Considerações Sobre o Amor
Um Ensaio em Sete Partes
I. Introdução: Do Objeto em Análise.
As considerações aqui presentes surgiram de conversas corriqueiras onde não me vi tendo a oportunidade de estender-me na defesa dos argumentos que sustentam a minha afirmação, pois estes, percebo, não são apoucados e portanto não convém demorar-me neles nas ditas conversas corriqueiras. Por vezes já me vi discutindo sobre a temática do amor e me deparando com o que as pessoas consideram ser este sentimento, depois de não-tão breve análise cheguei a uma conclusão sobre o tema que em muito se diferencia do que comumente se entende pelo sentimento de “amor”. O objeto de estudo deste ensaio, portanto, serão as considerações do senso comum sobre o que é o amor, esse objeto, por sua vez, será posto à prova sob argumentação para que assim sejam percebidas as falhas argumentativas do que percebo na fala daqueles que sustentam seus conceitos sobre o tema abordado, em detrimento dessas equívocos que serão demonstrados eu apresentarei a minha própria conclusão sobre o tema, isso é, o argumento sustentado sobre o objeto estudado. Em suma, investigar-se-á o entendimento comum sobre o amor e tendo em vista a insustentabilidade de certos pontos será proposto um ponto de vista alternativo, este, o qual defendo.
O objetivo do ensaio é, por sua vez, além de demonstrar o meu ponto de vista sobre o conceito do amor, lançar novos olhares sobre o tema e suas implicações, numa tentativa de mostrar um ponto de vista diverso e assim, enriquecer o entendimento do leitor sobre o mesmo ao conhecer um ponto de vista discordante do seu.
II. Introdução: Do Argumento Sustentado.
O argumento sustentado neste ensaio, que por sua vez corresponde à conclusão das minhas considerações sobre o tema é o seguinte: O amor não existe.
E esta é, sem dúvidas, uma de minhas máximas mais impopulares. Parece ser inevitável a feição de surpresa ou espanto de meu interlocutor quando ele escuta essas palavras saírem de minha boca. “Ora, como não pode existir o amor? Claro que ele existe! Isso é tão óbvio!”, creio que, de forma clara ou não, é assim que pensam as pessoas ao se depararem com minha afirmação, recorrem à sua convicção e à obviedade sem lançar qualquer forma de olhar crítico sobre aquilo o qual consideram como óbvio.
Perceba, existe uma série de coisas das quais nós acreditamos e perpetuamos sem nunca sequer lançar qualquer tipo de olhar crítico sobre as mesmas. Uma grande gama das coisas que hoje acreditamos não dizem respeito a nós, e sim à consciência coletiva. Os outros nos dizem “é assim” e nós, em nosso instinto de manada apenas repetimos “isso mesmo, é assim” sem nenhuma forma de questionamento sobre o “fato” relatado. Acontece que, muitas vezes nós não “chegamos” a certas ideias, elas nos são dadas de bandeja e nós somente as repetimos, nós não “temos” ideias, nós somente repetimos as ideias que a maioria das pessoas costuma repetir, sem nunca pensar ponderadamente sobre essas ideias.
Como antes dito, uma grande porcentagem de nossas convicções são reféns desse vício de acreditar sem questionar, e acredito eu que o que se entende por “amor” seja assim. A maioria das pessoas não tem esse conceito claro em suas mentes, parece mais ser algo nublado e misterioso de forma que muitas vezes recorrem ao místico, ao metafísico ou ao absurdo para explicarem o amor. Quando perguntamos “o que é o amor?” quase ninguém consegue responder isso com clareza, as pessoas confundem formas e conceitos, caem em vícios e metalinguagens e tautologicamente não saem do lugar. E por que é tão difícil pensar objetivamente acerca do amor? Não creio que seja porque o amor é um sentimento subjetivo, afinal, através das ciências psicológicas podemos pensar objetivamente os sentimentos subjetivos, o fato é que é difícil dizer o que é o amor porque o que acreditamos ser esse sentimento muitas vezes não é intuído, ele é herdado e posteriormente reproduzido.
Estranham-me por dizer que o amor não existe, eu estranho os demais por dizerem que o amor existe sem nunca sequer terem pensado objetivamente o que de fato é o amor. O mundo das convicções, percebo, é um mundo de estranhos.
III. Sócio-históricas e Metanarrativas do Amor.
Se sondarmos em nosso entendimento de onde vêm nossas referências para o que é o amor vamos perceber algo que é, no mínimo, peculiar.
Nosso ideal de amor é inspirado por certas figuras — na maioria das vezes fictícias — vejamos, eu te convido a refletir quais são os 5 maiores exemplos de casais que você conhece. Muito logo intuir-se-á algo próximo de Romeu e Julieta ou quem sabe, Dante e Beatriz, Werther e Carlota… outros podem pegar referências nos contos de fadas, com príncipes e princesas ou reis e rainhas que se casam e são “felizes para sempre”, ou então podemos, quem sabe, lembrar de alguma música romântica ou talvez um poema ou ainda, personagens de um livro.
Independente do que se tenha pensado, o nosso ideal de amor dificilmente está pautado no mundo real e sim na ficção, e por que isso acontece?
