O VOO DESESPERANTE À IPIXUNA

O VOO DESESPERANTE À IPIXUNA.

Autor: Moyses Laredo

Série: Aventuras

Ipixuna, dista cerca de 1.367 km de Manaus em linha reta, ou 1942 km percorrendo os rios. É um município amazonense às margens esquerda do rio Ipixuna, que em língua tupi, significa "água escura”, é um dos principais afluentes do rio Juruá, extremo noroeste do Estado do Amazonas, zona setentrional do Brasil, lugar de difícil acesso partindo de Manaus. O maior fluxo de passageiros vem de Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre, por via fluvial. Cruzeiro é quem dá suporte à Ipixuna, nas áreas do comércio, construção, saúde etc. No verão, por causa da seca, leva-se cerca de três dias para percorrer pouco mais de 120 Km em linha reta de Cruzeiro à Ipixuna. De Manaus, por embarcação, viajando em motor de linha, gasta-se cerca de um dia e meio, pois é de “descida” como dizem por lá, aliás na lógica do cabôco, a água só corre para o lugar mais baixo, portanto, é de descida, que significa a favor da correnteza. Considerando todos esses fatores, a Caixa administra obras e credencia empresas de engenharia, para atuar como fiscalizadora, com isso, inclui os custos dos voos de linhas e os afretamentos de pequenas aeronaves para o deslocamento de seus técnicos ou de credenciados, cuja missão é a de fiscalizar os empreendimentos dos recursos que os municípios recebem via Governo Federal, sejam programas habitacionais, infraestrutura, ou apoio familiar, todos necessitam o acompanhamento dos profissionais contratados, daí a importância da fiscalização técnica das obras, que são beneficiados os principais Municípios do Amazonas.

Como a Caixa não dispõem de engenheiros suficiente em seu quadro, para realização das vistorias de dezenas de obras, se vale de empresas credenciadas, que por licitação, devem possuir em seus quadros profissionais, engenheiros e arquitetos, para essa finalidade.

Um grande amigo arquiteto, credenciado, foi sorteado para uma missão de fiscalização de uma obra de 100 unidades sanitárias em Ipixuna, tratava-se de uma pequena obra de saneamento básico familiar, que se refere à construção de banheiros nas unidades residenciais, dotados de um vaso sanitário, chuveiro e pia, ligados a uma fossa séptica e um sumidouro, somente a parte hidrossanitária. O programa, visava unicamente melhorar a higiene das condições sanitárias que vivem o homem do interior. Como descrito acima, o município de Ipixuna é muito distante de Manaus, a ponto de ser necessário o deslocamento para Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre via Boeing, depois, em pequenos aviões para se chegar ao distante município de Ipixuna.

