Ecumenismo? Por que não?

*Por Antônio F. Bispo

Não pretendo nesse texto apoiar ou abolir a unificação de todos os ritos religiosos sob uma mesma bandeira ou um mesmo líder. Pretendo apenas expor os principais motivos pelos quais a maioria dos líderes religiosos rejeitam tal ideia enquanto que muitos seguidores desejam com afinco que isso venha acontecer. Pretendo expor o que há por trás das intenções e não julgar o fato em si como certo ou errado.

A princípio quando as primeiras propostas ecumênicas foram apresentadas, elas eram voltadas apenas para o cristianismo, cujos defensores pregavam a reunificação do credo cristão sob uma mesma insígnia onde católicos, protestantes, luteranos, ortodoxos, anglicanos, evangélico e todos os que acreditam em um deus trino pudessem estar unidos, seguindo um mesmo rito sob uma nova liderança. Apesar da igreja, desde a sua fundação (ou invenção), nunca ter seguido em momento algum uma mesma visão a cerca cristo e seus ensinamentos, sempre houve os que sonharam em unificá-la e torna-la uma máquina avassaladora para com intuitos de conversão mundial de todos os povos.

Como o passar do tempo, em salas de aulas, em recintos de culto e nos mais diversos tipos de reuniões sociais muitos passaram a comentar sobre expandir essa possibilidade não somente à fé cristã, mas a todas as religiões de modo geral. Um mesmo deus a ser venerado por toda a raça humana seria a proposta ideal para acabar com 90% dos conflitos humanos em todo o globo.

Ecumenismo? Por que não? Essa era ou tem sido a pergunta desde os últimos 50 anos pelos defensores mais assíduos dessa causa. As respostas tem sido as mais diversas, todas embaladas num egoísmo disfarçado de altruísmo ou numa completa ignorância no que diz respeito à natureza humana. Respostas sensatas é o que menos se tem para esse tipo de questão, até por que para isso se requer um estudo aprofundado por diferentes ângulos dos interesses pessoais que podem ser transformados em causas coletivas. Respostas prontas e jargões pré-fabricados é o que mais se tem sobre isso, mas é o que menos se aproveita em nada ser, apenas demonstra paixão ou desespero por parte de quem as emitem.

Muitos dos que concordam com a ideia de uma fé global em função de uma paz mundial e do que ela poderia proporcionar, estão se esquecendo da opressão coletiva que isso traria ao tentar padronizar todos os homens sob um único crédulo religioso, causando uma perseguição em massa à todos os que rejeitarem tais preceitos.

Já os que discordam dessa ideia, em sua maioria pensam apenas na perca de poder, recursos financeiros e influencia sob as massas que isso resultaria para si e o seu grupo, pois nos moldes comuns das religiões, cada igreja é um feudo e cada líder religioso é um senhor feudal com a permissão legal do estado para explorar seus subordinados, gerando e retendo riquezas para si e os que fazem parte da nobreza clerical, criando sempre um abismo entre eles e os crédulos comuns, os serviçais da fé e todos os que “dependem de deus” para guiar suas vidas.

Por mais que se digam evoluídos os crédulos dos dias atuais em suas relações deus/homem, a interação entre líderes e liderados sempre remeterá a períodos vergonhosos da história humana, sempre repetindo os mesmos atos, onde o homem é explorado pelo próprio homem em função de uma suposta causa divina. Os tempos mudam, mas os princípios são os mesmos! A religiões apesar de apontarem um futuro de gloria e esperança para a humanidade, sempre acorrentará seus fieis a um passado tenebroso, impedindo em diversos casos toda uma evolução social.

A proposta de ecumenismo se propõem a apresentar um homem, um líder religioso com suprema autoridade global, capaz de receber interpretar a vontade de deus(ou dos deuses) e repassá-las para a humanidade, para que sob uma mesma liturgia, as milhares de mortes que acontecem todos os anos pelos conflitos envolvendo a religiosidade em todo o globo fossem diminuídas e de certa forma o preconceito fosse deixado de lado. Os que assim acreditam, sonham cum um paraíso cercado de cordeirinhos onde toda a humanidade poderia viver em paz adorando a um único deus, de modo ordeiro e pacífico.

Um sonho deveras utópico, porém, presente em todas as sociedades desde que os homens começaram a se juntar em torno de algo e torna-lo místico para que seu ego fosse nutrido e que mentissem a eles mesmos, dizendo-se especiais apesar de ordinários! Mistificar algo simples e propagá-lo como se fosse especial, faz com que o que apregoa sinta-se também especial ao fazê-lo. Esse é um dos pilares da crença nos seres mistificados.

Quanto maior for o numero de objetos mistificados, mais protegido e especial sentir-se-á o que o seu feitor/ venerador. A exemplo de pedras, animais, fenômenos naturais, líderes, e pessoas beatificadas, há uma infinidade de coisas que podem ser introduzidas como objeto de culto para que o fiel venha ostentar isso como se fosse realmente algo útil e precioso a todos.

Todos querem a paz, mas comumente esperamos que os outros baixem a guarda e se rendam a nós, a nossa crença e ao nosso estilo de vida para que a paz prevaleça! Esse é justamente o principio da religião. Esse é justamente o principio da guerra e da opressão!

A paz é uma mercadoria muito valiosa e ardentemente desejada! Quando há conflitos é por que dois ou mais interesses estão se chocando em torno de um mesmo objeto fictício ou de necessidade real. Seja entre duas ou mais pessoas ou entre duas ou mais nações os conflitos sempre serão em torno disso.

Todos estamos “presos” nesse globo e temos que dividir com todos (tudo o que habita esse orbe) os recursos que nele há. Essa é uma realidade que muitos ainda não se deram conta.

