Controle de Preços no Mercado de Trabalho 1
PERCEPÇÃO DAS PESSOAS
Vivo na capital administrativa do país e a maioria dos meus parentes e amigos são servidores ou filhos de servidores: quando se comparam categorias a regra é achar que a categoria que recebe mais está correta e todos os outros salários deveriam ser de acordo com aquela categoria (inclusive os salários da iniciativa privada). Nas conversas do dia a dia as pessoas se dizem contra o controle de preços (quando falo da regra geral). Entretanto frequentemente defendem que um determinado preço seja controlado. Um exemplo que ouvi de uma colega: ‘Não acho que o salário daquela categoria é alto, o salário da iniciativa privada (para trabalho semelhante) é que é uma exploração!”. Enquanto os salários são nivelados por cima os preços são nivelados para baixo, “o preço da gasolina é um roubo!”.
AÇÃO DO ESTADO
Tal percepção das pessoas se reflete na ação do Estado. Diversos preços já foram ou são controlados. O preço da passagem de ônibus, por exemplo, é controlada pelo Estado. Os preços dos serviços que conseguem fugir da regulação são extremamente baratos. Basta ver por exemplo, os preços dos de serviços de aplicativos de entrega de comida ou de transporte (como Uber).
UBERIZAÇÃO DA ECONOMIA
O advento do Uber possibilitou a diversas pessoas a locomoção para lugares onde não iriam. Aqui no DF, por exemplo, o transporte público é basicamente para o centro (Brasília). Eu mesmo, jovem de classe média, não tinha recurso para táxi. As pessoas de classe média/baixa (maioria da população brasileira) foram extremamente beneficiadas pelo acesso ao transporte favorecido pelos motoristas que prestam o serviço através do aplicativo. Assim como o foram os prestadores de serviço. Antes do advento do Uber eles teriam que comprar a licença para dirigir o táxi (que custava muito mais do que o próprio carro) ou teriam que alugar a licença de algum proprietário. As pessoas sem acesso ao recurso para comprar a licença ou a alguém disposta a alugá-la simplesmente eram excluídas do mercado.
CONTRA A UBERIZAÇÃO DA ECONOMIA
Há que se considerar que o baixo custo para os consumidores só é possível devido à precarização do trabalho do prestador do serviços (se comparado com serviço semelhante prestado com carteira assinada e todos os direitos que a formalização garante). Uma motorista de aplicativo trabalha mais de oito horas por dia, não tem garantia de receber um valor mínimo (se a demanda for fraca no mês pode receber menos do que o salário mínimo), não tem direito a férias, décimo terceiro… Diferentemente do táxi ela não tem o monopólio garantido pelo Estado, ou seja, ela vai ter que aceitar o preço de mercado. Antigamente ao menos tinha uma “taxa de entrada no mercado”, a pessoa deveria ter dinheiro para comprar um carro - isto segurava a entrada de pessoas no mercado. Atualmente é possível alugar carros para usá-los, portanto não há barreiras de entrada - qualquer pessoa pode servir ao aplicativo: num contexto de pobreza a competição leva os preços para baixo - o que torna as condições de trabalho cada vez mais precárias. Além disso a dona do aplicativo cobra um valor exorbitante - mesmo tendo custos fixos. Repare, a motorista paga pelo combustível, paga pela degradação do carro (ou pelo aluguel de um) e é a motorista que lida com inconvenientes como roubos, sujeira, falta de educação… Ainda assim o aplicativo cobrava o valor de 25% da corrida (atualmente devido à concorrência suponho que este valor tenha baixado). Estes são os motivos pelos quais se alerta contra a uberização da economia. Imagina se todo trabalho for reduzido à estas condições!
SOLUÇÕES AOS PROBLEMAS DA UBERIZAÇÃO
SOLUÇÃO PRIVADA
Uma solução possível é que os próprios motoristas de aplicativos (ou quaisquer categoria que esteja passando pela uberização) se reúnam e criem eles mesmos um aplicativo no modelo que eles gostariam de usar. Ou mesmo uma terceira pessoa pode reconhecer a exploração do mercado e criar uma alternativa que favoreça mais os prestadores de serviço: pode haver um mecanismo (talvez votação) em que delegue ao motorista a decisão de qual porcentagem da corrida será cobrada, quais os critérios de seleção do motorista para autorizar a rodar pelo aplicativo, quais os requisitos devem ser preenchidos. É claro que esta é uma solução arriscada, a maioria dos negócios vão à falência. Mas tenho certeza de que com um valor menor do que para a criação de um restaurante em um shopping é possível criar o aplicativo.
