Coronavírus e os limites do Estado
Sou bem cético em relação ao comunismo, percebo que o instrumental teórico a partir do qual os marxistas lêem o mundo é equivocado, isto é, acredito que a partir de uma leitura de mundo e de uma prescrição de ação marxista as pessoas chegarão a resultados diferentes dos de sua intenção. Entretanto, meus valores são semelhantes aos valores das pessoas que se identificam com esta ideologia, de maneira que a maioria dos meus amigos mais próximos são comunistas. Recentemente um amigo me mandou um uma provocação mais ou menos assim: “Chicão, o capitalismo que eu gosto é este:” em anexo mandou uma mensagem dizendo que o governo dos EUA está forçando empresas a produzirem respiradores (necessários ao tratamento de casos extremos de pessoas contaminadas pelo coronavírus). O uso da Lei de Produção de Defesa sugere que era necessário a intervenção da força do Estado para coagir a GM a produzir de uma maneira diferente do que se a empresa produziria caso deixada às suas próprias decisões. A GM alega que trabalha incessantemente para alterar sua produção para atender às necessidades da população.
Talvez a GM esteja fazendo o maior esforço para refazer a sua linha de montagem e esteja apenas encontrando encontrando dificuldades técnicas (deve ser difícil transformar uma fábrica de carro em uma fábrica de respiradores), neste caso os políticos estão usando a lei inocuamente, apenas para capitalizarem politicamente a produção de respiradores (que já estava a caminho da produção). Talvez, por outro lado, a GM esteja fazendo corpo mole para realizar melhores contratos quando os hospitais estiverem lotados e a população mais desesperada. Ao invés de especular a respeito deste caso específico me é muito mais interessante falar a respeito da situação genericamente: é legítimo o Estado decidir pelas empresas (ou mesmo pelos cidadãos)? Em que circunstâncias?
Estados comunistas consideravam seu dever tomar para si as mais diversas decisões: qual o preço de cada produto, qual o preço do salário, onde deve ser alocado o trabalho das pessoas (fazendas? indústria bélica? serviços (como ser cabeleireiro)? indústria de calçados? ). Um comunista diria que as condições em que a GM vai produzir respiradores deve ser tomada pelo Estado. Por outro lado liberais extremos (que seguem a escola Austríaca) defendem que o Estado nem sequer deve existir. Defendem que toda intervenção do Estado distorce os incentivos do mercado e, embora no curto prazo possa surtir o efeito desejado pelo político, a intervenção acaba por trazer efeitos de segunda ordem muitas vezes imprevisíveis e com consequências devastadoras. Entre estes extremos estão os keynesianos. Eles defendem que o Estado deve intervir considerando os agregados econômicos, ou seja, ao invés de intervir em cada decisão o Estado intervém tendo em mente a macroeconomia, as consequências na política como um todo (ao invés de intervir em cada decisão de cada empresa, como acham justo os comunistas). Qual seria seu posicionamento econômico? Acredito que a maioria das pessoas se definiriam keynesianas, apenas por ser um meio termo entre dois extremos.
Até pouquíssimo tempo atrás eu me definia liberal. Mas percebi que meu entendimento do que é ser liberal é diferente dos das pessoas em geral, de maneira que decidi escrever uma série de ensaios explicando no que acredito, ou seja, explicitando minha ideologia. Neste primeiro apresento o problema dos limites do Estado, no ensaio próximo apresentarei como deve ser decidido este problema.