O limiar entre a realidade e a ficção na literatura artística
O limiar entre a realidade e a ficção na literatura artística
Alexandre Santos
Muito me alegra participar deste encontro, o que, de imediato, me faz destacar os agradecimentos ao Centro de Letras do Paraná e ao escritor Ney Perracini, que me transmitiu o gentil convite.
Conforme divulgado, vou falar sobre 'O limiar entre a realidade e a ficção na literatura artística'.
Há muitos anos, quando lancei o romance ‘O moinho’ ouvi muitos comentários e o que mais me marcou foi aquele proferido pelo poeta Laudemiro Telino de Lacerda que, à guisa de elogio, abriu um carinhoso sorriso e disse: “Alexandre, você é o maior mentiroso que conheço!”.
Colocado daquela forma, ele tinha razão, pois, afinal de contas, muitos afirmam que a ‘Ficção’ é o gênero literário das mentiras.
Para muitos, o nome diz tudo.
A palavra latina ‘Fictionem’ significa o efeito de fingir, de simular. Ou seja, ‘Ficção’ é a categoria literária das mentiras. Das invencionices verossímeis ou inverossímeis, conforme o tamanho da impostura, mas, sempre mentiras.
E os romances, poemas, contos, novelas, fábulas e, eventualmente, até mesmo, as crônicas (especialmente aquelas contadas por pescadores) são perfilados no vasto reino dos fingimentos.
A arte de modo geral, incluindo a literatura, nunca se preocupou em descrever a realidade tal como o mundo a vê, mas em retratá-la como o artista a sente.
Para Aristóteles, “a arte literária é a arte que imita pela palavra” e, dessa forma, a função do artista não é retratar o que acontece, mas o que poderia ter acontecido. Nesta perspectiva, a obra de arte não precisa ser o retrato fiel da realidade, mas ter uma coerência interna que a faça assemelhar-se à verdade. E, assim, por toda a história, a arte é considerada o universo dos sonhos e a literatura, em especial a ficção, o gênero das mentiras.
Isso, no entanto, nem sempre é bem aceito pelos escritores.
Numa crítica sutil, Fernando Pessoa reagiu e, na primeira estrofe do poema ‘Auto-psicografia’, esclareceu:
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
A dor sentida pelo artista parece fingida aos olhos do expectador apenas por vir na carruagem da arte.
Pois é. No reino da mentira, a verdade parece mentira.
Mas, o que é a mentira? O que é a verdade?
Estaria mentindo a pessoa que, sinceramente, chama de Ponte Velha a Ponte Noef, de Paris, que, todos sabem, é a mais antiga daquela cidade? Ou [estaria mentindo] a pessoa que repassa como verdade a informação inverídica que tenha recebido de alguém da sua confiança?
Quem disse que o nome desta maravilhosa cidade é ‘Curitiba’?
Por que não Paris?
Ora, uma convenção diz que o nome é Curitiba e, assim, chamá-la de Londres é uma inverdade.
Mentira? Verdade? Pouco importa.
O fato é que, vinda da forma como os indígenas chamavam os pinheirais da região, o nome ‘verdadeiro’ desta bela cidade é Curitiba e pronto!
Assim, quem chamar esta cidade de Paris ou de Londres não estará dizendo a ‘verdade’.
A documentação oficial afirma que a atual ortografia de Curitiba foi estabelecida pelo então presidente do Estado do Paraná, Affonso Alves de Camargo, que, em decreto-lei, preteriu as antigas formas Curityba e Corityba em 1919 – uma data, observem, que reflete o relógio do calendário romano, uma referência com alguma instabilidade, pois foi reformulada pelo Papa Gregório em 1582. Isto quer dizer que, se apontada com base em outro calendário – o islâmico, o judeu, o chinês ou aquele que vem sendo estudado pela ONU – a data que fixou a atual ortografia de Curitiba não seria 1919 e, sim uma outra.
Estaria faltando com a verdade quem afirme que a forma de escrever Curitiba foi consagrada em 5.026 (e não 1919)?
