E AS AULAS? E AS ESCOLAS? E A EDUCAÇÃO?

(O Whatsapp está sendo a maior ironia da educação brasileira)

Muito se tem questionado sobre o papel da escola e sua importância nessa pandemia, como será o retorno das aulas e o que será realizado com os estudantes durante essa parada indesejável. Lamentavelmente, como não se tem um ministro da educação coordenando esse processo, cabe aos municípios e aos governos estaduais produzirem atos normativos e adentrarem nesse mundo tão obscurecido justamente por políticas públicas de inúmeros interesses particulares.

Pois bem. Qual seria a solução? A dádiva divina? A lâmpada de Aladim para num passe da mágica resolver a equação de transformar um ensino originalmente fracassado em uma rede virtual sublime, revolucionária e paradigmática que vai salvar o aluno? Respondo em uma palavra: o superior, o magnífico, o incrível whatsapp.

Eis a maior ironia da história da educação brasileira. Enquanto sempre se criticou uma quase que completa ausência de tecnologias na escola, agora justamente é ela (a tecnologia) a salvadora dos fracos e oprimidos. Alunos que nunca foram incentivados e instruídos pela escola – muitas vezes até proibidos de utilizarem essas tecnologias – agora são obrigados a utilizarem-na em suas casas para fins didáticos. Com base nisso, fica fácil de chegar a uma conclusão sobre essas “aulas” online: não passa de mais um faz de contas viciantemente bom para mostrar serviço político e pedagógico, ruim para a aprendizagem e a privacidade, de uma forma geral.

Assim, inevitavelmente, surgem duas questões específicas: a primeira é que uma “educação” que exija acesso à internet quando nem todos têm acesso a ela, nem muito menos a aparelhos tecnológicos necessários e ideais para determinado fim, tende naturalmente para o fracasso.

É essa e educação para todos? Obvio que não. Isso é um fato inquestionável. Inúmeros são aqueles que sequer possuem dinheiro para comprar vestimenta para ir para a escola. Quantos alunos, por exemplo, já vi passando mal por não terem se alimentado. Além de professor, já fui diretor escolar e garanto que casos como esses não são poucos. Muitas foram as vezes que, enquanto aluno do ensino básico, fiquei reprimido e desmotivado a estudar por ver meus colegas dentro da escola utilizando recursos que eu não podia por não possuir dinheiro para tanto. Tudo isso interfere no aprendizado. Ao exigir ferramentas tecnológicas que nem todos têm acesso a escola regulamenta - em um projeto em nome da educação - justamente a desigualdade social e educacional.

A segunda questão é que whatsapp resume-se no telefone particular da pessoa. Quando se banaliza a intimidade do indivíduo quebra-se automaticamente sua privacidade. Eu próprio já fui desacatado inúmeras vezes por alunos e responsáveis em invasões no meu whatsapp e com ligações telefônicas. Quem sabe pessoas da própria instituição de ensino tenham fornecido meu número. O fato é que se torna absolutamente injusto você abrir mão de sua privacidade e aceitar absurdos irresponsáveis em nome de um projeto que exclui, que mascara uma realidade e que separa estudantes em classes dos que têm em oposição aos que não têm.

Para finalizar, vou dizer que eu seria a favor de uma educação online emergencial se: 1º todos tivessem acesso as tecnologias e a internet; 2º se todos soubessem utilizá-las corretamente (a própria escola poderia fazer isso em matéria específica); 3º se fosse realizado em uma plataforma que não ferisse a privacidade dos envolvidos.

Educação não pode se resumir em números, muito menos em formalidades previsíveis que mascaram uma realidade e buscam afogar os personagens do enredo em um mar interminável de contradições.

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 01/07/2020
Reeditado em 03/07/2020
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