Em primeira instância podemos notar que isso acontece em detrimento de um déficit na nossa educação sentimental: quem nos ensinou o que é amor? — Ninguém na verdade. A escola pouco se estende ou se estenderia nesse assunto e muito dificilmente nossos pais se arriscam a sentar conosco enquanto crianças e nos dizer o que, de fato, é o amor — muito provável é que nem eles saibam — e assim sendo, para onde corremos quando queremos desvendar esse mistério? A resposta é clara: Para a cultura. Não nos ensinaram o que é o amor, nós não sabemos o que ele é portanto, e, sendo assim, recorremos ao que nos dispõe a cultura para ter um ideal relevante de amor; livros, histórias, músicas, filmes… o ideal último de amor normalmente se encontra aí, quando tentamos exprimir nosso amor dificilmente pensamos “quero amá-la como meu pai ama a minha mãe” é assim? Creio que não, é mais comum pensarmos “quero amá-la como Machado de Assis amou à Carolina” ou “Como Werther amou à Carlota”.
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Dizem que os “tempos modernos” são tempos onde o amor é algo raro, onde só há amor pelos corpos e pela mídia e que as pessoas deixaram de se amar verdadeiramente, a nossa época é a época dos aplicativos de encontro onde se mercantiliza uma relação, onde vendem-se, compram-se e descartam-se pessoas, nos “tempos modernos” nenhuma relação é duradoura, tudo acaba rapidamente, de modo que o indivíduo durante a sua vida não tem um, mas vários relacionamentos. Filósofos e sociólogos dão diferentes nomes a esse fenômeno, onde “tempos modernos” recebe o nome de “pós-modernidade”, e o “escoamento do amor” — na filosofia de Bauman, por exemplo — recebe o nome de “Amor Líquido”, isso é, um amor que não é sólido, que é liquefeito, que não dura, que escorre, que acaba. Lyotard, por sua vez, aponta que o escoamento do amor na pós-modernidade se dá em efeito da falência dos metadiscursos, onde certas narrativas sobre o sentimento do amor passam a ser insustentáveis.
Particularmente não acho que foi com a pós-modernidade que o amor morreu, não foi depois da queda do muro de berlim ou com o advento da globalização que magicamente as pessoas passaram a perceber que ninguém ama ninguém. Dizer que “o amor morreu” ou que “o amor não mais existe” ou que “hoje em dia o amor é algo raro” é como dizer que houve uma época onde todo mundo magicamente se amava, onde o sentimento do amor durava para sempre e as pessoas viviam em eterno êxtase e em eterna felicidade. E percebamos, não é assim, a verdade é que o amor não “morreu” ele nunca nem sequer existiu, e isso só ficou evidente com a pós-modernidade. Não é como se antigamente as pessoas se amassem de forma “verdadeira” e que o nosso ideal de amor foi esquecido no passado. O passado por sua vez nos revela, na verdade, o contrário. Os tempos dos reis e rainhas, príncipes e princesas eram os tempos de casamento arranjado, onde se casava não por amor, mas sim por poder ou por dinheiro, o amor na realidade sempre foi algo grosseiro e apoucado. Os poetas estendiam-se em seus versos tentando traduzir o que, de fato, é o amor, no classicismo e no romantismo nós podemos perceber: o que predomina não é a realidade, o palpável, o latente, o que predomina é o idealizado, o fictício, o irracional e por quê? Porque os poetas dificilmente encontrariam um verdadeiro exemplo do que é o amor na realidade, então eles o construíram. A verdade é que o amor em si mesmo não existe, ele foi construído, o amor é um construto social e nada mais.
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Percebendo que nosso entendimento de amor herda-se do que a cultura nos ensina, e que ele é uma construção social, o que podemos entender sobre isso? — Com efeito, podemos analisar a cultura e a história do amor. Quem sabe o que podemos tirar disso?
Não é preciso nenhum tipo de análise profunda para concluir que, no ocidente pelo menos, o amor se traduz e se manifesta como sofrimento. “Ora, como sofrimento!?” — Isso mesmo. Embora de maneira latente, a consciência coletiva entende amor como sofrimento e o ideal desse “amor sofrido” pode ser encontrado nas mais diversas formas, desde Jesus Cristo e sua paixão, que o fez sacrificar-se para salvar a humanidade, ou Maria mãe de Jesus, que tanto o amou mas sofreu ao vê-lo na cruz, podemos ver esse ideal do amor sofrido em todas as nossas referências culturais, nos filmes onde os casais têm que passar por uma adversidade para poderem se amar plenamente, como famílias rivais, uma guerra, ou passar longos períodos longe um do outro, nos queridos desenhos animados onde a princesa é atormentada por uma bruxa ou um vilão qualquer, e esse sofrimento leva ela a conhecer ou a precisar de seu príncipe… em Titanic, um clássico, podemos perceber que o amor é amor sofrido, em Romeu e Julieta, novamente, o amor é um amor sofrido. O amor se traduz como sofrimento de uma tal maneira que Dante desce ao inferno para resgatar Beatriz, de uma tal maneira que Machado de Assis se suicida por “não conseguir viver sem a sua esposa”.
Embora eu me atenha somente a alguns poucos exemplos(os meus favoritos, confesso) o leitor pode perceber por conta própria que o amor no ocidente está intimamente ligado ao sofrimento, diz-se que para amar verdadeiramente alguém devemos passar pelas mais tortuosas adversidades, que para conquistar alguém devemos “sacrificar a nós mesmos”, de tal modo que muitos assim entendem o amor: “amar é sacrificar a si mesmo em detrimento de outra pessoa”, seja na conquista ou no relacionamento em si, todos entendem latentemente que o amor somente se solidifica se os parceiros passarem por sofrimentos. Muitas vezes quanto mais se é rejeitado mais se ama a pessoa que nos rejeita e não por outro motivo, a nossa cultura alimenta a ideia de um amor masoquista, um amor que precisa sofrer, que precisa passar por adversidades para se tornar um amor de fato.
