Breve ensaio - Um novo amanhã (ou, como evitar o choque)
O verdadeiro problema, talvez o maior, na história recente, e que, pelo menos a curto prazo, não indica solução, esteja na busca pelo que um dia foi, sem querer ser nostálgico, satisfatório viver. Era um tempo de descobertas. Descobria-se um elemento unificador, um elemento que se expandia por corpus sociais ignorados desde o dia que as primeiras caravelas aqui invadiram. Noutras palavras: nossa certidão de nascimento, elaborada por agentes ancestrais do crime organizado, não reconheceu direito natural de permanência como o ponto inaugural de ancestralidade; bem o contrário! Portanto, não se estranha que o elemento fundante de nossa genealogia, por razões ancoradas numa questionável racionalidade, tenha sido vítima de epistemicídio. Ocorre que esse processo persiste. Retomar um passado histórico baseado na invisibilidade do Outro, pressupõe criminalizá-lo, pois, uma vez, para deleite e êxtase de uma parcela fundamentalista, colocar o Outro no campo do eliminável, justifica, e facilita, qualquer política para esse fim. Assim, o que um dia vislumbrou o renascimento, como fênix, de toda nossa ancestralidade, rompeu-se no instante que um punhado de falsos conterrâneos, com seus preconceitos e ódios camuflados, facilitaram o saque de vidas e sonhos. E assim cá estamos - como um barco à deriva, com leme quebrado, casco furado e timoneiro amalucado - indo direto de encontro ao recife. E, a julgar pelas imposturas vistas do convés, lamentáveis, dirá alguém que observa do porto, a tripulação a bordo não se movimenta em tentativas socorristas; não! Todos, igualmente amalucados, alimentam, e ampliam, as fissuras no casco. Noutras palavras: contribuem para que o encontro com o recife se dê mais cedo. E assim, novamente, parece que a história deverá ser reescrita, como num movimento perpétuo, e sem perspectivas de se concretizar, sigamos nessa labuta, nessa constante tentativa de chegar amanhã e torcer para que o sol ainda brilhe.