Momentos finais de um buscador infeliz qualquer

E aí está você de novo no seu quarto escuro depois de um dia longo, com seu corpo cansado, com suas dores, com suas dúvidas, com suas dívidas, sem crédito.

Com imagens vívidas dos mesmos personagens repetindo em sua cabeça as mesmas frases, as mesmas piadas, as mesmas risadas, um mesmo amargor, o mesmo tremor, a mesma desesperança, a mesma incompreensão.

Você de novo aí sozinho no seu frio, na sua escuridão. Abrindo a janela para uma noite sem lua. Brisa que passa sem trazer nenhum perfume. Todas as árvores já não enfeitam as ruas - estão secas. Mas molhado é o asfalto, e também seu rosto. A estação estacionária é a solidão.

E você não vai se abrir. Não vai encontrar palavras que traduzam suas impressões. Não vai encontrar alguém que lhe inspire confiança. Pensamentos emaranhados fazem perder o fio da meada - são automáticos, sintomáticos, psicossomáticos; só trazem reflexos, angústias, e aquela vontade de deixar de existir. Passos pesados no fio da navalha

"O que vai ser? O que vai ser?" As vozes só incitam, querem testar sua fé. A favor de quem será que o universo conspira?

Pululam mensagens daqueles filmes antigos e livros:

"O homem em sua busca não está mergulhado no desespero, e sim na fé." Impropérios!

"Só quem vive tem a real dimensão da experiência." A dimensão é surreal!

"O medo é de ser ou de estar? Pior é partir ou ficar?" E se houver regresso?!

À meia luz no espelho:

"Quem sou eu? Quem é você?"

Não nos reconheço.

"O que fizestes dos teus sonhos?"

Quantos vexames...

"Que estrada que te troxe aqui?"

"Em que ponto te desviastes?"

A retrospectiva passa viva aos seus olhos. Todas suas personas repetindo em seu ambiente todas cenas, todas fases, todas piadas, todas risadas, todo engano. E agora o tremor, a desesperança, o fracasso.

"Todo fracasso é um ponto de partida" A minha partida é pra nunca mais... E pra sempre.

"Quem vai jogar a primeira pá de terra sobre você?"

"Antes, quantos estarão a velar-te?"

Muitos infelizes jubilosos e extasiados com meu decesso, eu sei. Mas talvez não mais infelizes do que terei sido.

Mas tudo é ilusório, eu sei também. Pouco isso valerá.

Só sei dos que amei de verdade. E daqueles que nunca souberam o tanto.

Não me prendam com seus prantos. Há tempos pratico o desapego, mas não é bom arriscar. Só quero um último voo, e o primeiro fatal. A minha partida é pra nunca mais... E pra sempre.

11/3/2020

EuMarcelo
Enviado por EuMarcelo em 14/03/2020
Reeditado em 27/12/2020
Código do texto: T6887979
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