A metanarrativa do amor no ocidente, como demonstrado, é a de amor como sofrimento, e assim levantamos a pergunta: Por que o amor é assim traduzido? A verdade é que a narrativa do amor desde sua origem nasce como uma narrativa falha, como uma narrativa falida: O amor não é eterno, ele acaba. Pelas mais diversas razões o amor tem fim, um milhão de adversidades podem acabar com o amor e para que o amor possa existir deve-se alimentar a ideia de “eternidade” e de que modo alimentar a ideia de eternidade num amor que tem fim? — A resposta é clara: alimentando a ideia de sofrimento juntamente com a ideia de amor. Se o sofrimento fizer parte do amor então o amor não acaba, visto que as “um milhão de adversidades” que a pouco eu disse não passam a ser algo diferente do amor, e sim algo que o integra.
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Que se pode concluir disso finalmente? — O leitor atento perceberá que aqui não se discute o amor em Platão, em Luc Ferry ou a amizade em Cícero, o que aqui pondera-se é o que comumente se entende por amor, isso é, a visão desarrazoada do sentimento. O amor aqui discutido é aquilo o que na mitologia grega seria chamada de Afrodite Pandemos, a deusa do amor, filha de Zeus e Dione, que representa o amor vulgar e que, por sua vez, é a contraparte de seu outro epíteto, a Afrodite Urânia, aquela que vemos em O Nascimento de Vênus e representa o amor celestial, o amor razoável, o amor para os sábios.
A vulgaridade com a qual nós tratamos o amor desencanta-o, falamos a todo momento de Afrodite Urânia ou de Eros Urânio quando na verdade o que sentimos de fato é Afrodite Pandemos e Eros Pandemos, e o que isso quer dizer finalmente? Quer dizer que não sabemos o que é o amor, não sabemos o que é amar e tampouco o que é ser amado e é por isso que tanto falhamos nessas atividades, nós confundimos amor e paixão, amor e apego, amor e possessão, amor e ego, amor e sofrimento… nós confundimos o amor com tudo aquilo o que ele não é, e por que? Entre tantos motivos o amor que sentimos é um amor vulgar e apoucado porque nunca nos ensinaram a amar e nós tampouco procuramos aprender, nunca meditamos sobre nossos sentimentos, sobre nossas emoções, nunca praticamos a vigília dos sábios, a nossa educação sentimental é tão biltre que se eu te perguntar, agora mesmo, o que é que você está sentindo você não vai conseguir me dizer com certeza.
Todos dizem saber o que é amor, todos dizem saber amar, todos dizem saber serem amados mas a verdade é que ninguém assim o sabe. Nunca se pensa o que de fato são essas coisas, nunca se lança o olhar dos sábios sobre o amor que se sente, somos todos prepotentes; ao dizermos “eu sei o que é amor e tenho certeza que ele existe” bloqueamos qualquer possibilidade de conhecer mais profundamente tal sentimento, se nos convencemos de que sabemos o que é amor então porque iríamos querer saber ainda mais? — O amor vulgar, esse que sentimos, não é amor de fato, é um punhado de tantas outras coisas que se confundem com amor e é isso o que neste ensaio exploro.
IV. Pulsão de Vida como Pulsão Narcísica.
É possível perceber certa coesão e certa identidade no tocante às espécies animais e seus agregados. Há uma tendência natural dos animais a se juntarem e se unirem em bando para, deste modo, garantirem a sobrevivência. Ao juntar-se em bando, ao agregarem-se, eles se vêem como um organismo, por assim dizer, maior e mais coeso, onde o mais forte pode defender os mais fracos e os mais fracos unirem-se na defesa do mais forte, o que garante simultaneamente a sobrevivência individual e grupal.
Com efeito o que une os animais é, portanto, o instinto de sobrevivência, a pulsão da autoconservação, coisa que percebemos em todo o tipo de ser-vivo. O indivíduo tende a querer conservar a própria vida, essa é uma das pulsões primordiais dos seres-vivos. Ao perceber que em grupo ele se está mais seguro ele tende a unir-se, e não se une em grupo em detrimento do grupo em si, ele se une em grupo em detrimento de si mesmo, isso é, o animal, ao agregar-se, visa primeiramente a autoconservação e não necessariamente a conservação do grupo, isso acontece somente em segunda instância ao animal perceber que, por ventura, proteger e perpetuar o grupo é proteger e perpetuar a si mesmo.
Essa tendência dos organismos de se unirem em grupos maiores e perpetuarem-se é o que, em Freud, leva o nome de Lebenstrieb, também chamada de Pulsão de Vida ou “Eros”. A pulsão de vida explica certos comportamentos ubíquos a todas as espécies animais como a reprodução, a agregação e o sexo como sendo pulsões narcísicas isso é, o sujeito volta suas intenções a si mesmo ao praticar determinadas ações que parecem ter respeito ao grupo. A verdade é que toda ação do aparelho psíquico volta-se a ele mesmo, toda a ação do individual volta-se para o indivíduo em si, e não para qualquer outra coisa. Assim sendo, o que podemos entender sobre isso?
