A DISPUTA PELA CHURRASQUEIRA
A DISPUTA PELA CHURRASQUEIRA.
Autor: Moyses Laredo
Numa ocasião, fui contatado para construir uma área de lazer, na residência de um importante médico da cidade, com piscina, espaço com varandas, edícula, sauna, chapéu de palha e uma churrasqueira. Na sua residência só faltavam esses itens. O terreno vazio nos fundos, com o mato alto, só servia para atrair toda sorte de artrópodes e roedores, além de que, desvalorizava muito a propriedade, destoava da mansão, estilo colonial, com telhas cerâmica e arcos romanos nas varandas. A Residência se localizava num valorizado bairro da cidade. Combinamos nos reunir para as primeiras impressões e tomar nota do programa, quer dizer, o que a família gostaria que fosse executado. Após um tumultuado debate, ficou assim definido: A senhora queria uma área de lazer ampla, próxima à piscina, com espreguiçadeiras para receber suas amigas, e, com uma churrasqueira ao lado. O casal de filhos, queria uma edícula com sauna, salão de ginástica e também, uma churrasqueira! O médico, preferia um “chapéu-de-palha” com balcão em granito, pia, e, ... uma churrasqueira! Um ponto em comum, era a dita churrasqueira. Acontece que, de acordo como descrevia os itens da programação, somente uma estava previsto fazer. A questão seria escolher onde é que ela deveria ser construída. Me foi apresentado um recorte, da revista Casa Cláudia, seção decoração de interiores, uma chique churrasqueira, toda em tijolos refratários aparentes, com depósito para carvão, balcão em granito negro, uma grande trempe com regulagem de altura, finalizada com uma coifa e chaminé metálica inox. Nisso, pelo menos havia consenso.
Uma semana depois, apresentei-lhes o anteprojeto para os ajustes de opiniões. A dimensão da piscina, o tamanho da área de lazer, e a edícula foram modificadas, estabelecido por eles, inclusive com a mudança de local. A escolha se baseou unicamente aonde realmente cada um queria os elementos de seus desejos. O arranjo escolhido misturava tudo, a piscina acabou ficando escondida nos fundos do terreno. No meu projeto, o destaque era a própria piscina, com tudo ao seu redor, mas, fazer o quê, os donos queriam dessa maneira, “a gente amarra o burro, onde o burro do dono manda”, assim já dizia meu velho pai. Apenas em um item não houve consenso de lugar - a churrasqueira!…uns a exigiam próximo dos seus itens escolhidos, como a senhora, que pedia que fosse construída ao lado da área de lazer onde receberia suas amigas, e não abria mão dessa escolha. O médico, já a queria ao lado do chapéu de palha, os filhos, pouco-caso faziam, só queriam mesmo ter uma churrasqueira. Não me incomodei com esse detalhe, por enquanto. Quando o novo projeto foi aprovado por todos, não plotei a churrasqueira em lugar nenhum, assinamos o contrato e comecei as obras. Ao cabo de 90 dias tudo estava concluído, o lugar ficou muito aprazível, mudou a paisagem, a piscina linda e convidativa, o piso em ardósia salteado nas cores verde e ferrugem, tudo maravilhoso, com exceção da dita churrasqueira. Durante as obras da piscina, um ou outro, me perguntava aonde construiria o tal objeto da disputa, desconversava e tocava em frente, eles não se preocupavam porque não havia ainda iniciado a dita construção, mas, o fato é que eu também estava numa sinuca, achei que uma hora eles entrariam em consenso, na verdade, eles é que aguardavam uma solução de minha parte. Quando concluí tudo, tive que enfrentar a obra da tal churrasqueira, comecei encostando os materiais num canto, próximo ao chapéu de palha, achei que o dono da casa, era quem mandava no pedaço, ou seja, o galo do terreiro.