Chegando, em Cruzeiro do Sul, o colega se viu diante do dilema, não havia aviões para afretar, apenas uma “avioneta” como dizem os patrícios nossos vizinhos de perto, Cruzeiro do Sul fica muito próximo do Peru, faz fronteira e portanto, sofre influência da língua, ao se referirem a pequenos e improvisados aviões. A “avioneta” havia estacionado por ali para realizar pequenos reparos, estava, contudo, disponível naquele momento, o meu amigo olhou “praquilo”, coçou seu curto cavanhaque, mas, como dizem por lá, “não tem tu, vai tu”, seguiu à risca o dito popular, se passou pra dentro. Ao entrar, percebeu que não havia quase nenhum instrumento no painel, discretamente foi em cima da ferida, perguntou ao piloteiro da avioneta – “Escuta, tu não usas o GPS para te posicionar?” Candidamente o rapaz respondeu – “Precisa não doutor, a gente pega o rumo daquela castanheira acolá e toca pra frente” e ainda acrescentou, - “É pertinho, não tem errada” em meia hora estaremos lá”. Sem alternativa se acomodou na cadeirinha de plástico, dito assento, por onde se via o chão da pista, atou-se com um cinto já velho e desgastado, fizeram carreira no chão de barro molhado e com muita torcida, “aquilo” conseguiu levantar o nariz, passou raspando por cima da tal castanheira guia, achei que o sacana queria se exibir, pra mostrar que era o tal. O colega, experiente nesses voos, sentiu que provavelmente tinham tirado raspão das folhagens, depois, ao pousarem, foi conferir no trem de pouso, tipo triciclo fixo, de fato, confirmou seus temores, tinha arrancado algumas folhas da dita castanheira, de tão rasante que deram. Vencido os quilômetros mais longos da sua vida, com o aviãozinho dançando nas turbulências, com bruscas quedas de altitudes, provocadas pelo vácuo ou das mudanças de vento, conseguiram chegar em Ipixuna, o pequeno avião sobrevoou a também pequena cidade, que de cima se via por inteiro. Do seu lado, não conseguiu avistar nenhum campo de pouso, quando o piloto começou a baixar a aeronave, sem ver nada ainda, desceram num campo de futebol, improvisado como campo de pouso, ainda cheios de tocos e touceiras de capim colonião. A garotada que ali jogava bola, correram às pressas, quando viram o pequeno avião embiocar em sua direção, levando consigo as traves dos gols e a bola, estavam acostumados com essa correria, era ali que pousavam todos monomotores que se aventuravam por lá. O pouso foi aos pulos, por onde as rodinhas tocavam no solo, davam saltos que mais parecia querer decolar novamente, coitadas delas, até poderiam ter sido tiradas de algum carrinho de mão dada a enorme semelhança entre elas. Por fim, conseguiram parar de frente para um buritizeiro e lá mesmo ficou, era a melhor sombra que tinha no pedaço, nada de taxiamento desnecessário. Ele desceu e foi ao encontro do empreiteiro que o aguardava numa Ranger antiga, toda esburacada de ferrugem se largando aos pedaços, mas, a sorte que era traçada, não ficariam presos nos atoleiros, seguiram viagem, o dia estava corrido para os três, piloto, empreiteiro e o meu amigo, depois de percorrerem valas e valetas, chegaram no local das unidades sanitárias como se chamavam, notou ainda sem descer do carro que nada havia sido executado, se virou surpreso para o empreiteiro e disse: “- marrapá, tu me fez vir de tão longe para ver isso aí?” – “Mais doutor, é que o meu pessoal se atrasou, mas na próxima semana vai estar tudo pronto! Pode acreditar”. – “Meu amigo, não é assim que funciona, eu não posso atestar o que não está feito, vou ter que retornar”. O empreiteiro ainda argumentou, iniciando a contestação com o de sempre, - “Doutor, vamos conversar, estou com todo material encostado”. Ele sorriu e se retirou de perto, voltou para o avião com a promessa de conversar com seu chefe, se ele concordasse, apontaria os materiais. Sabia de antemão, que não seria aceito. De fato, havia muitos materiais encostados, porém, nada em si do projeto fora ainda executado. As instruções eram claras, somente seriam ressarcidas as obras associadas dos materiais e a mão de obra, isso quer dizer, obra feita e não somente o material. No caminho de volta para o avião, olhando para o céu ficou preocupado, estremeceu quando viu aquelas nuvens carregadas que escureciam tudo, parecia que o dia acabara, como se estivesse já à tardinha, em pleno meio dia. Tocaram apressados para o campo de pouso, o piloto, quando o viu chegar, desceu e empurrou o avião por uma das asas, para apontar o nariz em direção à pista, pediu ajuda acenando, o meu amigo entendeu e apressadamente correu para a outra asa e fez o pequeno aeroplano girar. Pularam dentro, o piloto ligou a ignição, o motorzinho respondeu rápido, sem antes roncar como se coçando, as hélices começaram a girar, finalmente saíram do lugar, seguiram às pressas ganhando velocidade percorreram a curta