O nosso progresso é a miséria
Durante o período Moderno, constituído em meados do século XVI e XIX, a Europa se via como o centro do mundo, acreditando ser o berço do processo civilizador que tinha usado da razão para desvincular-se do controle da Igreja e do domínio Feudal; levado à cabo a ciência, a cultura; a construção de um Estado e de uma organização política e econômica, como a industrialização.
Esta Europa olhava para outros povos do mundo e se sentia mais “evoluída”, imaginando muitas vezes um passado glorioso, jogando suas raízes no passado Grego e Romano, considerando-se como um povo descendente, brancos e superiores, que inventara a cultura, a democracia, a polis, a filosofia. O período dito clássico não tem nada de Europa, e a Europa não têm nada de pureza, o que chamavam de raça única. Por vários motivos. Entre eles, podemos pensar a desconstrução dessa ideia pelo simples fato de que durante o período Antigo não existia um único povo.
A realidade Antiga foi uma multiplicidade de povos convivendo, se relacionando culturalmente, economicamente e politicamente, de todos os lugares, bem como África, Oriente, Ásia. O império Romano não era constituído só por romanos e muito menos só por brancos, como querem os racistas que reivindicam um mundo branco Greco-romano. Para além disso, ser romano não era um conceito de povo, mas sim de território. Logo, haviam romanos de todos os tipos.
O mundo Antigo foi muitas coisas, mas o racismo foi o mundo Moderno quem inventou. Imaginar a história Antiga como sendo um momento puramente grego e romano eugênico é nada mais que uma falsificação histórica, que foi usado para compor vários interesses, entre eles, cabe destacar a construção do Estado moderno, porque para tal ato, precisava-se de quatros elementos básicos para um determinado lugar se considerar Estado autônomo: território, um povo historicamente constituído no suposto território, língua e um rei.
E isso foi feito buscando a historicidade na história Antiga. Mas é aí que reside o problema. A Europa é resultado da multiplicidade, de povos, línguas, culturas e não só dos gregos e nem de romanos e muito menos só de brancos como afirmam. No entanto, a história Moderna se apropriou dos processos históricos, e construiu uma razão que intoxicou o mundo, como diz Patrick Geary. Durante o século XVIII e XIX os europeus usarão como argumento de sua dominação o mito da eugenia, que terá uma base “cientifica” e “histórica” para sua legitimidade.
Ainda nessa perspectiva, o imperialismo e a continuação da dominação do novo Mundo foi sendo visto como forma de superioridade e moldada à medida que a Europa saqueava as terras que invadiram, subjugava os nativos à sua cultura que se pensavam superior, e comercializavam os Africanos, se utilizando das riquezas para desenvolver-se industrialmente, tornando-se um grande complexo de poderio bélico e também econômico à revelia da destruição das “periferias”. Não é preciso dizer que cada lugar nas Américas, África, cada aldeia e povos tinham as suas próprias organizações sociais e políticas, formas de viver. Mas os Europeus foram lá, levarem a “civilização”.
A Europa se dizia levar de bom grado a civilização para o resto do mundo, tanto o recém “descoberto” quanto para os continentes milenares, como a África e o Oriente que muito tem a nos ensinar com sua cultura e filosofias. A Europa mostrou o que a sua civilização é destruição, esta encabeçada por guerras, pela desigualdade e degradação que estava sendo gerada pelo capitalismo industrial. Todas as atrocidades que até hoje reverberam nossas concepções de mundo, naquele momento, foi legitimado por intelectuais, cientistas, filósofos, políticos.
Para pensarmos nisso, o darwinismo social que se configurou no racismo cientifico, onde considerava os brancos como seres superiores por supostamente terem os crânios maiores, considerando os negros e povos indígenas inferiores, porque supostamente teriam crânios menores, e, portanto, segundo os racistas, seriam menos desenvolvidos e descabidos de inteligência. É claro que não há nenhuma base cientifica para tal afirmação. Há crânios de todos os tipos e isso não comprova inferioridade.
O médico Robert Knox conta o fardo do homem branco que levaria a civilização aos selvagens, se utilizam desse argumento para legitimar o imperialismo e neocolonialismo do século XX, ele diz: “As raças negras podem ser civilizadas? Eu devo dizer que não... uma coisa é certa, os fortes sempre irão se apoderar das terras e das propriedades dos fracos” (the races of a men, 1850). Os fracos eram os negros da África onde os europeus e os Estadunidenses estavam saqueando e matando.
Dessa forma, o pensamento do autor é colocar a cultura europeia como marco da civilização, que por sua vez, os negros não a teriam, e que por isso poderiam serem escravizados, e colonizados. Os povos africanos ao longo do tempo, desenvolveram a medicina, a matemática junto aos Árabes, a engenharia, têm várias organizações sociais diferentes, com práticas culturais seculares, filosofias e seguem uma lógica de mundo que não pode ser explicada e nem entendida pela mesma visão de mundo europeu, porque são historicidades diferentes.
O mito do processo civilizador da Europa consiste numa falsificação histórica, que tende a enxergar a mesma como o centro do mundo, desconsiderando as práticas culturais e formas de sociedades que cada povo têm, de acordo com a sua historicidade, e sua própria lógica de mundo. Lógica essa que não é necessariamente a burguesa e imperialista (hoje neoliberal, dos bancários e conversadores) que os europeus seguiam, determinando uma suposta evolução e progresso que causou um dos crimes mais hediondos da humanidade, a escravidão; gerou as duas grandes guerras em prol da dominação, o holocausto e a eugenia de Hitler; a guerra fria, e até hoje determina a lógica de mundo calcada numa evolução social, que divide e hierarquiza sociedades, que exclui o diferente, oprime negros, mulheres, que produz a fome nas periferias em todo o mundo, gerando violência e corrupção.
A concepção de mundo produzida pelo capitalismo não consegue ser outra que não a que legitima a desigualdade, que fabrica as guerras pelo seu próprio funcionamento, feito da crise e da desigualdade, ele não consegue promover uma forma de existência, a não ser aquela que prospere a submissão dos trabalhadores, que centraliza o capital, extorquindo o lucro pela fome do outro. Não é o capitalismo que se reinventa ao longo dos processos históricos, somos nós que o reinventamos, porque fomos engolidos pelo discurso da classe dominante que, a cada dia, propaga nas mídias, na política de Estado os seus interesses como prêmio, como progresso, o ideal. Somos feitos disso e assim.
Que mundo é este que vivemos no capitalismo. O progresso é isso? Olhemos as ruas e as periferias, os centros, as crises, as florestas devastadas, a humanidade devastada que para se manter viva, ela cria valores de acordo com sua realidade, valores que muitas vezes não são compatíveis com a altruísmo, com a cidadania, o bem estar social. Pelo contrário, o que essa lógica de mundo faz é gerar um sentimento de competitividade, desgaste no cotidiano empresarial, na inacessibilidade ao bens públicos e de lazer que a frande maioria da sociedade não tem acesso, basta dizer que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. O capitalismo não é natural e nem os papéis valorados.