Em Curitiba, enquanto o recifense sente frio, um europeu pode sentir calor. Estará mentindo o recifense, que sente frio, ou o europeu, que sente calor?
Estarão mentindo os livros de geografia e de história? Ou estarão apenas refletindo verdades e valores aceitos em determinada época por comunidades específicas.
Nomes, datas, valores, sentimentos e aparências refletem opiniões e convenções e se baseiam em conceitos inconsistentes que podem mudar em função de referenciais e modas, nada significando em ternos de verdade ou mentira.
O confronto da ficção com a realidade é um tema muito instigante.
Vezes, sutil, vezes, imperceptível, distinguir a ficção da realidade nem sempre é fácil.
Verdades desabrocham mentiras e vice-versa;
boatos e opiniões estabelecem verdades;
eventualmente, de tão fantástica, a realidade se torna incrível;
interesses e conveniências podem desmoralizar ou estabelecer verdades; razões sociais, comerciais e diplomáticas afligem a sinceridade.
Frase atribuída a [Friedrich] Goebbels diz que “uma mentira dita mil vezes se transforma em verdade”. E, aí, vem a pergunta: Se uma mentira pode se transformar em verdade, o inverso também seria possível?
Quando as torres do World Trade Center ruíram em 11 de setembro de 2001, abatidas, segundo dizem os meios de comunicação, pela ação de fanáticos, muitas pessoas desconfiaram daquilo que seus próprios olhos viam pela televisão.
“Isto não pode ser verdade”, duvidaram muitos, em reação à realidade incrível – aquela na qual, de tão fantástico, o fato parece irreal, embaralhando ficção e realidade numa imagem turva. Por isso, filmes classificados como ‘mentirosos’ já perdem no quesito fantasia para a realidade de certos documentários.
Pois bem. Naquele 11 de setembro, o mundo mudou.
As torres desabaram e, junto com elas, muitas verdades.
Naquele episódio, sobre um vasto campo de verdades arruinadas, foram construídas realidades até então impensáveis.
O borralho ainda fumegava sobre escombros, estranhamente isentos dos sinais da morte e do sofrimento, quando o mundo foi assaltado por um turbilhão de informações, desinformações, boatos e censuras que construíram a verdade que prevaleceu na época. Ganharam fama nomes até então desconhecidos, como Osama bin Laden e Taleban. Com o respaldo da opinião publicada, de governantes intimidados e da irresistível força das legiões de George W. Bush, em menos de um mês, julgado e condenado à revelia por cumplicidade terrorista, o indefeso Afeganistão foi invadido e ocupado.
Na sequência, tendo por base um rígido sistema de controle e manipulação da informação, novas verdades foram construídas.
Devidamente cevada por dados fornecidos pelo governo dos EUA, que se aperfeiçoava com maior intensidade desde o 11 de setembro na gestão da informação, a mídia mundial nos empanturrou com notícias sobre ‘perigos’ dos novos tempos, especialmente os representados por Saddam Hussein – homem diabólico de mil faces – e pelo Iraque – país que [embora sufocado por um severo embargo de mais de dez anos] estaria levando adiante um programa de Armas de Destruição em Massa. E o Iraque, acusado de pertencer, juntamente com a Coréia do Norte e com o Irã, a um quimérico ‘Eixo do Mal’, berço do terrorismo internacional, também foi invadido e ocupado pelas tropas norte-americanas. As Armas de Destruição em Massa que justificaram a ação militar jamais foram encontradas, os vínculos do Iraque com o terrorismo internacional jamais foram provados. Nem mesmo as dezenas de sósias, que, segundo dizia a mídia, protegiam Saddam Hussein, apareceram.
Tudo fora fruto de uma mega-operação publicitária que iludiu a todos, construindo as verdades que interessavam aos senhores da informação.
Ficção e realidade intercambiam posições, construindo as verdades e as mentiras que movem o mundo.
E, no jogo das versões que vêm a público, verdades e mentiras ocupam o mesmo espaço turvo construindo realidades que, muitas vezes, passam longe do fato real.
