Novas Considerações Sobre a Arte

12.02.20

Prólogo: Tudo é Arte?

(i) O nada, sabemos, não é. E espacialmente não há o nada num espaço onde há qualquer coisa. O nada absoluto e substancial, portanto, parece inexistir, pois até no vácuo há algo: Espaço vazio. A consciência entretanto, só pode conceber as ideias a partir daquilo o que sua Forma-Limite permite abstrair da realidade, portanto, em algum nível, o nada de fato, existe, ao menos enquanto fenômeno.

(ii) O tudo é a contingência de todas as coisas, a totalidade do que é cognoscível(e também do que não é) forma o que temos por “tudo”. O tudo não pode ser apontado categoricamente, isso porque não conhecemos e não nos é permitido conhecer tudo, visto que a potencialidade do conhecimento se limita à nossa forma. Não podemos dizer, por exemplo, que todos os gansos são brancos, porque não conhecemos e não conseguiriamos conhecer todos os gansos, ou que todos os chimpanzés têm pelos, pois não conhecemos todos os chimpanzés. Podemos somente fazer uma conclusão lógica, que embora pareça plausível não teríamos como saber se corresponde à realidade dos fatos, pois não conseguimos atingir a totalidade dos fatos, como aponta Karl Popper.

(iii) O tudo, sendo a contingência de todas as coisas, pode incluir até mesmo o fenômeno do nada.

(iv) “Tudo é arte” é uma frase que comumente se usa para definir o que é a arte, atribuindo artisticidade a todas as coisas. A frase no entanto cai em contradição ao percebermos que se tudo é arte então nada também pode ser. E por excelência, nada não pode ser arte, visto que arte é, por excelência algo.

(v) Se arte for “nada” haverá uma banalização do fazer-artístico em detrimento do esgotamento da conceituação daquilo o que é arte. Arte portanto, não pode ser tudo, mais especificamente, arte não pode ser “qualquer coisa”, tendo em vista a necessidade da manutenção do conceito de arte para o norteamento do fazer-artístico.

I. Introdução.

Onde quer que procuremos, muito difícil será achar uma conceituação de “arte” que agrade o nosso paladar. Os leigos, especificamente, parecem ser os mais confusos quanto ao conceito, quando não respondem com idealismo e romantismo dizendo coisas como “arte é aquilo que eleva o espírito” respondem com uma generalização tosca que muito tange o “tudo é arte”. Isso muito ocorre com as ciências humanas, com a filosofia e a poesia por exemplo, ninguém sabe responder categoricamente a o que são esses conceitos sem ser um idealista ou um romântico. Quando quiser certeza ou razão, o senso comum é o último lugar no qual deve procurar.

Quando procuramos em filosofia da arte o que, de fato, é arte, podemos continuar confusos, diferentes visões de diferentes filósofos não conseguem compreender a totalidade da produção artística contemporânea. A arte portanto, parece carecer de uma objetividade no germe de seu conceito.

Um método para definir, distinguir e caracterizar a arte se faz necessário, não obstante, tal método precisa também compreender a totalidade das diferentes formas de expressão artística. Para tanto: a fundamentação de um método do julgo da arte é o que estamos buscando neste ensaio. Para isso partiremos de algumas premissas até então fundamentais para julgar a arte,a primeira delas, como concluímos é a de que: “Arte não pode ser qualquer coisa”.

II. Uma Breve História da Técnica.

A história da Arte ocidental, e mais especificamente da sua técnica, pode ser dividida em 3 principais períodos generalizantes, sendo estes períodos o religioso-naturalista, o naturalista e o modernista.

O período religiosO-naturalista compreende boa parte da produção artística que ocorreu até a época da escola do humanismo, antes disso entendia-se arte como uma forma de louvar o divino. As duas principais civilizações que o fizeram foram a greco-romana e a européia cristã. Na greco-romana podemos perceber isso principalmente nas artes do teatro e da escultura, que sempre estiveram relacionadas de alguma forma a homenagear e exaltar os deuses. Com a hegemonia do cristianismo e o forte senso de fé que veio com ele a produção artística validada pela consciência coletiva, ou mais especificamente, pelas instituições de poder, era sempre uma arte que se voltasse à exaltação do divino, as esculturas, a música, os afrescos, o teatro, a dança, agora todo o segmento da arte tinha essa face religiosa. Esse período é também chamado de naturalista pois a arte se voltava a reproduzir o natural ou o “real”, por assim dizer, a característica de imitação da realidade era considerada de suma importância para a técnica e para o fazer artístico, e era considerado como abominável ou inexpressivo qualquer obra que tentasse fugir da Forma e do Corpo das coisas como elas são.