Os animais(como os humanos) estabelecem um laço de identidade para com a sua espécie, isso é, sentem-se integrados com a sua espécie de maneira a se estabelecerem em grupos ou em facções, como vemos em determinadas espécies. Esses grupos podem receber diferentes nomes e terem tamanhos diversos, mas no geral o ato de agrupar-se tem uma única função: o da sobrevivência e o da perpetuação. Dentre os nomes que damos a esse grupo podemos citar “a manada”, “a matilha”, “o cardume” também como podemos citar “a família”. Sob o ponto de vista que estamos abordando a família é um agrupado animal coeso que tem por função primordial a sobrevivência e perpetuação da espécie. Aqui levantamos uma questão: Por que os animais individualmente procurariam agregar-se com outros indivíduos que, mesmo semelhantes acabam por serem diferentes? — O que acontece é que em detrimento do laço de identidade que estabelecem com sua espécie acabam por identificar-se com a mesma, vêem a si mesmos em sua espécie e em seu grupo de modo que defender a espécie implica em última análise defender a si mesmo, e a perpetuação de sua espécie implica, em última análise, a perpetuação de sua identidade e, portanto, a perpetuação individual.
Entendendo a pulsão de vida podemos entender não só porque os indivíduos tendem a unir-se mas também porque eles tendem a se distanciar, isso é, a repelir-se.
Notamos algo fundamental no ato do agrupamento, que é o foi chamado de laço de identidade, isso é quando o ego está se espelhando em uma outra coisa que não em si mesmo. Com efeito os indivíduos unem-se com seus semelhantes pois a pulsão de vida, o ato de agrupar-se é, como dito, uma pulsão narcísica, e mais tem a ver com o ego do que com qualquer coisa, e para que o ego agrupe-se com outros é necessário encontrar um eco de si mesmo nos outros, ou seja, é necessário um estabelecimento inconsciente de o que e quem é semelhante para o ato de agrupar-se com tais semelhantes. Analisando a nós mesmos nós podemos entender isso: temos uma tendência muito mais forte a nos aproximarmos de quem é parecido conosco, quem escuta as mesmas músicas ou gosta das mesmas séries, quem ri das mesmas piadas e tem o mesmo entendimento e alinhamento moral ao passo em que temos uma tendência mais forte a quem é diferente de nós, quem fala uma língua diferente ou escuta músicas muito diferentes, quem frequenta espaços diferentes e possui comportamentos os quais não sou conivente. Os corpos tendem a unir-se pois quando são semelhantes e a repelir-se quando são diferentes.
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O amor é uma Pulsão de vida, percebemos, e na sociedade as pessoas se unem porque “se amam” como assim dizem. Na sociedade entendemos que é o amor é que leva os indivíduos a se unirem e agregarem-se em grupos maiores. Podem formar um casal ou uma parceria de duas ou mais pessoas, um grupo de amigos de várias pessoas ou até mesmo uma família, em todo o caso nós percebemos: é através do “amor” que os indivíduos encontram o caminho para não mais estarem a sós.
A questão é a seguinte: comumente entende-se o amor como um “fugir de si” no sentido de que amar alguém é dar mais importância a essa pessoa do que a si mesmo, podendo também ser interpretado como um processo de desligamento do ego em detrimento de um outro indivíduo, tendo em vista a argumentação supracitada pergunta-se: o amor é, em âmago, isso mesmo?
Imagino que as pessoas assim considerem pois, quando amam algo ou alguém, esquecem de si por um momento e não pensam em outra coisa que se não o objeto desse amor, dizem que esse processo onde o objeto amado domina o pensamento consciente implica um esquecer de si, e nisso estaria o famigerado amor. Querer o sumo bem do objeto amado sem preocupar-se com o próprio bem, como dito, sacrificar-se pelo amado, isso é amor segundo algumas pessoas. Quando amamos esquecemos de nós mesmos?
O fato é: psicologicamente falando não existe uma “pulsão do eu no objeto” isso é, não existe uma pulsão do indivíduo que não tenha a ver com o ego, com o self, todas as pulsões do indivíduos voltam-se ao indivíduo mesmo de modo que não há nada no aparelho psíquico que esteja em função de outra coisa se não do ego. As pulsões enquadram-se, em linhas gerais em pulsões de vida e de morte, a primeira tende à agregação dos corpos em organismos maiores e a segundo tende à destruição dos corpos ao inorgânico. O amor é um comportamento pulsional, tendendo ele à união dos corpos ele pode ser descrito como uma pulsão de vida e o que isso quer dizer? Em suma, o amor é, como toda pulsão, uma pulsão narcísica e nada tem a ver com outra pessoa, o amor tem a ver sempre com o self, com o eu, com o ego. Em todo unir-se dos corpos há uma pulsão do Eu, um ensejo de conservar o self, a agregação dos indivíduos têm um âmago egoísta pois, como visto antes, os indivíduos agregam-se pensando primeiramente na proteção de si mesmos e só pensam nos demais indivíduos se estabelecerem um laço de identidade com os mesmos e qual a diferença disso com o amor? Nenhuma. O amor é um pulsão egoísta, uma pulsão do Eu, e não de outro modo, todo amor é na verdade, amor de si mesmo.