Quando a senhora chegou, quase voou no meu pescoço, com o dedo em riste, igual a Raspútia, do filme “Norbit, uma Comédia de Peso”, quando ameaçava espancar o pobre Norbit, personagem de Eddie Murphy, dizendo, abanando o dedo indicador, como um limpador de para-brisa, no compasso das sílabas -“Na-na-nin-na-não!” - “Pode tirar tudo daí, eu quero é ali”, apontando com o mesmo dedo de unha comprida, curvada feito a ponta do bico de arara, pintada num vermelho vivo, - “O senhor vai fazer aonde está a área de lazer, entendeu?” - Concordei sem questionar. Minha avaliação estava errada, era ela quem mandava. Imediatamente pedi para o meu pessoal transportar tudo para o canto indicado. Achei mais prudente, naquele momento, não questionar nada, esperei também, que o marido não fosse querer entrar em conflito com ela, e assim, dei início a marcação no piso, onde faria a bendita churrasqueira, acontece que, logo em seguida, o médico chegou e foi direto ter comigo, nem trocou a bata branca do Hospital – “Um momento senhor, quem o autorizou a construção da churrasqueira aqui?” – Respondi-lhe rapidamente, tinha pressa em acabar com essa discórdia – “Foi sua esposa doutor!” …e para dar mais ênfase, ainda instiguei: - “Ela não gostou nada onde eu estava construindo, próximo ao seu chapéu-de-palha”. Ele então bufou, um puta-que-pariu baixinho, segurou o queixo, praguejou alguma coisa ininteligível, se virou e disse, - “Nada disso senhor, por favor volte e faça lá mesmo, onde o senhor tinha iniciado, é lá que eu quero”. Pronto! Pensei, estava armado o problema, uma equação com duas incógnitas, assim não se resolve! Com isso posto, ficaria pendente a minha última parcela. Nem retirar o meu pessoal dali eu poderia, fiquei igual a um tolete de bosta no remanso, rodando no mesmo lugar. Precisava encontrar a segunda equação para tornar o sistema resolvível, duas equações e duas incógnitas, como ensina a matemática elementar! Nessa noite, tinha com o que matutar, me deixaram numa sinuca de bico. Como a tarde estava findando, no dia seguinte conversaria melhor com eles, nada como um dia atrás do outro e uma noite no meio pra atrapalhar. Esperava que os dois, à noite, entrassem em entendimento.
Disse uma vez Albert Einstein. “No meio de toda dificuldade encontra-se a oportunidade”. Pela manhã, me atrasei um pouco para visitar a obra, fui avisado que os operários estavam parados me aguardando, não sabiam o que fazer, eles presenciaram a discussão dos dois patrões. Mandei avisá-los que logo chegaria, dito e feito, às 10 h apareci por lá, os dois não estavam em casa, ambos chegariam por volta do meio dia e meia. Chamei o meu mestre e contei-lhe o que faríamos, ele assentiu com um sorriso e imediatamente se pôs a executar o plano. Como disse, a confecção da churrasqueira não é demorada e nem complicada, monta-se tudo a partir da parte da alvenaria concluída, o resto era só assentar o balcão de granito, fixar a coifa (metálica) e as trempes. Quando estávamos fazendo os acabamentos finais, a senhora chegou, abriu um largo sorriso, deixando ver seus alvos dentes, como teclas de piano, estávamos a construir exatamente no lugar que pedira, mas, uma hora depois, quando o serviço já estava bem mais adiantado, chegou o médico e da porta pode ver a churrasqueira quase terminada ao lado da área de lazer, lugar que sua mulher havia escolhido. O médico muito educado, me chamou em particular e me pediu uma explicação, notei que ele estava se controlando, escolhendo palavras. Adiantei-lhe: – “Calma doutor, por favor venha comigo”, ao mesmo tempo, dei com a mão, chamando dois operários, ao chegarmos diante daquela imensa churrasqueira de alvenaria reluzente, com a coifa e chaminé inox, toda prontinha, então, delicadamente a empurramos, ela começou a mover-se lentamente, deslizando pelo piso com muita suavidade. Estacionamos exatamente onde ele queria, junto ao seu chapéu-de-palha. A esposa que a tudo assistia da janela do quarto, saiu em disparada para ver aquela “arrumação”, enquanto que, o médico atônico com o que vira, e com a maior cara de espanto, perguntou: - “Mas como o Sr. fez isso?” – “Bem, doutor eu tinha que terminar a sua obra conforme o meu contrato, a questão do lugar onde vão colocar a churrasqueira, é outra coisa, espero que decidam depois”. A montei sobre rodízios (rodízios são dispositivos com rodinhas acoplados a um equipamento para facilitar sua movimentação) soldados numa estrutura metálica da base da churrasqueira, de modo que, vocês poderão transportá-la facilmente, só lhes peço que se decidam logo onde ela deverá ficar definitivamente, porque esse sistema de rodízios não vai suportar muitas andanças. Ele sorriu, fez um elogio, mandou deixar no lugar que a esposa pedira. Entendi que os dois estavam disputando prestígio comigo, e eu, no sufoco, acabei encontrando a segunda equação necessária para a resolução do problema.