Alimentos, moradia, afeto, tecnologias e recursos naturais que recebemos ou produzimos podem ser do interesse de muitos. Alguns de forma legal ou ilegal tentarão obter o que detemos pelos meios que possuírem. Nem todos os meios para obtenção é justo ou de comum acordo.

Recursos essenciais ou não à nossa sobrevivência quando desejados pelos outros poderão ou precisarão quase sempre ser compartilhados e nessa partilha sempre há os que querem mais, muito mais para si e quase nada para os outros. Além disso, os que desse modo agem, acham que os que ficam com menos ou os que perderam suas posses devem se conformar nesse tipo de partilha. Mas não é assim ou nem sempre será assim. O que sofreu prejuízo cedo ou tarde poderá revidar, e mesmo que não revide, o que causará o dano poderá ser consumido pelo próprio medo de perder o que conseguira, já que não o fizera de forma justa quando havia regras.

A competição é real. O modo da partilha nem sempre é justo. Os que jogam nesse jogo nem sempre seguem as regras. Alguns fazem as próprias regras do jogo, mesmo já havendo uma. O conflito é certo nesses casos. Sempre estamos competindo ou querendo aquilo que está em posso do outro ou com o outro a exemplo dos prazeres sexuais.

Mesmo um conjugue que vive a trair com frequência o seu parceiro, “pelo bem” da paz familiar e da paz dou outro, esperará que o outro não revide, que aceite a traição constante se conforme com isso, pois se revidar e fizer o mesmo (ou simplesmente abandonar o traidor), poderá ser punido inclusive com a morte. Em outras palavras estes acham justo que num mesmo espaço de tempo eles possam compartilhar afetos mútuos com inúmeros parceiros, enquanto que o seu conjugue deva usufruir prazer unicamente com este ser levado a bestialidade e a instintos tão primitivos pelo bem da “paz” entre ambos ou a guerra será declarada ou um termo de rendição ainda mais restritivo deve ser assinado.

O mesmo vale para todos os outros recursos que precisamos compartilhar enquanto vivos, seja entre duas ou mais pessoas ou nações. Precisaremos sempre compartilhar o solo, o ar, os recursos hídricos e as aéreas mais ou menos ensolaradas, essenciais para interesses diversos.

A vida é uma disputa e o jogo não é limpo!

Desde a concepção intrauterina até a hora da morte, estamos o tempo inteiro a disputar algo. Quase nunca a concorrência é honesta. Os que vieram antes de nós construíram a base do sistema qual seremos inseridos e julgados e certamente passaremos toda nossa existência nesse modelo se nada fizermos para muda-lo.

Quando nos falta a força, a inteligência, a saúde e a competência para conseguirmos o que precisamos, recorremos aos deuses! Quando nos sobrepuja a ganancia, a ignorância, a preguiça, o medo e a luxuria, também recorremos aos deuses para que esses nos ajudem, pois queremos ter tudo o que os outros tem, sem precisar fazer nada do que eles fizeram para estarem onde estão ou ter ou que têm.

Quando os abusos que sofremos são uma constante sem prazo para findar, também recorremos aos deuses para que nos ajudem, nos alivie o fardo, nos liberte e até que nos torne o opressor que hora condenamos, para que possamos fazer com os outros tudo aquilo que hoje nos fazem. De oprimidos passamos a opressor e nem nos damos conta que estamos dando seguimento a um tipo de relação que nos impede transcender no espaço e no tempo, nos tornando ao mesmo tempo vítimas e causadores dos males que nos atormentam.

É assim, tem sido assim, e se não evoluirmos sempre será assim!

E de onde vem os deuses? De todos os lugares e de lugar nenhum! Do fundo do nosso EGO é que eles residem e é lá que eles morrem à medida que evoluímos.

Geralmente eles surgem como uma ponta de luz no fim do túnel, como uma resposta àquilo que tanto precisamos. Do nosso imaginário ou do imaginário coletivo, eles tomam formas e vão se moldando conforme nossa infantilidade, nossas tradições culturais ou necessidade coletiva de um grupo especifico. Quando menos percebemos, ali estará um objeto de culto, depois um rito, depois uma igreja e quando atingir muitos adeptos, se tornará uma religião para disputar com tantas outras já existente. E o ciclo da guerra se repete. Desejamos a paz. Construímos deuses para que nos proporcionem a paz, mas é justamente a construção deles que nos trazem a guerra.

Quanto mais deuses construirmos mais conflitos teremos, pois nessa guerra de egos todos tentam provar a todos que o ser que dá forma as suas próprias infantilidades é superior a todos os demais e que todas as crenças devam se render as suas.

Quanto mais gente propagando a mesma crendice, maior será a confiança do crédulo sobre a veracidade do seu deus. Maior será a perseguição às minorias à medida que essa fé cresce.

Um praticante totalmente fiel aos seus ritos de fé, quando propõe a ideia ecumênica, acredita justamente que o seu deus irá ser selecionado entre os milhares e venerados no mundo inteiro. Quando descobrir que não o foi, será o primeiro a fazer oposição a essa ideia. Os não praticantes de um rito, que “servem a deus” apenas por convencia ou por causa das tradições culturais, não estão nem aí para qual deus seja escolhido para ser o único. Tanto faz! Estes nem são ateístas e nem praticam a fé que pregam! Apenas acompanham as multidões, não importa as direções! Para estes o melhor modo de evitar o conflito é se unindo à maioria. De certa forma isso é verdade, apesar de lhe custar o preço da própria individualidade. Como nas massas não há indivíduos, apenas rebanho, aderir qualquer tipo de movimento não fará diferença alguma.

CONTINUA...

Texto escrito em 19/7/20

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 19/07/2020
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