Poesia Erótica Na Contemporaneidade: Poesia Erótica ou Pornográfica?

No dia 19 de Junho de 2020, fui o orador de uma oficina literária virtual, organizado pelo Movimento Cultural Xikomo, recebi o convite do Poeta Jerry para falar sobre "Poesia Erótica Na Contemporaneidade", confesso que fiquei estupefato pelo convite, talvez não fosse o mais indicado para falar de poesia erótica, em mente me sucedeu Piri Piri Sakana, Enia Lipanga, Negro, Dj Leopardo, Euclides da Flora, Cláudia Santos, entre outros jovens que tive a oportunidade de ler ou ouvir deles textos do gênero. As vezes acho que nos chamam para debater assuntos que somos um tanto quanto incapazes de desenvolver, por duas vezes fui convidado para programas diferentes em televisões diferentes para falar de literatura moçambicana, para mim este tema é muito complexo, se até alguns estudantes ou formados em literatura por vezes parecem abster-se de tal debate, quem sou eu para digladiar com tal tema? Mas o homem como é um ser racional, filósofo de natureza, tendo um tema é capaz de pesquisa-lo e desenvolver o seu fundamento ou dar o seu parecer, não obstante, foi o que fiz para poder abordar o tema "Poesia Erótica Na Contemporaneidade" e ao longo da minha pesquisa vi surgir um outro subtema " Poesia Erótica ou Pornográfica?"

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Começo por responder uma questão: Como avalio a poesia erótica na contemporaneidade? Há interesse da maioria dos escritores em navegar por este mar, alguns até o fazem sem tabus, mas, não é de hoje que este gênero literário tem ficado um pouco tanto quanto nos bastidores, tem feito o seu show para uma minoria quer para os que escrevem tanto para os que leem, confunde-se o erótico com o pornográfico, como diz a Eliane Morais, " a poesia erótica é definida como pornografia organizada" o que me conduz a idéia das regras citadas pela Joana Emídio Marques que cita três regras no seu artigo "A Literatura Erótica Ainda é Possível no Século XXI?" Nomeadamente:

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Regra número 1: “não há erotismo sem transgressão”, como explica George Bataille nesse ensaio fundamental chamado, justamente, O Erotismo (ed. Antígona).

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Regra número 2: o erotismo, porque ligado à transgressão, está ligado à morte e ao sagrado. Eros não era o deus da sexualidade era o deus das ligações e o seu oposto Tanatos, deus da morte e da desligação. Ora sem Eros e Tanatos não há erotismo.

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Regra 3: o erotismo não se resume ao uso dos órgãos sexuais. Erotismo é uma forma de ligação impulsionada por um desejo. O que impulsiona o erotismo é a busca de algo que não se tem, o Outro. Logo, o principal veículo do erotismo é a linguagem, verbal e não verbal. Quem tem uma linguagem pobre vai ter sempre um erotismo pobre. Esta relação fundamental entre a palavra e o erotismo está magistralmente tratada por Pascal Quignard no livro Vida Secreta (ed. Notícias) a precisar urgentemente de ser reeditado por cá. ( Fim de citação)

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Por um lado temos a Eliane Morais que diz que a poesia erótica é definida como pornografia organizada, e por um outro temos a Joana Marques a citar uma terceira regra da literatura erótica onde diz que " o principal veículo do erotismo é a linguagem, verbal e não verbal. Quem tem uma linguagem pobre vai ter um erotismo pobre." Não será a pobreza na linguagem que nos remete a uma poesia pornográfica? Uma poesia erótica desorganizada?

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Por um lado temos a arte, por um outro temos os valores éticos morais da sociedade em geral, a arte transcende de certa forma aquilo que são os valores, a poesia quer seja ela erótica ou pornográfica, viola ou agride de certa forma a sociedade, na primeira regra citada pela Joana Marques diz que " não há erotismo sem transgressão", por outra, ninguém anda por este mar sem se molhar, quer o escritor ou o leitor, talvez por isso desde séculos a sociedade em geral se abstém um pouco, não por completo porque é um aspeto que aborda a nossa natureza, o desejo, a necessidade talvez, básica, inadiável na pirâmide de Maslow, ou talvez mais do que isso, porque o erotismo não se limita na sexualidade, vai muito além do sexo, transcende os desejos sexuais, é fantasia, conforme lemos na terceira regra.

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Só para não deixar vago a segunda regra, a única que não abordei até o momento, está me remete a uma filosofia própria, pois diz que o erotismo está ligado a morte e ao sagrado, a Eros e Tanatos, Eros o deus das ligações e o Tanatos o deus da morte, a ligação que se refere aqui me faz pensar na ligação do desejo do homem e da mulher, ligação dos seus órgãos e não estaríamos a fugir do erotismo apesar deste não só resumir-se na sexualidade, vejo aqui a impossibilidade de dissociarmos o pornográfico do erotismo, porém salientar que o erotismo vai muito além do pornográfico, pode ser pornográfico como não, isto é, pode ser pornográfico e transcender a pornográfia lírica, enquanto que o pornográfico pode não transcender o erotismo, mas voltemos as ligações, a Eros, ao sexo, para entendermos onde entra Tanatos, a morte, a desligação. O acto da fazer sexo implica ligação de órgãos sexuais ou reprodutivos, o que pode gerar vida, o que vive, morre, é aí onde achamos Tanatos no erotismo, não só, os desejos morrem, acabam.

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Um conselho que deixo ficar aos amantes do erotismo ou da poesia erótica, que busquem mais erotismo do que pornografia nos seus escritos, o erótico pode até ser ou é mais transgressor do que o pornográfico, o pornográfico nos remete a sexo, mas se limita só no sexo, o erotismo vai muito além, como beijar um anjo e pegar na bunda do demônio, como comer uma tonelada de bolo e ser capaz de me masturbar depois, talvez isso seja também pornográfico, mas há fantasia aí, há impossibilidade de realização de tais desejos, o erotismo é muito mais do que dizer sexo, e requer um óptimo enquadramento da palavra, a palavra bem enquadrada, torna-se rica, e mal contextualizada, torna-se pobre, suja e ruidosa. Um exemplo claro do uso da palavra no erotismo está no livro de Salomão, Cantares ou Cânticos dos Cânticos que desde já passo a citar e findo desta forma o artigo.

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"Como são bonitos os teus pés ágeis, ó princesa!

As voltas das tuas coxas são como joias,

trabalhadas por mãos de artista.

O teu umbigo, como uma artística taça,

cheia de fino licor;

o teu ventre é um campo de trigo cercado de lírios.

Os teus dois seios parecem-se com duas crias,

com gémeas de gazela.

O teu pescoço é como uma torre de marfim;

os teus olhos são dois límpidos poços,

em Hesbom, junto à porta de Bate-Rabim.

O teu nariz tem a forma airosa duma torre do Líbano, olhando para Damasco." Cantares 7: 1-3

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Adilson Sozinho