O amor, mesmo que não percebamos, e mesmo que não ele assim não seja sentido é um disfarce moral para o egoísmo, para o instinto grupal e de reprodução. Nós temos essa tendência de encantar esse sentimento, de pôr nele mil faces mágicas, místicas e portanto, fantasiosas. Na superfície da nossa consciência juramos que nós amamos e que somos amados mas a nossa psiquê não entende o amor assim, como dito, para a nossa psique não existe um “amar o outro” ou “proteger ao outro” e sim um amar a si mesmo através do outro, ou proteger o semelhante pois isso implica proteger a si mesmo. O amor não é eterno, nem tudo rege, ele não dá “sentido” a vida, ele é puro egoísmo, pura projeção de si mesmo nos outros, não é um sentimento genuíno, cristalizado, é um sentimento que se retroalimenta, ele parte do self e para o self retorna. Todo amor é amor próprio e todo ódio é ódio de si.
V. Breve Análise do Amor Vulgar e suas Aplicações.
Em função de sua raiz pulsional todo relacionamento envolve um câmbio de sentimentos de tal modo que, essencialmente, pode ser entendido como um cálculo de emoções. Todo relacionamento, independente de quantos indivíduos dele participem, vai envolver uma troca de afetos ou intenções de modo que se espera, conscientemente ou não, um retorno para todo o investimento de afetos. Quando, em um relacionamento, o câmbio afetivo é desproporcional ou inexistente a relação tende a ruir. Isso acontece também com a paixão, como pretendo demonstrar a seguir.
Utilizarei de alguns exemplos principais para refletir sobre o amor enquanto “câmbio de emoções” como eu havia dito, uma primeira situação hipotética será o amor romântico onde pensarei o amor desde a paixão ao casamento, logo em seguida será pensado o amor-amizade, do início ao fim de um relacionamento amistoso e por fim será aqui pensado o amor de mãe.
O amor romântico tem início quando uma pessoa se apaixona por outra, correto? Assim sendo é necessária a meditação: De que se trata a paixão? — A paixão é um sentimento desarrazoado, onde um indivíduo sente-se atraído por um outro e, deste modo, o deseja. Paixão é um desejo e envolve um sentimento de possessão “eu quero possuir essa pessoa” ou “eu quero realizar esse desejo”. Quando um indivíduo se apaixona por um outro e este outro por sua vez não o corresponde ocorre um processo de idealização, o ato de idealizar a possibilidade da relação alimenta a paixão do sujeito apaixonado para com o objeto apaixonante, paixão não é amor, sabemos, a paixão nutre-se principalmente dos desejos individuais do sujeito apaixonado e, desse modo, se retroalimenta. A paixão acaba de várias formas, a maioria delas envolve um contato mais íntimo do sujeito apaixonado com o objeto apaixonante, esse contato tende a desestimular a idealização que nutre a paixão. Quando o indivíduo percebe que uma relação com o objeto apaixonante não é possível o indivíduo tende a afastar-se dele, quando o indivíduo tem um contato com o objeto apaixonante e percebe que o objeto na verdade não era como ele idealizava ou projetava, ele tende a afastar-se do objeto e desapaixonar-se. Quando o objeto apaixonante fere o indivíduo a ponto de este sentir-se ameaçado, o indivíduo tende a afastar-se do objeto apaixonante.
Pode ocorrer também de duas pessoas compartilharem um sentimento de paixão mútua, essa paixão é também um cálculo de emoções que por sua vez envolve um investimento de sentimento que espera retorno. Essa paixão pode também ser entendido como um sentimento egoísta, uma troca de favores, isso pois o que alimenta a paixão é o bem-estar que os enamorados sentem na companhia um do outro, as pessoas se unem pois sua união faz bem a ambas, e se não houver esse bem-estar na união? — Uma união de corpos que não gera nenhum tipo de bem-estar tende a ruir e os corpos tendem a afastarem-se. Assim como toda forma de relação, a paixão dos enamorados é uma pulsão narcísica onde o self investe suas emoções e se retroalimenta. Nesse tipo de paixão o sujeito não ama o outro sujeito, o objeto do prazer não é a outra pessoa, e sim o sentimento de bem-estar que ela proporciona. Não amamos ninguém, amamos a forma como essa pessoa faz com nos sintamos bem, e se esse sentimento some, com ele some também a paixão.
No tocante ao casamento, considero esse ser um assunto extenso. A cultura do casamento e da monogamia poderia ser investigada num ensaio à parte levando em conta considerações diversas. Não sendo o casamento o principal objeto de estudo deste ensaio não me aprofundarei nele. Comumente imagina-se o casamento como a culminância do amor e da paixão, o casamento é uma construção social, assim também como o é o amor, o casamento remete por excelência à suma união e felicidade dos corpos, as antigas comédias gregas terminavam em casórios. Aristófanes bem-dizia: duas almas que se amam procuram a união, são como uma alma só em dois corpos. Na cultura ocidental contemporânea podemos perceber também a construção social do casamento como ponto culminante do amor, as histórias de princesas por sua vez, tendem a terminar na união da princesa com o herói ou com o príncipe, onde depois de superarem a trama(sofrerem) podem viver felizes para sempre.