Para compor a nova realidade, são usadas técnicas antigas e novas de controle e manipulação da informação. A definição do que é notícia, a forma de apresentá-la, a escolha e a censura de temas e personagens, a forma de abordagem dos assuntos, a intensidade, a abrangência e persistência da veiculação das mensagens são algumas das técnicas usadas na modelagem e criação de novas realidades.
Fatos escolhidos arbitrariamente dentro da realidade efetivamente verificada são apresentados de forma fragmentada, com aspectos selecionados e descontextualizados, reordenados de forma invertida, que contraria a relevância, papel e significado, e, ainda, com partes reais substituídas por versões opinativas. Palavras como liberdade e democracia foram usadas para designar cenários convenientes aos controladores da palavra e a informação ganhou aplicação estratégica.
Do boato ao fato, apenas a conveniência das convenções e o interesse daqueles que controlam as informações. [Bernardo] Kucinsky chega a dizer que, nas redações, houve uma rendição generalizada aos ditames mercantilistas ou ideológicos dos proprietários dos meios de comunicações.
Vale dizer que as massas sempre foram conduzidas pelas verdades que interessam aos poderosos e, na construção destas verdades pouco importa o fato real.
A história mostra que inocentes foram e são condenados por veredictos que, longe da justiça, apenas traduzem a verdade oficial que interessa e convém às elites. Entre as vítimas dessas verdades construídas, despontam, entre tantos outros, Jesus Cristo, que teve a vida terrena ceifada na Cruz aos 33 anos de idade.
Minhas senhoras e meus senhores,
Nestes tempos modernos, regidos pelo fundamentalismo de mercado, a notícia deixou de ser um direito social e passou a ser, como quase tudo, um bem mercantil, estando sujeita a processos de comercialização como quaisquer outras mercadorias. Jornalistas foram levados a uma nova ética e, em muitos casos, assumiram a condição de assessores de imprensa – profissionais especializados em converter fatos, jornalísticos ou não, em notícias e, portanto, em realidades sociais.
Muitos dizem que, se não apareceu na mídia, o fato não ocorreu. Esta frase tomada pelo inverso afirma que, se apareceu na mídia, o fato ocorreu. Assim, a mídia tem a chave da construção e da desconstrução de realidades. Em função dessa capacidade, a mídia encarna um poder equiparável às grandes religiões, subjugando, substituindo ou induzindo ações e comportamentos. Não é a toa que se atribui à mídia o Quarto Poder, nivelando-a aos poderes republicanos executivo, legislativo e judiciário.
No ambiente mercantil, o sonho de consumo criado pela propaganda também estabelece novas realidades. Com efeito, a conjunção da mercantilização da notícia com a aplicação dos refinados programas publicitários despertam sonhos de consumo em realidades arrebatadoras que criam o ‘consumismo’ – eixo em torno do qual gira a sobrevivência do sistema que, hoje, controla o mundo.
Vale dizer que, além de ser usada como item indutor do consumismo, a notícia passou a ser um decisivo elemento de controle social.
O noticiário e o comentário correlato modula o comportamento geral, criando realidades que orientam as conversas e indicam o caminho que costuma ser trilhado pela maioria. Não é sem razão o caráter alienante de certos programas, confirmando o triunfo da banalidade tratado por alguns como a ‘comunicação do grotesco’, que ocupa o tempo das pessoas, afastando-as de coisas que possam levá-las a pensar sobre a irrealidade da realidade que vivem.
Onde está a verdade? Onde está a mentira? O que é fato? O que é boato?
O controle da informação e, portanto, do esquema que permite construir verdades e definir a opinião pública é uma peça central da estratégia militar, comercial e diplomática.
Ficção e realidade não ocupam posições antípodas. Mostram, apenas as duas faces da mesma moeda.
Minhas senhoras e meus senhores
Vale lembrar que este fenômeno não é recente. De fato, embora mais evidente na atualidade, a construção de realidades psicológicas vem de longas datas e apenas ganhou impulso com o aperfeiçoamento das modernas técnicas de propaganda e comunicação.