SOLUÇÃO PÚBLICA
Uma solução possível é observar os modelos que existiam antes da uberização e obrigar, pela força do Estado, que os aplicativos se aproximem daqueles modelos. Um modelo óbvio é o dos táxis.
TÁXIS
Os táxis tinham uma remuneração por corrida extremamente maior do que a dos aplicativos. O preço da corrida era tabelado e era diferente de acordo com o bairro onde a corrida se dava. Da mesma maneira, como dito anteriormente, a licença para rodar como táxi era dada pelo Estado e era em número fixo. Qualquer pessoas que quisesse participar deste monopólio deveria comprar ou alugar uma licença de outrem. O Estado garantia o monopólio, tabelava os preços, garantia isenção de imposto na compra de veículos… enfim, todo o mercado era extremamente regulado. Pessoas que queriam fazer transporte privado tinham que fugir da polícia e frequentemente tinham seus veículos apreendidos. Uma fala que ouvi de um taxista anos atrás é: “São muitos táxis aqui em Brasília. Como são poucas corridas o valor deveria ser mais alto.” Estando dentro do monopólio estatal ele não entendia (ou não queria entender) nada de oferta e demanda.
MODELO DOS ÔNIBUS
Tanto os motoristas quanto os cobradores de ônibus têm carteira de trabalho e todos os direitos que a formalização garante: décimo terceiro, férias, adicional de férias, FGTS, licença saúde… Uma solução para é copiar o modelo dos ônibus. Há uma licitação para conseguir ocupar determinadas linhas de ônibus, após a licitação ninguém (exceto a vencedora da licitação) pode fazer as mesmas linhas. O monopólio das linhas é garantido ao Estado, junto a tal monopólio os preços aos passageiros é tabelado e o preços aos trabalhadores é regulado. Explico: uma empresa de ônibus, diferentemente de uma empresa de aplicativo ou de uma cooperativa de táxi deve contratar as pessoas que prestam seus serviços. Portanto uma opção contra a uberização da economia é obrigar que os aplicativos se tornem cada vez mais parecidas com uma empresa de ônibus, passem a exigir que tratem o prestador de serviço cada vez mais como um funcionário, obrigando a empresa a dar os mesmos direitos que a empresa de ônibus dá.
EFEITOS DA SOLUÇÃO PÚBLICA
Os efeitos destas soluções é, tanto no caso de imitar empresas de táxi, como no caso de imitar empresas de ônibus, dificultar o ingresso no mercado. No caso do táxi o número de pessoas é limitado por lei. Mas mesmo sem a proibição explícita o aumento de exigências legais criam barreiras de entrada para novas empresas. Exigir, por exemplo, que uma empresa de aplicativo, pagasse um salário a cada pessoa que presta o serviço criaria uma enorme barreira de entrada para a concorrência. Uma empresa nova não conseguiria contratar milhares de pessoas necessárias ao atendimento em uma cidade. Uma pessoa que quisesse prestar o serviço deveria passar por um escrutínio minucioso da empresa - o que traria morosidade e impediria milhares de pessoas de participar do mercado de trabalho. Além disso encareceria o serviço, talvez não tanto para você (que me lê), mas lembre que mais da metade da população não recebe nem mil reais por mês (dados de 2019, antes da crise do coronavírus).
TRABALHO INFORMAL
Os aplicativos de transporte possibilitaram que um enorme contingente da população passasse a prestar serviços virtualmente sem direito trabalhista e com baixíssima barreira de entrada. Para participar do mercado era necessário apenas ter um celular e um carro (atualmente nem o carro é necessário, uma vez que se desenvolveu uma indústria de aluguel de carros para aplicativos de transporte). O trabalho sem direitos (informal) sempre representou uma grande porcentagem do trabalho brasileiro e isto trouxe pouco incômodo para a sociedade - se fosse uma prioridade certamente esta condição teria sido alterada. Quem trabalha prestando serviço através de aplicativos está em situação à de quem está no mercado informal.
O QUE OS APLICATIVOS DE TRANSPORTE EVIDENCIARAM
O que os aplicativos fizeram foi mostrar o que já acontece nos mercados de trabalho desregulamentados: pessoas trabalhando tanto quanto conseguem e vulneráveis às vicissitudes da vida. É fácil achar um jovem que trabalha 12 horas por dia seis vezes por semana. Mas e se este jovem sofre um acidente e fica dois meses sem trabalhar a renda de sua família fica fortemente comprometida. Além disso, à medida em que mais pessoas entram no mercado de trabalho a remuneração por viagem se reduz, mas os custos fixos permanecem (aluguel do carro, alimentação, aluguel de casa). Em contrapartida diversos trabalhadores pobres (mais da metade da população brasileira não ganha nem mil reais por mês) são contemplados com um serviço que antes estava fora do seu alcance.