Mas… e longe das idealizações? E o casamento na vida real? Se uma paixão dura e os corpos passam a se amarem significa uma estabilidade na troca afetiva, uma quase-reciprocidade na afecção. O fato é que o casamento também implica no egoísmo dos corpos, em suma é uma tentativa de perpetuação do prazer que traz a companhia do indivíduo, implícito no casamento alimenta-se a ideia de que “sempre que estou com essa pessoa eu me sinto bem, logo, se eu estiver com essa pessoa para sempre eu serei feliz para sempre”, no fundo de suas psiquês é por isso que desejam manter o relacionamento, não porque superaram a paixão e passaram a amar o parceiro, mas sim porque tornaram-se dependentes do prazer que o parceiro proporciona, ainda no casamento não é o parceiro que se ama, o que se ama é o sentimento que esse parceiro trás, o casamento é ainda uma troca egoísta de favores. Uma tentativa do self de manter-se feliz para sempre. E o que vem depois do “felizes para sempre”? O desencanto vem depois do felizes para sempre. Como antes dito, o metadiscurso do amor é falho por excelência e uma paixão dificilmente tende a manter-se de pé, não existe nenhum tipo de “amor infinito” ou de “felizes para sempre”, todo amor tem seu fim, todo relacionamento tende a ruir e a enfraquecer-se, chegando até mesmo a quebrar. Não é muito difícil de ver duas pessoas casadas que já não mais se amam, casamento não é sinônimo de amor, nada tem a ver com isso e o amor não é o sentimento místico que a mente desarrazoada idealiza. O amor e o casamento não passam de duas formas muito, muito bonitas de expressarem o egoísmo.
A cultura do casamento, principalmente no pós-modernismo é a prova da falha essencial da metanarrativa romântica, hoje em dia o número de divórcios é dantesco e cada vez mais torna-se raro qualquer tipo de relacionamento que seja estável até o fim da vida dos amantes. Na Bélgica isso fica ainda mais evidente, onde o número de divórcios por casamento é de 70%, isso é, a cada 100 casamentos 70 terminam em divórcios. Existem mais pessoas divorciadas do que casadas num país como a Bélgica! Outro dado interessante que se observa em diversos países e assim sendo, também no Brasil, é que em momentos de crise econômica os casamentos tendem a ruir, e o número de divórcios tendem a aumentar, o que parece dar indícios de que o casamento não só implica na perpetuação de uma tentativa egoísta de ser feliz como também, em sua execução, uma maneira de estabilidade financeira que implica em um parceiro não só amoroso mas também econômico.
O amor-amizade pode também ser entendido como um relacionamento egoísta, como dito na terceira parte do ensaio, os indivíduos tendem a se unir quando estabelecem entre si um laço de identidade e a se repelir quando se percebem muito diferentes. O fato de na amizade ser necessário a aprovação do parceiro por meio de um laço de identidade implica dizer que, além amarmos não os amigos em si, mas sim o prazer que a amizade proporciona amamos também tudo o que há de nós nos nossos amigos, isso é, na relação de amizade ama-se não o amigo, mas as projeções de nós mesmos que fazemos pelo amigo, e assim sendo, nós não amamos o amigo, e sim nos amamos através do amigo.
Por fim, o amor de mãe além de ser uma construção social(visto que não é algo onipresente em todas as espécies animais) não é algo intrínseco às mães, como o nome parece sugerir. Não é muito difícil de ver casos de mães narcísicas ou o desenvolvimento e um Complexo de Münchausen, ou de, no geral, mães que descuidam dos seus filhos e que não os amam. Falar da existência do amor de mãe como se esse sentimento fosse algo ubíquo a toda a relação mãe-filho é um equívoco, o fato é que os indivíduos tendem agregar-se em famílias, em primeira instância por causa da pulsão de autoconservação, em segunda instância por causa do laços de identidade, e em terceira instância por causa da construção social que implica o estabelecimento da família como uma instituição fundamentadora na sociedade ocidental. O fato de existirem famílias não implica dizer que existe um sentimento mágico que une pessoas do mesmo sangue num mesmo núcleo. O fato de existirem famílias aponta objetivamente para o entendimento de que uma determinada espécie desenvolveu uma maneira coesa de estabelecer um agregado social grupal e por sua vez integrou-o em sua cultura própria. Mães não amam filhos só por serem seus filhos, os filhos não amam mães só por serem suas mães isso é, com efeito, mera construção social.
Sob qualquer análise a fenomenologia do amor implica uma troca egoísta de favores, todo amor se traduz na psiquê num cálculo de afecções, um “você me dá o que eu quero e eu te dou o que você precisa”. Assim sendo, o amor familiar não é um “amor sincero”, como aponta Nietzsche, a mãe não ama seu filho, mas ama a si mesma através do seu filho.
O objeto do amor nunca é a o objeto em si mesmo, pois o Ego não tem a capacidade de amar a algo que não seja a si mesmo, o objeto do amor será sempre algo mais, algo que retroalimenta o próprio ego, seja o sentimento de bem-estar ou de prazer, seja as projeções de si mesmo que o indivíduo faz sobre o objeto amado, seja ainda o laço de identidade que a psiquê do indivíduo estabelece com o objeto. Em todo caso não se ama genuinamente o objeto, amar o objeto é, essencialmente, uma forma diferente de amar a si mesmo.
VI. Síntese.
Em detrimento da extensão do ensaio uma síntese conclusiva do que foi dito faz-se necessária. Assim sendo, farei um apanhado de todos os pontos levantados para elucidar o entendimento do leitor e retomar-se-á o objetivo deste escrito através de uma conclusão sucinta das ideias sustentadas.
