CULPA, VERGONHA E SENTIMENTO DE TRAIÇÃO!
O árduo processo de libertação de um julgo religioso
*Por Antônio F. Bispo
Imagine uma pessoa que foi sequestrada e mantida em cativeiro por muitos dias e que depois de molestada e tendo sofrido todos os tipos de abusos, humilhações e ameaças de morte contra si e contra seus familiares caso o resgate não seja feito, essa pessoa agora se depara com a porta do cárcere aberto podendo livremente sair, pedir socorro ou inclusive ir à procura da polícia para relatar os fatos e mandar prender os criminosos.
O carcereiro saiu e acabou esquecendo-se de fechar às chaves a porta do abrigo. Ela sabe que o grupo não vai voltar tão cedo, pois durante os dias seguidos em cárcere, ela memorizou a rotina dos tais e como eles agem. Esta pessoa não estar amarrada em nada, apenas mantida em um quarto fétido e imundo, recebendo alimento apenas duas vezes ao dia e tem dormido em cima de um papelão sujo.
Apesar de estar em um ambiente à prova de som e não ouvir a movimentação da rua, ela pessoa sabe que não estar afastada da cidade, pois do local do sequestro até o local do cárcere ela lembra que foi um trajeto em um curto espaço de tempo e que a sua salvação e de todos os que com ela se preocupam está bem ali, à poucos metros de distância, basta ela abrir a porta, atravessa a rua e estará em liberdade...
Agora imagine toda essa situação, toda essa oportunidade de fuga que significa poupar a própria vida, os milhares de reais em resgate que a família ainda não conseguira providenciar, as centenas de horas de buscas feita pela polícia, dos bombeiros, dos investigadores e dos demais profissionais envolvidos...
Imagine que depois de toda essa chance que a pessoa teve de fugir e se pôr em liberdade ela recua e pensa: “acho que devo primeiro pedir permissão aos meus sequestradores para sair daqui”! ou então: “meus sequestradores me espancou, me humilhou, ameaçou a mim e a minha família mas poupou a minha vida...devo ter consideração a eles e não posso contrariá-los fugindo sem a permissão deles”. Ou pior ainda: “há um propósito em tudo na vida! Eu não me sentia amada e querida por minha família, mas com a intervenção desses sequestradores hoje sei que meus familiares me amam pois estão correndo em busca de um altíssimo valor em resgate de minha vida...”
Ridículo isso? Pouco provável de acontecer? Utopia? Claro que não! Isso acontece todos dias o tempo inteiro, só que de uma forma um pouco disfarçada entre os que se dizem fazer parte do “povo de deus”. Vou lhes mostrar!
Agora imagine uma pessoa que passou a vinda inteira numa igreja sob pesadíssimos dogmas religiosos, sendo feito de besta observando mandamentos inúteis e atentando para exigências idiotas dos fundadores da igreja como se fossem um mandamento dito por um real ser divino, além de ter servido exaustivamente como obreiro voluntário, levando grande parte dos ofícios da igreja nas costas enquanto o líder religioso levava todo o lucro sem nada fazer, apenas administrando o rebanho.
Imagine essa pessoa sendo sempre perseguida e acusada injustamente por causa fofocas de terceiros e que o líder de bom grado aceitava sem prova alguma e apesar de tudo mostrar o contrário, o líder aplicava punições injustas publicamente a essa pobre pessoa sem nem sequer dá-lhe o direito de se defender.
Apesar de cumprir à risca tudo o que lhe era exigido como “servo de deus”, de fazer todo trabalho voluntário e desempenho pessoal em prol do crescimento desta igreja, esta pessoa sempre tinha a si mesmo e toda a sua família ameaçada de morte, pragas e inferno todas as vezes em que por algum motivo atrasava o pagamento do dízimo, ainda que não fosse intencional.
Imagine que esse crente apesar de ser uma pessoa de caráter íntegro, de respeito na sociedade e de ter uma alta grade curricular, precisava se submeter, levar bronca e servir a um líder religioso semianalfabeto e que acima de tudo era conhecido por seu abuso de poder, estando sempre envolvido nos mais diversos escândalos de ordem sexual, politica, financeira ou desvio de recursos doados por membros.