O período que eu chamo de “naturalista” da arte compreende, como já dito, a produção que surgiu a partir do movimento humanista. A efervescência de novos ideais e novas filosofias, e também o avanço da ciência e consequentemente da técnica vinheram a fazer o homem questionar o poder do divino e a subserviência do humano a qualquer entidade que seja, percebendo(ou talvez criando) sua magnificência e sua grandeza o homem questiona: por que a arte deve voltar-se a um deus? por que não a mim? E assim o faz, a arte passou a ser antropocêntrica, não estou dizendo que simplesmente parou-se de produzir a arte voltada à exaltação para o divino ou que cessou a produção artística voltada aos centros religiosos(igrejas), não. O que está sendo dito aqui é que a arte agora não era dependente de uma roupagem religiosa por excelência para ser considerada arte, e as reproduções artísticas agora pareciam muito mais “humanas”, ou muito menos inteligíveis por assim dizer, o que se via na tela, no desenho ou na construção não era qualquer coisa divina ou inalcançável ou algo que foi inspirado por deus, via-se na produção artística, independente da temática algo humano, e se me permitem: demasiado humano. Chamo de “naturalista” esse período em relação à técnica, como já apontado houve um avanço na técnica, e doravante na técnica artística; estudos de perspectiva, sombreado, profundidade e composição por parte dos acadêmicos, tal qual o advento da pintura a óleo e novas técnicas de óleo e afrescos e também, e claro, o incentivo dos mecenas, são alguns dos responsáveis pelo avanço dessa técnica que agora exprimia um realismo exemplar e um uso de cores notável. O ápice da técnica naturalista se deu, nota-se, no período que entendemos por sendo classicista, que foi um divisor de águas quando se fala de arte e estética, historicamente muitos situam a arte como “antes ou depois” das produções desse período e esteticamente essas produções são referências até os dias atuais.

No que tange à técnica, a arte se manteve como “naturalista” durante um ´certo tempo; Por naturalismo como técnica entende-se o êxito em reproduzir a natureza ou simplesmente o Objeto, de forma que o fenômeno da Arte não distoe da fenomenologia do Indivíduo. Ou simplesmente, uma arte que seja fiel à realidade em cor, forma e composição.

Na fundamentação do romantismo podemos perceber como a cultura burguesa ascendente questionava de certa forma a produção artística. E esse questionamento da arte e o surgimento de uma nova visão de mundo, seguido de novas filosofias, veio a dissolver o que se entendia por “Arte como ela deve ser” ou a arte academicamente aceita, isso porque, questionar o poder dos nobres era também questionar o academicismo. Por que o monopólio do conceito de arte deveria pertencer a uns tantos desses artistas e estudiosos que ficam entre os nobres? A arte burguesa questionou essa ideia até então vigente e, apesar de semelhante técnica, procurou criar a sua própria concepção artística. O academicismo e portanto o naturalismo foi se dissolvendo em função das insurgências culturais e revolucionárias que questionavam o status quo, eu arriscaria dizer que é na produção simbolista que podemos notar um distanciamento da técnica e da temática desse período naturalista, a arte agora estava caminhando para novos horizontes.

O impressionismo e o simbolismo foram coexistentes e estabelecem de certa forma uma relação umbilical, pode-se dizer que o impressionismo quebrou radicalmente com a técnica do naturalismo mas foi tão somente com o pós-impressionismo que podemos perceber uma verdadeira superação da técnica naturalista juntamente com a superação da forma, da cor, do corpo e da estética. Se eu tivesse que apontar quais “rebeldes” fundaram a arte moderna eu apontaria para o pós-impressionistas, entre eles eu daria destaque à Cézanne, ao grande Gaughan, e claro, ao inesquecível Vincent Van Gogh.