Na segunda parte do ensaio, isto é, na segunda metade da introdução, ao falarmos do argumento ou do “ponto de vista” levantado no ensaio chamou-se a atenção para o fato de que este tema comumente é um tema irrefletido e imponderado. As pessoas nunca pararam pra pensar o que de fato é o amor, nunca refletiram profundamente sobre o tema para tirar conclusões próprias, tudo o que o senso comum sabe sobre o amor não foi aprendido por conta própria, e sim ensinado. Isso nos leva a perceber que o entendimento que comumente temos sobre o amor é muito raso e apoucado, nós apenas temos o costume de repetir o que a nossa cultura nos ensina, não ponderamos sobre o que é o amor nem tampouco refletimos, apenas somos influenciados pela cultura e pelas instituições a repetir um conceito de amor que, irrefletido, não sabemos se é certo ou errado. A intenção por trás de chamar atenção para este ponto foi a de dizer o seguinte: “Como podemos ter tanta certeza do que é o amor se nunca sequer paramos para pensar o que é isso?” O leitor, percebendo esse déficit estrutural no conceito de amor deve — ou deveria — desarmar-se de suas certezas tão incertas e humildemente perceber que o seu ponto de vista aparentemente carece de suficiente argumentação para ser sustentado.
Por conseguinte, na terceira parte, nós investigamos quais os recursos culturais, sociais e históricos que a consciência coletiva utiliza para sustentar o conceito de amor do senso comum, que por sua vez é o nosso objeto de estudo analisado. Partimos do ponto de que muito do que entendemos por amor vem através do que a nossa cultura nos ensina, constatando isso foi possível concluir que temos uma profunda carência de educação sentimental e isso reforça ainda mais a conclusão anterior, de que o entendimento comum sobre o amor é na verdade um conceito irrefletido.
Logo após, mudamos um pouco o escopo da análise do objeto de estudo, fizemos uma breve meditação acerca do escoamento do conceito de amor na pós-modernidade onde o conceito passa a encontrar suas incongruências mais visíveis de modo que um “eu te amo” deixa de ser uma frase de profundas implicações e passa a ser um jargão popular. Procuramos analisar quando foi que que o conceito de amor passou a ser algo tão instável e com isso analisamos as narrativas que sustentaram tal conceito no decorrer da história do mesmo, percebemos que não é na contemporaneidade que as narrativas sobre o amor encontram desarmonia, já muito antigamente o amor vulgar(esse que sentimentos) era dissonante do amor idealizado. Disso podemos concluir que o amor sempre foi entendido não como algo imanente, ou patente, presente em todos os corpos, e sim algo a ser transcendente, a ser alcançado, e isso aponta para o fato de que o sustentáculo da metanarrativa do amor é contraditória por excelência.
Com esses dois apontamentos ficou fácil demonstrar, já na terceira parte do ensaio, que o conceito de amor é, de fato, uma construção social. Embora possa parecer óbvio essa constatação se faz necessária para “desencantar” o conceito de amor e que, apesar de ser um sentimento subjetivo ele pode ser analisado por vias objetivas, como por sua história, sua sociologia e suas implicações culturais, e dessas análises podemos tirar conclusões mais sólidas. O senso comum tende a encantar o amor, pintando-o como um sentimento transcendente, mágico e inexplicável, porém, nesse ponto nós percebemos que não é bem assim, o fato é a cultura que define a forma com a qual nós amamos e somos amados. Entendendo o amor como uma construção social podemos entender que ele na verdade não existe em si mesmo.
Percebendo que o amor é uma construção social procuramos nos aprofundar em que construção é essa, que narrativas o amor sustenta e porque o amor foi assim construído e assim sustentado. Embora não citado, o entendimento dessa parte do ensaio pega referência do livro “A História do Amor no Ocidente” de Denis de Rougemont, tal qual o autor nós chegamos a conclusão de que o amor traduz-se como sofrimento, e isso ocorre devido à falésia que encontramos no sustentáculo do conceito, “O amor é insustentável, e não dura para sempre, para perpetuar a construção social do amor portanto, vamos integrar o conceito de sofrimento ao mesmo”. O fato da metanarrativa do amor no ocidente entender o sofrimento como um princípio reforça que o amor vulgar difere-se do amor idealizado e que nós, apesar de entendermos certa ideia de amor, praticamos uma outra.
Finalizamos a terceira parte examinando o abismo que há entre o conceito idealizado de amor e o amor vulgar. Como antes dito, o senso comum encanta o conceito de amor dando-lhe mil características maravilhosas igualando o amor do mundo real ao amor dos contos de fada, a verdade é que isso é uma idealização e que, apesar de o senso comum acreditar que o amor é assim o senso comum não pratica esse amor, em detrimento de sua irreflexão o amor vulgar se distancia infinitamente do amor idealizado. A verdade é o sentimento que acreditamos sentir não é de fato o que sentimos, o fato de “encantarmos” o conceito de amor faz com que seja confundido o que nós sentimos com aquilo que achamos que sentimos. Acreditamos que o amor é um sentimento mágico, mas ao analisarmos o “mundo real” a “magia” do amor não se encontra em canto nenhum. Isso, mais uma vez, reforça a falência estrutural da metanarrativa do amor.
