INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO (Parte I). Dedico ao amigo, jornalista Ribeiro Filho
A propósito de um simpático convite do jornalista e professor, Ribeiro Filho, que na rede social, me lançou a proposta de, informalmente, participar de um debate aberto, produzi este texto pontuado por memórias da minha trajetória como aluna e, também, como docente no campo das Letras e das literaturas de língua nacional e de línguas estrangeiras.
Como roteiro e inspiração para o presente ensaio, levo em conta as minhas memórias e alguns pontos levantados pelo jornalista no debate. Disse ele: “O índice de aprovação de alunos da rede pública estadual no Enem é baixíssimo. Os que conseguem aprovação, só conseguem nos cursos que as notas são muito baixas. Ou conseguem vagas nas faculdades particulares com avaliação baixíssima do MEC. Principalmente nos cursos de EAD ou cursos mistos de EAD e presencial. Problema grave que os governos dos últimos 35 anos empurraram com a barriga. Deixaram sucatear completamente a Educação Pública. Nós assistimos nos últimos 35 anos dessa falsa democracia, a decadência do ensino público e a ascensão das escolas e faculdades particulares. Tudo aconteceu e se estruturou depois da abertura política e o fim do Regime Militar. A partir de 1985 a escola pública começa a ser sucateada. Primeiro com a redução dos salários dos professores, depois com a deterioração das estruturas patrimoniais. Tudo passou a ser alvo de roubo e de utilização das escolas como massa de manobra eleitoreira”.
Esforçando-me para revirar as lembranças do meu histórico como aluna, menciono a determinante presença e ação da minha mãe, professora primária e, também, de música e canto orfeônico na Escola Normal Rui Barbosa. Naquela época, as crianças só ingressavam no ensino formal aos sete anos de idade. Era a primeira série do Curso Primário. Antes disso, minha mãe me alfabetizou em casa e, aos cinco de idade eu já lia e escrevia. Disto duvidou Dom Fernando Gomes, Arcebispo de Aracaju. Narrei esse fato em uma crônica cujo título é o nome do prelado (ver nas Referências).
Pronto, os sete anos da minha vida chegaram e fui estudar em um educandário particular na Rua São Cristóvão, da Professora Josefina, a quem dediquei uma crônica (ver nas Referências). Era um pequeno paraíso instalado na sala de entrada da modesta e organizada residência da mestra. Quando se alcançava o quarto ano do Curso Primário, a família matriculava a criança em uma instituição estadual ou municipal para a oficialização dos estudos, isto é, para obter o famoso Diploma. Fui matriculada no Grupo Escolar General José Siqueira de Meneses, situado no prédio onde hoje funciona o Museu da Gente Sergipana, na Avenida Ivo do Prado (Rua da Frente). Foi lá que prestei o exigente Exame de Admissão ao Ginásio. Na sequência, estudei as 1ª. e 2ª. séries no Ginásio Jackson de Figueiredo, do ensino privado, situado no Parque Teóphilo Dantas, onde está a Catedral Metropolitana de Aracaju. Na 3ª série voltei para o prédio do Grupo General Siqueira, que então abrigava o famoso Atheneuzinho. De tanto brincar na balaustrada que envolve o Rio Sergipe e com a liberdade que transpirava do nome Atheneu, fui reprovada em quatro disciplinas e mais no conjunto, a média. A professora Maria Lima, minha mãe, tomou uma atitude e disse: Você fará a 4ª. série ginasial na Escola Normal e cursará o Pedagógico para ser professora. Obedeci em parte. Egressa do Atheneu cheio de alegria e de rapazes e moças na mesma sala de aula, estranhei aquela escola onde só havia moças, quase todas namorando ou noivas, bordando os enxovais em telas de bastidores. Aquele não era definitivamente o mundo que me atraía. Não achava a menor graça em me casar, pior ainda, em receber ordens de namorado, noivo ou marido. Aquelas moças com aliança no dedo me causavam antipatia, conversando nos intervalos coisas como "meu noivo não deixa”, “não posso ir”, “só vou com meu noivo”, etc. Misericórdia.
Teimei, insisti, clamei até que a minha mãe me levou de volta para o Atheneu, naquele momento sob a direção da Professora Rosália Bispo dos Santos, dessa vez no colégio grande, no bonito, no famoso, localizado no Largo Graccho Cardoso. Cursei o Clássico de Humanidades, isto sim que me agradava e muito. Findo o curso, veio o vestibular que me levou para o ILAUFS (Instituto de Letras, Artes e Comunicação da UFS), Curso de Letras Português/Inglês.
Tomo agora os pontos mencionados por Ribeiro, a exemplo do ENEM, as notas baixas, faculdades particulares de baixo conceito no MEC, e problemas relacionados ao sistema EAD. O vestibular que prestei foi o último do modelo antigo, por área de conhecimento, e com prova oral e escrita. No meu caso, com os olhos azuis do Professor João Costa fincados nos meus, arguindo-me sobre Os Corumbas, de Amando Fontes. Não há termos de comparação com a realidade atual. Não mesmo. Ainda bem! O mundo é outro e o melhor é tentar conviver com as realidades que ele nos apresenta.