No segundo período da história do pensamento grego, no século IV a.C, também conhecido como o Período Antropológico pela importância que atribuiu ao homem e ao espírito inaugurando uma nova fase na história da compreensão dos fenômenos, Demócrito (460-370 a.C.) contestou Protágoras (defensor de que todas as sensações eram igualmente verdadeiras para o objeto sensível) e afirmou que todas as sensações são falsas, pois não têm contrapartida real fora do objeto sensível. Fundamentando seus ensinamentos, Demócrito distinguiu aquilo que é ‘Convenção’ (nómos), ou seja, fruto de uma opinião e de um acordo entre os homens, daquilo que é ‘Natureza’ (phýsei).
"Por convenção – disse ele –, há o doce, o amargo, o quente, o frio, a cor... as nossas sensações não representam nada de externo, apesar de serem causadas por algo fora de nós... Esta é a razão porque a mesma coisa às vezes dá a sensação de doce e às vezes de amargo... nós, na verdade, não conhecemos nada de certo, somente que as coisas mudam de acordo com a disposição do corpo e com aquilo que nele penetra ou lhe opõe resistência [por isso] não podemos conhecer a realidade, pois, a verdade jaz num abismo".
Com esta linha de pensamento, Demócrito foi o precursor da lógica dialética, retomada no século XVIII por [Friedrich] Hegel (1770 - 1831), adotando um ritmo ternário com duas teorias contrárias (tese e antítese) que se conciliam fundindo-se numa síntese superior. Demócrito, seus discípulos e adeptos, entre os quais Parmênides e Leucipo, foram pródigos em proclamar que não há verdade absoluta.
Sob este ponto de vista, o gênero ‘Ficção’ ganha outro sabor, pois mentira e verdade perdem a linha divisória rígida.
Minhas senhoras e meus senhores,
Será que, depois disso tudo, há limite entre a verdade e a mentira no mundo da arte?
Pablo Picasso afirmou que “a arte é uma mentira que revela a verdade”. Afrânio Coutinho foi mais adiante e afirmou que “a literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real... Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e da experiência da realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram às vezes origem perderam a realidade primitiva e adquiriram [uma] outra, graças à imaginação do artista”.
Desdenhando questiúnculas sobre verdades e mentiras, a arte faz sua própria realidade.
E aí, onde estará a mentira e a verdade? Será que existe uma verdade? Ou a realidade se reflete em múltiplas verdades e, tomando seu inverso, em múltiplas mentiras?
O tema não é simples.
Pouco se lixando para a questão da verdade, alguns chegam a questionar a própria realidade. Alguns cientistas modernos admitem a possibilidade de que a própria realidade não exista e – como no filme Matrix produzido em 1999 pelos irmãos [Andy e Larry] Wachowski – nossa existência seja apenas uma simulação de computador. Ainda em 1868, o naturalista Thomas H. Huxley comparou o mundo com um tabuleiro de xadrez e, associando as peças aos fenômenos do universo e as regras às leis da natureza, afirmou que “o jogador no outro lado está oculto a nós". Este modo de ver a existência humana fez muitos adeptos. Em fins dos anos 60, Konrad Zuse – o cientista alemão responsável pela construção dos primeiros computadores eletromecânicos programáveis e que desenvolveu a primeira linguagem de alto-nível para computadores – sugeriu que todo o Universo faz parte de entranhas lógicas de um computador ‘autômato celular', cujo conceito, criado pelo matemático húngaro John von Neumann nos anos 40, tem como base a ideia de sistemas lógicos auto-reprodutores e, assim, imitam a própria vida.
Para os que questionam a realidade, claro, não há sentido falar em verdade e ficção, mas, graças a Deus, o mundo existe e há uma realidade.
Mas, essa realidade não obedece a padrões rígidos, pelo contrário. A realidade varia de acordo com as pessoas, as convenções, épocas e lugares. Não há, portanto, um reino da ficção e um reino das verdades. Ficção e verdade ocupam o mesmo reino e alimentam o imaginário das pessoas.
