no mundo externo e sente como hostil. Após esse arranjo, as duas polaridades coincidem mais uma vez: o sujeito do ego coincide com o prazer, e o mundo externo com o desprazer (com o que anteriormente era indiferente)” FREUD, 1915

A esse entendimento, pode-se considerar, assim penso, não há uma doença no sentido de consumir uma cura, mas, a inadaptação do homem ao mundo. Os sintomas dessa inadaptação seriam construções psíquicas de defesa, na qual estariam envolvidos processos inconscientes.

Seria assim o inconsciente fonte dos sintomas? Seria ele patológico e a cura a psicanálise? Tais questões nos figura a pensar se o inconsciente não é uma falha a ser eliminada, visto ser parte do aparelho psíquico, então, o tratamento dos sofrimentos psíquicos não requer sua eliminação. Teríamos, assim, que domá-lo?

Para essa última questão, nos convém pensar Freud em sua hipótese da sexualidade, quando ele diz que ela está na origem nas neuroses, o que nos permite sinalizar que o evento causador do sofrimento psicológico é de caráter sexual, ou seja, o desequilíbrio dessa energia.

Por fim, como já dito, a psicanálise, em seu processo psicanalítico, pauta-se pelos efeitos das pulsões sexuais passíveis de serem interpretadas no que constitui as formações do inconsciente. Diante disso, nos resta analisar de que forma se organizam os efeitos das pulsões e seus respectivos destinos; fatos que serão considerados no próximo módulo.

CREDITOS:

KLINE, Paul. Psicologia e terapia freudiana: uma introdução. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1988.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 2005.

____________ Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro, 2000.

FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica, Edição standard das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1996 (1895).

FREUD, S. As pulsões e suas vicissitudes, Edição standard das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1996 (1915).

FREUD, S. Edição standard das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1996 (1925).

Roberto Ramón
Enviado por Roberto Ramón em 30/07/2020
Reeditado em 31/08/2020
Código do texto: T7021127
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