E o que exatamente os governos “empurraram com a barriga”? Empurraram ou fomos todos empurrados por novos conceitos e metodologias que eclodiam pelo mundo ocidental? Tudo tinha gosto de novas e desconhecidas experiências que os responsáveis pela Educação aceitavam sem muito questionamento. Nas escolas e nas faculdades a regra era obedecer às orientações do MEC. A cada momento uma situação era enfrentada por alunos, professores, diretores e vice-diretores, nas escolas; e reitores de universidades. Os modelos de ensino e aprendizagem tinham muito a ver com os dos norte-americanos, em especial. Íamos sobrevivendo às ondas violentas do saber sem saber.
As sociedades apresentavam o crescimento demográfico e exigiam a inclusão de todos na escola, a Constituição Federal também lutava pela universalização do ensino e da aprendizagem. Falava-se do embate entre qualidade e quantidade e em como fazer funcionar algo tão complexo.
Veio o período em que a crítica não perdoou a queda da qualidade do ensino. Salas de aula, cujo número não podia ultrapassar os vinte e cinco alunos, passaram a abrigar sessenta e até mais estudantes, fosse como fosse. Não vou negar, até hoje, a despeito do avanço das tecnologias, não tenho a certeza de que qualidade casa bem com quantidade.
Quanto ao surgimento da EAD, não vejo problemas, penso ser um sistema ideal para um país ideal, para um povo que sabe o valor do estudo e que não precisa de palmatória e nem de arguição. Seria esse o nosso caso? Bom, se não o é para muitos, mas para alguns, sim!
No que diz respeito ao sucateamento da Educação Pública, não apenas se ponha a culpa da esfera da gestão pública governamental, mas no acasalamento interesseiro dela com a ganância capitalista da Educação Privada. Acompanhei a evolução em Aracaju. Tínhamos os colégios Jackson de Figueiredo e o Tobias Barreto como estrelas desse tipo de ensino. Timidamente surgiram os colégios Tiradentes e Pio Décimo, pai e mãe da expansão do ensino particular. Veio a etapa de explosão de pequenas escolas criadas em residências e em pequenos imóveis sem as condições indispensáveis para que um estabelecimento de ensino tivesse seu funcionamento aprovado. Estudar no Atheneu era o sonho de muitos, mas como passar nos rigorosos exames de seleção e nas avaliações ao longo dos cursos ginasial e colegial (Clássico e Científico)? De toda maneira, e como é Brasil, o universo escolar foi se expandindo e facilitando a matrícula (instrumento politiqueiro) de muitos que não tiveram chance de frequentar escolas, por esse ou aquele motivo. O Estado e a Prefeitura visavam o lucro político. E o povo pagando a escola pública que se especializava na criação de mecanismos excludentes; e a particular em que, em se pagando, o aluno estudava e passava de ano, o folclórico “papai pagou, filhinho passou”. Daí o resultado foi como naquela letra de José Ramalho, em Cidadão:
“'Tá vendo aquele colégio, moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai, vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
A encruzilhada ficou mais perversa e o dinheiro público passou a financiar bolsas, professores e até livros para a causa do ensino privado que, por sua vez, escarrava no prato em que comia. Assim, a cada ano aumentavam a oferta e a procura. O próprio cidadão cegou de vez e trabalhou de graça para elogiar “as armas e os barões assinalados” e os feitos do ensino privado. Lá se ia o barco da educação pública fundeando, o ensino sendo sucateado. E professores, pasmem, professores mudaram de comportamento e passaram a elogiar e engrandecer o nome dos estabelecimentos particulares como, de sobra, falavam mal dos alunos da rede pública, os verdadeiros ricos que, uma vez roubados em seus dinheiros e direitos, passaram a ser chamados de alunos carentes. O Estado e a municipalidade abriram a cova para a Educação, enterrada viva. Como autômatos, cidadãos repetem até hoje que boa é a instituição privada, pois não tem greve. Melhor nem me aprofundar nesse pormenor... Aí estão, para quem quiser ver, os impérios que se formaram a partir daquelas escolas fundadas precariamente em residências, assim como uma igreja começa numa garagem e vira um malfadado reino de falsa fé.
Concluí o Curso de Letras no ano de 1972. Antes, no terceiro ano seriado da faculdade, em 1971, tinha contrato assinado pela Secretaria Estadual da Educação, que a todo momento mudava de nome e de Secretário. Entrei como substituta da Professora Guadalupe (in memoriam). “Confesso que vivi”, como aluna e como professora, o período do militarismo. Nem sei como, crítica que sou, escapei ilesa. Era mais crítica, uma espécie de jovem sem uma causa definida, “caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento”. Em 1976 vieram o lenço e o documento, prestei concurso e me tornei professora efetiva da Rede Estadual de Ensino. Entendo que, em detrimento de momentos de harmonia e respeito ao professorado, de toda maneira sempre servimos de massa de manobra, quer desses, daqueles ou daqueles outros interesses e ideologias.
(...)
REFERÊNCIAS
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4662007
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/726952