Nesta nova perspectiva, a Ficção não é composta apenas pelos ficcionistas, mas, também por todas as pessoas que exprimem o mundo. As estórias são histórias e as histórias são estórias. Os enredos são roteiros de vida e vice-versa. Os protagonistas e antagonistas são seres bons ou maus conforme a vida a ser vivida.
Às vezes, a impossibilidade ou inconveniência da comunicação direta, leva algumas pessoas, especialmente os artistas, a recorrem a certos tipos de 'mentira', como a ironia e a ficção, para dizer coisas importantes.
Mas, toda esta aparente inconsistência tem consequências.
Neste ponto, vale lembrar José Américo de Almeida, para quem “há muitas formas de se dizer a verdade [e] talvez a mais persuasiva seja a que tem forma de mentira”. Esta observação insinua o viés político da literatura artística, pois, especialmente, através de textos abertos com a mensagem "esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência", os escritores dizem verdades que dificilmente poderiam ser ditas de outra maneira.
Muitas vezes, inclusive, para além do entretenimento, obras de ficção objetivam a denúncia de situações, a apresentação ou a defesa de modelos e a propaganda de ideias, fincando posição no universo movediço da política. Que o digam os regimes e governantes afetados em diversos graus de severidade por obras como '1986' ou 'Animal farm', de George Orwell, 'A Queda de Paris', de Ilya Ehrenburg, ou mesmo 'O moinho', de minha autoria.
Com efeito, nem sempre uma verdade conta verdades e, na visada inversa, nem sempre uma mentira conta mentiras. Esta observação fica mais clara ao ouvirmos as versões sinceras de pessoas sinceras que se enfrentam - em acidentes de trânsito ou em querelas entre vizinhos, por exemplo -, quando contam verdades que formam versões diferentes.
Além de questões conceituais - que, em alguns casos, chegam a misturar posições aparentemente antípodas -, há uma infinidade de posições intermediárias, que envolvem meias-verdades e meias-mentiras em diversos graus, intercambiando e combinando pedaços de verdade com pedaços de mentira para manipular dados, dosar informações e compor opiniões segundo conveniências e interesses.
Aliás, autores de diversas Escolas e em diversas épocas levantam dúvidas sobre o significado dos conceitos, levando muitos a duvidarem se existem verdades e mentiras, como se o conjunto fizesse parte de um grande jogo no qual, tomando por base um caleidoscópio que muda ao longo do tempo conforme o lugar, nós, pobres mortais, figuramos apenas para proporcionar satisfação a outros, cuja natureza e dimensão varia em função de crenças e dogmas.
Como costuma ser de leitura mais fácil do que outros textos - e, além de atingir públicos maiores, não obedecer rigores acadêmicos, não portar compromissos evidentes, não precisar justificar teses ou enfrentar adversários ideológicos [pelo menos nos primeiros momentos] -, a ficção literária parece elemento de propaganda ou contrapropaganda bem mais eficaz do que os ensaios específicos.
Naturalmente, para exercer influência, como qualquer outro texto, a ficção literária precisa ser lida. Acontece que, inserida no vasto campo da palavra escrita - embora normalmente menos visada por assumir-se abertamente como 'literatura mentirosa' -, os textos ficcionais também enfrentam a barreira imposta à leitura pelo status quo, que tem na ignorância das massas estufa, plataforma, trampolim e elemento de conquista e preservação do poder. De qualquer forma, uma vez lida, cedo ou tarde, mesmo quando escrita nas entrelinhas, a eventual mensagem embutida na ficção vem à tona e produz efeitos políticos.
Esta é a razão de muitos livros de ficção sofrerem censura.
Ninguém duvida que, sob o manto da fantasia, os textos trazidos pelos livros de ficção possam embutir verdades e, nessa condição, tornarem-se elementos de importância política.
Por isso, quem tiver medo da verdade deve começar a ter medo dos livros que contam mentiras.
E fica a grande dúvida sobre onde termina a mentira e começa a verdade ou, ainda, onde termina a verdade e começa mentira.
Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural
Palestra proferida em 23 de junho de 2015, no Centro de Letras do Paraná, na cidade de Curitiba.