Na quarta parte do ensaio muda-se novamente o escopo da análise e entramos no campo da psicologia e da filosofia, os argumentos nesse ponto sustentados encontram eco com os argumentos históricos, sociais e culturais que analisamos no ponto anterior. Procuramos entender o amor através do conceito das pulsões em Freud e atentamos para o fato de que o amor, na prática, é um disfarce moral para a pulsão de vida e o instinto de rebanho. No tocante à psicanálise nós sabemos que tudo é Ego e nossa consciência tem a tendência de repelir tudo aquilo o que não é espelho. O amor do senso comum implica um sacrifício de si mesmo para dar tudo de si a outra pessoa, aqui nós refletimos se é possível amar alguém mais do que se ama a si mesmo.
Procuramos não apoucar nossas explicações nesse trecho e em detalhes procuramos mostrar porque o sentimento “mágico” que dizem ser o amor não encontra eco na psicanálise. O fato explorado é que os animais tendem a unir-se e acasalar-se por instinto e por pulsão de prazer, de modo que, na natureza, não existe nada que se assemelhe ao que chamamos de “amor”, e com os seres-humanos não é diferente, os corpos se unem simplesmente por instinto e assim sendo, o amor nada mais seria do que uma construção social que procura tornar o instinto em algo menos animalesco, nada mais que um disfarce. No tocante à teoria das pulsões, não existe nenhuma pulsão que não tenha a ver com o Ego, na psicanálise o Ego(o “Eu”) não ama outra coisa que não a si mesmo. Quando dizemos que amamos outras pessoas na verdade nós apenas estamos amando a nós mesmos através de outras pessoas. Quando um indivíduo ama um outro na verdade a psiquê encara o outro indivíduo como um objeto de prazer isso é, algo que proporciona prazer ao ego. O amor não escapa do princípio do prazer, o fato é que as pessoas mantém uma relação pois encontram prazer na companhia um do outro e, se esse prazer não existe a relação também não existe. Toda forma de amor é, portanto, um mecanismo com o qual o Ego procura prazer ou prazer em potencial. Se o Ego não enxergar nenhum prazer em potencial em outro indivíduo então ele não vai amar esse indivíduo. Entendendo isso nós concluímos que na verdade o amor é uma pulsão narcísica e egoísta embora, devido à construção social do amor, nós não consigamos enxergar que ele é de fato assim.
Na quinta parte procuramos explorar ainda mais os argumentos expostos na quarta parte demonstrando como sua semiótica pode ser aplicada no prática quotidiana do que aqui chamamos de amor vulgar. Para não nos estendermos colocamos em análise 3 principais situações de relacionamento que envolvem o amor, sendo esses o amor romântico, o amor-amizade e o amor materno. Analisando essas situações pode-se encarar com ainda mais veemência as máximas da quarta parte.
VII. Conclusão.
Que há para se dizer finalmente? Nada mais, creio eu. Tudo o que havia para ser dito já assim o foi, não só dito como sintetizado.
Com este ensaio demonstramos de maneira quase categórica que ter um entendimento do que é o amor não é assim tão fácil quanto parece, e aquilo o que a maioria das pessoas entendem por amor encontra sim, diversas incongruências, irregularidades e contra-argumentos na sustentação do próprio conceito em si. Aqui foram expostas várias dessas ditas incongruências e contra-argumentos e tantas outras mais ainda existem, de modo que essas foram somente algumas. A conclusão que se dá em detrimento dos argumentos sustentados é a de que o que a consciência coletiva entende por “amor” não existe pois, sob análise profunda essa narrativa de amor não pode ser sustentada, e é portanto, que se defende a máxima de que “o amor não existe”, o que entendemos por amor é um entendimento apoucado e equivocado que se confunde com um milhão de outras coisas que não é esse amor que tanto dizem.
Numa das poucas discussões que tive sobre este tema um amigo certa vez me disse “é estranho pensar assim, é meio triste até… pensar o amor como egoísmo”, e de fato é. Nossa consciência individual está alinhada com a consciência coletiva, no nosso subjetivismo foram erguidos tantos construtos sociais que quebrar um deles pode abalar toda a nossa estrutura. O amor é um desses construtos, implantaram em nós, e dele não queremos nos livrar, por isso, imagino, o leitor encontrará uma grande dificuldade para aceitar o meu ponto de vista mesmo se estiver convencido pelos meus argumentos.
Certa vez uma amiga me disse, depois de demonstrado meus argumentos “não enxergo o amor como você, mas respeito a sua opinião”. Essa última palavra me deu nos nervos, “opinião”. Aqui não expus uma única opinião nem tampouco nada que a isso se assemelhe, aqui expus máximas, argumentos e reflexões das mais diferentes áreas do conhecimento humano para sustentar o meu ponto de vista e apontar irregularidades no ponto de vista contrastante. Opinião é “baunilha é melhor que chocolate”, neste ensaio não houve nenhuma opinião, assim sendo, não o encare como tal. Me da nos nervos quando, numa discussão, reduzem os argumentos a “opiniões”, essa, percebo, é uma profunda demonstração de ignorância.
Quer munir-se de ignorância e cegar-se perante tudo aquilo o que foi demonstrado neste ensaio? Assim o faça, ó leitor, você não precisa abraçar o meu ponto de vista. Mas peço-te, não ignore o que aqui foi dito, se discordar do que eu disse então arme-se com tantos argumentos e reflexões quanto os que demonstrei aqui, e se não puder fazer isso, renda-se. Não precisa se render a minha visão radical de que o amor não existe, mas renda-se à reflexão de que o seu entendimento por amor é irrefletido e carece de ponderação para ser sustentado. Assim sendo, pondere, pense sobre o conceito do amor, reflita. Esse é o objetivo último deste ensaio: refletir.