Imagine que essa pessoa pelo bem da “obra de deus”, mesmo tendo todas as chances de “enterrar o líder” por várias vezes quando sabia de algum novo ato indecente deste, decidia ficar calado para não causar escândalos na igreja procurando obedecer aos ensinamentos internos quanto a esse assunto. Desse modo, tal pessoa torna-se ainda mais perigosa na visão do líder que recompensava tal silencio com ainda mais serviços, ainda mais broncas, ainda mais humilhações, ainda mais explorações e ainda mais abusos baseados na tal “autoridade divina” que todo líder religioso alega ter.
Então essa pessoa, depois de anos à fio nesse ritmo, comendo o pão que o diabo amassou, de repente essa pessoa, levando pressão e abusos de todos os lados, esse “crente fiel” que sempre vivera sob o cabresto da fé e com seu círculo de amizades limitados pela igreja, se depara com pessoas de mente aberta, que pensam, falam e agem diferente dele, e que não se submeterem a um líder religioso, deus ou igreja alguma e mesmo assim conseguem ter uma vida mais saudável, mais harmoniosa e mais feliz que aquele “servo fiel”. Além de tudo, sem achismo, sem misticismo e sem dogmatismo algum, essas pessoas “sem deus” conseguem mostrar por meio da razão, da lógica e de vários segmentos científicos que esse ele, esse servo “fiel a deus” não passa de um trouxa, e que estar jogando sua vida, sua família, sua saúde e os melhores dias de sua vida fora. Que a palavra mais adequada para o seu estilo de vida é CAPACHO.
Essa pessoa sente-se assim há anos. CAPACHO é o termo mais apropriado para sua conduta. Besta, bobo, idiota, estupido, tamborete para outros sentarem, tapete para líder religioso limpar os pés... Tudo isso é verdade, mas esta pessoa sempre foi ensinada que isso faz parte do processo de salvação do homem e ela acreditava assim, pois há milhares de anos esse tem sido o comportamento padrão dos líderes religiosos sob os liderados. Ela nunca se dera conta que havia outras opções.
Durante essa conversa com pensadores diferente, esta pessoa antes oprimida, vê brilhar diante de seus olhos um raio de liberdade, e pela primeira vez depois de muitos anos, em alguns segundos que parecem ser eternos, ela se vê projetando sua vida sem dogmas, sem pressão, sem obediência cega a ninguém, sem medo do inferno, sem ver outra vez sua família sendo ameaçada...Em todos esses anos foi a melhor sensação que aquela indivíduo já provou desde que se juntou a um grupo paranoico que se acham escolhido por deus.
Em sua visão de liberdade esta pessoa não se imagina em orgias sexuais, bebedeiras, cometendo crimes ou fazendo coisas que venham destruir a si mesmo ou a outros pelos mais diversos meios. Não é isso que ele pensa. Isso nunca foi para ele um conceito de liberdade. A liberdade em que essa pessoa se vê nesse curto espaço de tempo é uma liberdade em que o peso da religião lhe foi subtraída, onde o líder religioso já não tem influência sobre este, e todas as infames línguas da “irmandade dos santos” que ela teve de suportar até então já existe ou nada significa para si.
É uma sensação ímpar! Algo à muito tempo não experienciado!
De repente, em um sobressalto essa pessoa é preenchida por um sentimento de culpa e sente-se um traidor ao imaginar-se “deixando o corpo de cristo” ao abandonar a igreja, seu pastor e o seu grupo. Sente-se um imundo só em pensar em deixar a casa de deus.
Ela pensa: “por mais que o meu pastor me humilhe, me explore e me ameace, ele está zelando pela salvação de minha alma! Ele é um escolhido por deus e eu não posso deixar de obedecê-lo”. Ainda completa: “por mais que eu esteja no meio de gente paranoica, fofoqueiras, caluniadoras e de caráter duvidoso, eles fazem parte do rebanho de cristo e vamos todos morar nos céus...
