Razões para evitar o excesso de conteúdo e fazer uma limpeza mental
O tempo atual não está fácil para ninguém. Estamos diante de situações que demandam muito mais do que estamos acostumados a lidar: o isolamento social, a pandemia, o risco iminente, as alterações na rotina, os relacionamentos, as finanças, os sentimentos, as incertezas, a situação política, enfim. Tudo isso tem sido um desafio para todos e, em geral, repercutem e espelham as condições que envolvem a nossa saúde mental. Em que patamar estamos? E como podemos usar alguns preceitos da Psicologia para diminuir as perdas e danos presentes e futuros dessa vivência toda?
Você tem percebido algumas sensações novas que afetam seu estado mental e seu corpo? Você tem conseguido experienciar isso com consciência e reconhece, de fato, de onde vem essas sensações, alguns sentimentos e emoções? O real em tudo isso é que somos humanos e todos, sem exceção, estamos nessa experiência, digamos universal. Mas, o que faz com que ela seja vivida de forma tão igual e tão diferente ao mesmo tempo?
Um dos principais preceitos da Psicologia é considerar que nenhum ser humano é igual e que, mesmo diante da mesma experiência, as pessoas vão responder a ela de formas diferentes. A tensão emocional excessiva, por exemplo, tem relação com o contexto, mas provém também de dentro da pessoa. Deriva de alguma coisa que brota lá de dentro, da subjetividade. E isso é de cada um. Na maioria dos casos há uma mistura de várias fontes do sofrimento mental: podemos pensar nele como algo interacional, mas esse é um assunto bem mais complexo e não é o objetivo discuti-lo aqui, agora.
O que pode ser útil é pensar sobre o que você tem feito para enfrentar tudo isso. Identificar as sensações psicológicas, agora, tem sido um passo importante para você entender como viveu ou vem reagindo a todos esses fatos. Ou, ainda, como você assumiu responsabilidades, permitiu mudanças, agiu ativamente, construiu recompensas ou, ao contrário de tudo isso, não conseguiu ainda que a ficha caísse e que pudesse superar cada vivência sem o adoecimento psíquico comum nesse momento de desafios.
Vejamos! A principal razão que me levou a escrever esse texto foi o reconhecimento claro de sintomas que me afetaram é que, para mim, são fáceis de reconhecer. Porém, acredito que nem todos conseguem saber de onde vem o aperto no peito, a boca seca, a taquicardia, as mãos suadas, as tonturas, as dores musculares, a respiração ofegante ou aquela angústia que parece não saber a origem.
Os sintomas da ansiedade são os mais comuns nessa fase toda. A angústia corporal e vivencial, de hoje, vem encarnada de uma série de fatores, não digeríveis, que afetam a corporeidade e a mente da pessoa. Há em tudo isso, um certo pesar, que foi perturbado pelo o livre fluir das coisas. A vida não está mais gostosa e a cronicidade da angústia parece longe demais de ter fim.
Se a alegria é a melhor coisa que existe, onde ela está? Já, a tristeza e a desesperança têm uma tendência de alimentar-se a si mesma. Mas, não é simples assim e é sobre isso que pretendo também falar.
A quantidade de informações tem tudo a ver com a forma como você vai lidar com tudo isso. Notícias ruins, jornais, revistas, sites, redes sociais, postagens, mensagens, grupos e tudo que você consome pode não está lhe ajudando muito. Nossa mente não faz a apreensão do mundo na mesma velocidade que as informações surgem. O excesso de dados, informações, opiniões, ideias, imagens e exposições enchem o cérebro como uma gaveta abarrotada de roupas. Assim, aquilo que não serve mais vai ficar ali, apenas como um fardo, que você nem percebe que está carregando.
Em síntese, a saúde mental tem a ver como um certo “saneamento” da mente. Não é necessário consumir sempre tudo que está disponível para você. Conteúdos das mazelas sociais devem ser dosados e, acredite, não é todo mundo que tem requisitos psíquicos suficientes para aguentar o tranco. De verdade, é preciso moderação para prevenir certos incômodos psicológicos que não vão ajudá-las/os a socorrer o mundo. Não estou tentando convencer ninguém ao conformismo, mas uma pessoa em crise pode não entender sua parcela de serventia para o mundo.
Gosto de pensar na importância da minha profissão nesse momento que o planeta atravessa. O que a Psicologia tem como benéfico para a humanidade? Como posso ajudar as pessoas próximas ou distantes com a doação de algo bom que há em mim ou na minha profissão? Como você pode amparar algo ou alguém no mundo? De que forma pode auxiliar, colaborar ou participar de algo frutífero nessa pandemia? O que você pode fazer para que uma modesta ação se transforme em algo vantajoso para você e para a sociedade?
As reflexões são um tanto óbvias. A priori, parece que uma quantidade razoável de pessoas acredita em mudanças espontâneas, pelo simples fato da pandemia existir. Mas, não é bem assim. Isso é reflexo de se sentirem sozinhas, mais vulneráveis ou confiantes num horizonte incerto para o amanhã. As questões e os sentimentos atuais importam, eles marcam e reatualizam nossa história/memória infantil. Em síntese, o que sentimos é reflexo da segurança, afetividade, dúvida, risco e medos do passado. Somos seres construídos historicamente e é isso que nos forma. Somos um pouco criança com medo do monstro agora.
A limpeza mental talvez tenha relação com isso. Assim como o corpo não precisa de excesso de alimento, a mente também não suportará a overdose diária de informação, sejam elas verdades, ficção ou somente exposição. Eleger o que pode contribuir para o bem-estar mental é uma arte. O contrário disso, o mundo nas costas, pode gerar ansiedade e a reação a isso traz inquietação, aflição, angústia, impaciência e medo persistente.
Nosso sistema nervoso central não entende quando nossa mente se torna vigilante por 24 horas. Esse estado de sobreaviso e alerta constantes provocam sintomas, inclusive que podem ser confundidos com o mal da pandemia que estamos vivendo, como falta de ar, por exemplo. O cuidado mental é uma arte porque vai ser o essencial de todos nós agora. Será também, por meio da saúde mental, que vamos superar essa fase com resiliência.
Mas, para isso acontecer é preciso equilibrar o repertório de ofertas para a mente, consumir o que importa, ignorar o que e quem não importa. Não é hora de se cobrar demais, nem de sobrecarregar a mente com que não se pode controlar. O Eu do sujeito tem limites claros e, há muito, compreendido pela Psicologia. Esse Eu possui limites válidos que se sujeitam à travessia da existência e da essência humana. Somos frágeis, podemos sofrer e aceitar com inteligência e serenidade esse sofrimento.
A grandeza do homem consiste no fato de querer o melhor para si e, para os empáticos, o melhor para o Outro também. Para bem viver é preciso que nosso Eu adquira a crescente capacidade de tornar-se algo melhor com as adversidades, mas para isso é fundamental silenciar, parar, ter um tempo, e dá espaço para contemplação, evitar o excesso de informação. Por fim, encerro essas simples palavras com uma pergunta de Guimarães Rosa: Por que é que todos não se reúnem para sofrer e vencer juntos, de uma vez?
Fábio Alvino
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