Da Falácia do Exército como “Poder Moderador” e da Democracia como sinônimo de Razão Política.
(Milton Pires)
Afirmo, como fundamento de tudo que segue, que a diferença que existe entre o Poder do Exército e os demais poderes constituídos numa sociedade, seja ela democrática ou não, não é de espécie, mas de gênero.
Pretendo provar aqui que o Exército não é “Poder Moderador” algum, que não é nem mesmo um “Poder” no seu entendimento tradicional e que não se deve esperar sua ação dentro de NENHUMA Constituição com o objetivo de manter “viva” a “Sociedade Democrática”, mas sim para sustentar a chance daquilo que chamarei de Razão Política.
Ofereço a definição de “Poder” (somente neste parágrafo e como premissa falsa muito tentadora que mais tarde vou refutar) como a capacidade de uma pessoa, ou de um determinado número de pessoas, de “se fazer obedecer” pelas demais.
Estabeleço, porém, o fundamento do Poder do Exército na Força Bruta e de todo Poder derivado daquilo que vou chamar de Razão Política; no consenso, na aceitação consciente e voluntária da autoridade de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas, sobre as demais.
Tentado eu seria, pois, a reconhecer que a Força e a Razão Política seriam espécies de um só gênero – o Poder – e que isso me autorizaria, sim, a chamar o Exército de “poder moderador”.
Digo por outro lado que, ainda que a Força Bruta e a Submissão Voluntária à autoridade fossem expressões de duas espécies diferentes de um só gênero – gênero esse que eu chamaria de Poder – é minha OBRIGAÇÃO refutar tal ideia lembrando que aquilo que uma determinada sociedade, em qualquer época e em qualquer lugar, sente em relação a um determinado Exército é MEDO do uso da Força Bruta e, em relação a uma determinada classe política, é a presença de uma PROMESSA.
Afirmo, e isto digo ser verdade universal, suficiente e necessária, que jamais houve nem haverá, entre os homens livres, verdadeiro “Poder” capaz de nascer do Medo da Força e que ele, o Poder, só se faz presente através do CONSENSO gerado pela crença na promessa.
É necessário ainda reconhecer que, se o fundamento da ilusão de Poder de um Exército está no Medo do uso da Força Bruta e o Poder de uma classe política está no crédito dado a uma PROMESSA isso é devido ao fato de que houve, em algum momento da História, uma evolução que permitiu aos homens prescindirem do mais natural e primitivo de todos os sentimentos – o MEDO – e fazer uso social da crença na PROMESSA como fonte de Poder Político.
A primeira etapa desta longa evolução histórica surgiu no momento em que as comunidades primitivas abriram mão do uso da violência, do uso da Força, mesmo de uma força não institucionalmente organizada com hierarquia e disciplina, para resolver a tensão imanente a qualquer tipo de vida coletiva.
Foi aí que nasceu o chamado “Contrato Social”.
O recurso à força bruta, ao “Poder” do Exército, permanece, pois, latente em toda base social de toda comunidade civilizada que abriu mão dele para organizar-se através da crença na promessa da política.
O uso da Força do Exército contra a Sociedade não é expressão de uma Força que “garante a existência do contrato social” - é a expressão do FIM do contrato que garantia a vida, a Razão Política e é nesse, especificamente nesse sentido, que Força e Consenso não compõe espécies de um só gênero.
Deste consenso que apontei acima, deste raciocínio coletivo digo nascer um “logos”, uma força coletivamente organizadora que chamarei de “Razão Política”.
A Razão Política, a organização política do mundo, nem sempre foi natural à chamada “condição humana”. Muito menos foi essa Razão Política sinônimo do que se chama hoje “Democracia” - forma de governo nascida na Grécia, detalhada por Platão na “República” e que se encontra, atualmente, numa crise brutal no Mundo Ocidental.
Não me cabe aqui detalhar as razões da crise da Democracia. A velocidade da informação, o colapso econômico do chamado “Estado de Bem estar Social” e a crise das Grandes Religiões seriam suficientes para começar, mas o fundamental, o mais importante de tudo, é deter-se na realidade brasileira.
No Brasil, toda Razão Política, toda possibilidade de “vida política”, tornou-se sinônimo de "Democracia" e as Forças Armadas, numa eventual “ação Constitucional”, tornaram-se mais um Poder (mesmo que seja um poder chamado pejorativamente de “Moderador) para garantir, segundo alguns, esta nova Religião Civil Brasileira – a Religião Democrática.
O uso das Forças Armadas como suposta garantia do “Estado Democrático” é conveniente a qualquer discurso totalitário.
No Brasil, a experiência recente de 13 anos de Regime Petista e do fenômeno de junho de 2013, fenômeno este em que terroristas de extrema esquerda atacaram um Governo que pretendia dar “um golpe militar em si mesmo" para implantar reformas totalitárias e mais recentemente o discurso e prática fascistas de Jair Bolsonaro com distribuição de dinheiro e cargos ao Exército devem, OBRIGATORIAMENTE, ser vistos como ameaça.
Cabe agora detalhar qual tipo de “ameaça”.
A ameaça NÃO é aquela em que o país, uma vez sendo vítima de um “Golpe Militar” que venha para dar “todo poder” a Jair Bolsonaro, fique sem a possibilidade de “Democracia”, mas sim sem a possibilidade da própria Vida Política, da Razão Política, como eu a chamei acima.
Não existe mais Democracia nenhuma no Brasil há muito, muitíssimo tempo. Todo cidadão de bem no Brasil sabe, sem ter lido Platão, que o fundamento de todo Estado é a Justiça; não a força de uma Operação Federal como a Lava Jato que pode executar o que ela mandar.
Não existe mais Justiça, nem Democracia, nem Estado de Direito algum no país.
A obrigação do Exército, neste momento, é não ceder à tentação fascista do Governo Bolsonaro assim como não o fez durante o Regime Petista com Dilma Rousseff.
Se aceitarem, a qualquer momento, um pedido de Bolsonaro para fechar o Congresso e o STF, por mais criminosas que estas duas “instituições” sejam, as Forças Armadas estarão levando a Nação para o caminho da Alemanha e da Itália no século XX da mesma maneira que o PT tentou fazer nos levando em direção à União Soviética, à China e à Cuba...
Porto Alegre, 2 de junho de 2020.