Desse modo, o crente que experienciou uma liberdade momentânea, olha para os que estavam tentando abrir-lhes os olhos e os vê como a personificação do próprio demônio, um instrumento do diabo para desviá-lo dos caminhos do senhor...Este servo fiel se retira amaldiçoando os tais que lhes queriam abrir os olhos e corre para o líder religioso e em particular lhe conta o ocorrido, como ele “vencera o diabo” e repreendera os que “falavam pela boca de um demônio” tentando tirá-lo dos “caminhos santos”, e jura ainda mais lealdade a deus, ao líder e a igreja...
Lamentavelmente essa cena se repete todos os dias em todos os lugares do mundo, onde um líder religioso fala em nome de deus como se fosse deus ou em favor desse, e onde pessoas que pela cultura em que nasceu, por indução ou por ignorância acabaram caindo nas mãos ou sendo fisgados para sistemas de crenças e convivência que mais parecem diretórios do crime organizado e mesmo assim recebem nomes que remetem a locais onde a boa conduta e o bom caráter se sobrepujam.
Bem verdade é que nem todos os agrupamentos religiosos são assim e quem nem todo mundo experienciou na totalidade tudo isso que foi citado acima. Mas, bem verdade é também que em todas as igrejas em que o dízimo ou a obediência cega as lideranças é a regra principal do jogo, todos já ouviram de forma polida ou de forma brusca tais citações, principalmente no que diz respeito as ameaças de morte e inferno caso o dízimo não seja pago.
Bem verdade é que as pessoas que sofrem algum tipo de abuso nas igrejas quais se filiaram jamais assumirão isso para quem estar de fora, pois além de sentirem vergonha, pesam sobre ela o sentimento de culpa e o castigo do próprio deus baseado em Lucas 17:2. Por isso silenciam diante dos mais variados abusos contra si ou contra outros membros do grupo e julgam que isso é um ato de fidelidade ao próprio deus.
Bem verdade é que ninguém convence ninguém a nada e que quem deseja ser convencido de alguma coisa toma a própria iniciativa, vai aos poucos deixando os pré-conceitos, ouvindo vários pontos de vista sobre o mesmo assunto até encontrar um ponto de equilíbrio entre as teses. O processo de liberdade é longo depende mais do oprimido do que do libertador.
Tentar mostrar a alguém que ela sofre abusos nas mãos de religiosos é o mesmo que tentar resgatar do cativeiro um encarcerado que não quer ser resgatado, que tem em suas crenças infantis a esperança de que uma mão justiceira e implacável irá surgir do nada a qualquer instante para derrotar de forma mística os sequestradores, e como em conto de fadas trazer à luz sobre aplausos este que antes estava oprimido. Mas isso não vai ocorrer nunca.
Pior ainda é quando o sequestrado se apaixona pelo sequestrador e acha que tudo isso faz parte de algum fetiche erótico e toda pressão sofrida aumenta ainda mais a excitação sexual do que é molestado...Quem já fez parte de igrejas com ritos ou líderes abusivos já presenciou por diversas vezes tais paixões indecentes e não adianta tirar o que sofre das mãos de quem os oprime pois este ao invés de agradecer-te irá odiar-te e vai se jogar ainda mais aos caprichos do abusador.
O máximo que podemos fazer pelos tais é deixar que estes quando cansados, iludidos e abandonados se deixem tomar por um momento de lucidez e sigam por conta própria o caminho que melhor lhe convier, inclusive o caminho da não submissão aos líderes religiosos.
Toda liberdade tem um preço, e nem todos estão dispostos a abrir mãos de certas coisas para conquista-la. Mas os que a conquistam farão o que for preciso para não se por outra vez sob julgo algum, principalmente dos que dizem ser representante de seres místicos e em nome destes exigir pagamentos, oferendas ou subserviência total.
Saúde e sanidade a todos
Texto escrito em 25/4/20
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.