COMPLICANDO
Há quem defenda uma regulamentação para quem faz transporte de pessoas através de aplicativos, estas mesmas pessoas certamente defendem uma regulamentação para transporte de alimentos por aplicativos. Imagine uma regulamentação para cada serviço prestado através de aplicativos (certamente diversos outros serviços passarão a ser prestado através de aplicativos). Agora imagine que num futuro breve os celulares não sejam mais usados e encontrem outra solução para intermediar os serviços. Defenderão outra regulamentação para cada nova solução tecnológica? Atualmente uma regulamentação representa poucos desafios jurídicos (pois são as primeiras). Mas cada a regulamentação torna o mercado de transporte de pessoas exponencialmente mais complicado: as novas regulamentações interagem com as antigas. Além disso cada advogado procurará uma nova interpretação e demorará para o surgimento de uma jurisprudência. Que fique claro: sou favorável a esta forma de direito (que dá espaço para a disputa de interpretações), o que sou contrário é à complexidade das leis que regem este direito. Quanto mais complicado mais insegurança jurídica (tanto para o trabalhador como para o empregador) e maior a barreira de entrada para uma nova empresa (imagina uma startup de duas pessoas tendo que contratar uma equipe jurídica).
COMPLICANDO O COMPLICADO
Novas leis se acumulando com o tempo deixam a legislação exponencialmente complicada para um ramo, digamos o de transporte de pessoas. Agora pense em uma empresa que trabalhe em alguma coisa completamente diferente e que queira usar os serviços do aplicativo. Ela terá que lidar com a complexidade jurídica deste aplicativo e de todos os outros que porventura venha a usar. Atualmente o ambiente é altamente desregulamentado e uma lei a mais faz pouca diferença, mas imagine se aprovam uma lei a cada cinco anos para cada serviço que a empresa quer usar. A empresa terá que lidar com a complexidade de cada setor!
REGULAMENTAÇÃO TRAZ BENEFÍCIOS APENAS PARA QUEM DESFRUTA DELES
Não quero dizer aqui que a regulamentação não traz benefícios. Dizer, por exemplo, que o aviso prévio ou que o décimo terceiro trazem malefícios a quem trabalha é uma falácia. É como no caso dos taxistas, o oligopólio traz muitos benefícios para quem está no mercado, mas estes benefícios têm preço: se dão às custas das pessoas que são excluídas do mercado do trabalho e das pessoas que consomem os serviços. No caso do trabalhador os benefícios se dão às custas do empregador (que paga pelos direitos), das pessoas que ficam fora do mercado de trabalho (pois o preço com os direitos se torna mais caro) e do consumidor (que paga por um produto mais caro).
SIMPLISMO
Este faz parte de uma série de ensaios sobre a ideologia ‘Simplismo’. Tal ideologia se define como uma orientação de procurar a simplicidade, transparência e a criticabilidade. Ou seja, é desejável uma solução que possa ser criticada, aprimorada ou mesmo rejeitada com facilidade. A partir deste ensaio proporei uma solução que concilia:
A preocupação com a parcela da população jogadas a condições deploráveis de trabalho.
Simplicidade jurídica.
Acessibilidade ao mercado de trabalho (para pessoas)
Acessibilidade ao mercado consumidor (para empresas)
LIVRE MERCADO
Sujeitar cada pessoa às condições do livre mercado traz imensos benefícios à sociedade: é mais simples que o mercado regulamentado, é mais inclusivo (tanto para pessoas como para empresas), barateia preços para consumidor.
CONDIÇÕES EXTREMAS
Entretanto o livre mercado impõem condições extremas: pessoas trabalhando em situações insalubres, passando por humilhações, por assédio moral, assédio sexual ou mesmo trabalhando contra seus valores (uma pessoa católica pode se prostituir, por exemplo).
CONCLUSÃO: CONTROLE ESPECÍFICO É O PROBLEMA
Este ensaio faz parte de uma série de ensaios que defende uma forma de imposto de acordo com a ideologia simplista. O objetivo deste ensaio é mostrar que a regulamentação traz benefícios explícitos (o benefício do décimo terceiro é receber um salário a mais por ano), mas cada regulamentação traz efeitos colaterais silenciosos: encarecimento do serviço, encarecimento do trabalho, complexidade jurídica, barreira de entrada para mercado de trabalho e para mercado de consumo. E o pior, a complicação do sistema é exponencial! Para evitar estes problemas devemos mirar em uma regulação tão simples quanto possível. Já adianto que a proposta é adotar o imposto negativo (de Milton Friedman) em substituição aos direitos trabalhistas. Pretendo convencer a cada um de vocês que esta simples proposta é uma solução a mais problemas do que o próprio Friedman imaginou.