pista improvisada, para iniciar a decolagem. O meu amigo, arriscou perguntar ao piloto, - “E aí amigão, com essas nuvens carregadas encobrindo e escurecendo o caminho não vai atrapalhar a direção do nosso voo?” O piloto ainda nos procedimentos de decolagem, deu uma resposta que fez o meu amigo engolir o que não tinha na boca, dizendo: – “Rapaz, vamos ver depois, só posso te dizer alguma coisa lá de cima!”, fizeram carreira do que restou da pista, conseguiram levantar voo, desta vez não tinha nenhuma árvore no caminho, logo o aviãozinho empinou o nariz e seguiram no rumo imaginado, não viam nada à frente, o visual zero, pois as nuvens de fato tapavam toda a visão, mas, à proporção que alçavam altitude, o tempo se fechava mais ainda, começou a bater grossos pingos d’água no para-brisas, o barulho era de estampidos de pipoca pulando na panela, e piorando mais ainda a visibilidade, as opções que tinham era, seguir em frente no meio dos clarões que já estalavam com grande intensidade no horizonte, como raízes de luz que desciam das nuvens em direção à terra, ou, passar por baixo delas. Acontece que, como as nuvens estavam muito baixas davam a impressão que chegavam a se confundir com as copas das árvores, o aviãozinho sofria com os fortes solavancos, parecia carroça de boi em leito esburacado, ora saltava, ora se torcia, as asas tremiam que a qualquer momento poderiam se soltar. A situação era “piriquitante” como diziam por lá, os deixavam sem opção mesmo, e agora José? Se perguntava o colega, o que fazer?... enquanto isso, o pequeno avião seguia em frente com dificuldade, por fim, tomou coragem e resolveu perguntar ao piloto: - “E aí, afinal, por onde é mesmo que vamos passar?” ... saiu a resposta num rápido sopro – “Por baixo!” – “Caráio!...a gente pode bater numa árvore dessas à frente!” – “Bate não, vou passar por ali, esticou o beiço para uma pequena abertura entre as árvores, formada pelo rasgo do igarapé, que separava a floresta, e por lá se mandaram...o pequeno avião mergulhou direto, resfolegou com a guinada, o meu amigo viu benzinho o alumínio da parte superior da asa (extradorso) tremer como um papelão solto, mas, a pequena aeronave obedeceu os comandos, igual a um obediente cavalo de lida, passaram raspando a superfície do pequeno igarapé e seguiram sobre ele acompanhando suas curvas, até que as nuvens amainaram, depois, subiram e ganharam um céu limpo como dizem, “céu de brigadeiro”, se não fosse um pequeno detalhe, com os desvios tinham perdido o rumo imaginário, fodeu-se! - exclamou o colega, - “E agora? O que vamos fazer?” O piloto disse: - “Calma doutor, fique frio, vamos voar baixo para ver se eu reconheço algum povoado que já tenha passado e assim poder me orientar”, agora o colega achou que ia se lascar mesmo, mas como ficar calmo? - se era a primeira vez que morria? - Pelo ponteirinho do combustível, pode ver que já estava quase raspando o “empty” engoliu em seco mais uma vez, ao mesmo tempo, teve o pensamento altruísta, “se eu morrer esse filho-da-puta desse piloto também morre, assim, não levará mais ninguém para passar esse perrengue”. O pilotinho que aparentava ter domínio da situação, não apresentava nenhuma cara de pavor, o colega também, mas por dentro “cortava prego”. Dito e feito, passaram a voar com um olho no ponteirinho do combustível, e o outro no caminho, a sorte é que pelo menos no painel, tinha o mostrador de combustível. A cada minuto o ponteirinho se aproximava mais do “empty”, em dado momento, ele viu o ponteiro passar um pouco do final da marcação, mas, ao mesmo tempo o piloto avistou lá adiante, uma clareira no horizonte, sinal de povoação, seguiram nessa direção avidamente, para finalmente o piloto reconhecer o lugar, disse ser uma comunidade chamada São Luiz, pertinho de Cruzeiro do Sul, estavam desviados da rota, uns 50 km cerca de 30º do rumo. Feitas as correções, checado o combustível, achou que não precisava reabastecer, até porque nunca tinha pousado nesse lugar, sabia dele apenas por já ter viajado de barco por lá, para comprar farinha de Cruzeiro do Sul, famosa no País inteiro. Confiante, visualizou o campinho, igual a todos campos de pouso dos interiores, tocou pra frente já em completa banguela poupando o que ainda restava de combustível, e pousou, as hélices ao tocar no solo, pararam como se desligadas, na verdade, não havia mesmo mais combustível. Depois de abastecido, seguiu direto para Cruzeiro do Sul, finalmente já dentro do Boeing que o traria para Manaus, meu amigo respirou aliviado, se deu conta dos momentos angustiantes que passou, nem mesmo ele queria acreditar naquilo tudo, pensou: “deve ser um sonho” que vivi, o fato é que ganhou mais uma experiência para sua coleção.

Molar
Enviado por Molar em 24/06/2020
Código do texto: T6986832
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