O modernismo veio para mostrar que arte não é somente o que é belo, o modernismo veio para questionar os limites da arte e expandir o seu conceito para algo que transcende o próprio conceito, entre as produções desse período da história eu posso citar algumas que considero por sendo as mais geniais, entre elas as produções de Basquiat, de Francis Bacon, de Andy Warhol, de Jackson Pollock, de Mark Rothko, do grupo do Die Brücke, do Kandinsky e de tantos outros! E olhe que estou falando somente na área da pintura! Na música e na poesia houveram também produções indescritíveis e uma enorme profusão de novos gêneros e concepções musicais e poéticas, talvez seja a música seja o melhor gênero artístico a apontar esse fantástico porvir da técnica, com a ebulição de uma enorme gama de novos gêneros musicais, se formos comparar o século XX a qualquer século anterior quando se trata da música haverá de fato um espanto, pois o século do modernismo veio de fato para mudar tudo o que até então se conhecia por conceito e produção artística.

Podemos perceber que a técnica e a estética e, por excelência, a concepção de arte está ligada diretamente à cultura e ao período histórico, e é através de uma dialética histórica e cultural que se estabelece a conceituação da arte. O que para nós, hoje, é belo, para os antigos seria uma afronta ao conceito do artístico, e isso bem sabemos. Essa transfiguração do conceito artístico, se existe para o bem ou para o mal é discutível. no entanto podemos perceber: Com o modernismo na técnica artística veio uma total cisão com concepção estética do período naturalista da técnica, esse novo período questiona, como já dito: a forma, a cor, o corpo, a composição, a estética e doravante questiona, em função do conceito que o antecede período: o que é a arte? E pode-se dizer que foi aí e tão somente aí que o conceito de arte passou para a subjetividade da consciência coletiva. Não porque “a arte foi banalizada” ou porque “a arte ficou mais simples” como apontam alguns conservadores ainda muito ligados ao período anterior, mas sim porque a metamorfose da técnica, da estética e da concepção nos trouxe uma arte tão complexa e tão abrangente que para qualquer cabeça despreparada é totalmente difícil conseguir apontar o que é, categoricamente, a arte.

III. Isso é arte?.

Ainda no contexto do modernismo, uma das produções que é conhecida por ser a mais controversiva e também uma das mais questionáveis pelos conservadores do conceito artístico é a obra “A Fonte” de Marcel Duchamp. Em 1917 o artista francês associado ao movimento do dadaísmo, movimento conhecido pela busca da “anti-arte” e da total quebra com os padrões artísticos, inscreveu em uma exposição uma peça que consistia em um mictório de porcelana com o pseudônimo de “Sr. Mutt” escrito nele. E muitos se perguntaram, e ainda se perguntam: “isso é arte?”. “Um mictório de porcelana, que não foi nem sequer o artista que fez, por que eu deveria considerar isso como arte? O que diferencia esse mictório de um mictório qualquer?”.

Duchamp retirou um objeto comum de seu cenário habitual e o ressignificou através do contexto da arte e do museu, colocando-o num cenário novo e incomum. O ato de Duchamp era causar justamente esse impacto, e fazer as pessoas se questionarem sobre o que é arte e porque qualquer coisa dentro daquele museu é arte e qualquer coisa fora dele não é. E eu te pergunto: Por que o que está dentro do museu é arte e o que está fora dele não é? O que diferencia Objetos Artísticos de Objetos Não-Artísticos?

A resposta está no ato de Duchamp, ele mostrou que pode-se pensar abstratamente(Hegel) um objeto qualquer a partir do contexto de seu uso, ou em poucas palavras, Duchamp demonstrou que para um Objeto tornar-se um Artefato é necessário também uma Intenção Artística por parte de quem o criou. E isso, arrisco dizer, é o fator determinante para diferenciar artefatos de objetos.

Por que, por exemplo, este desenho que pendurei na parede é arte e este computador em que estou escrevendo não é? O computador, embora tenha um design e um estilo próprios não foi concebido através de uma Intenção Artística, o Objetivo do objeto computador não é ser arte, e sim ser útil, por isso o computador é um Utensílio e não um Artefato. Já o desenho foi concebido única e exclusivamente através de uma intenção artística, e por isso pode ser considerado como arte. Por que um tapeçaria indiana é arte e um tapete qualquer não necessariamente o é? A tapeçaria indiana foi concebida através de toda uma tradição técnica e estética e goza de uma intenção artística, ela foi concebida para ser bela, o tapete qualquer foi concebido para ser comprado e pisado, a tapeçaria é um artefato, o tapete, um utensílio. E os exemplos que posso citar sobre esse aspecto da arte são incansáveis.

Até agora conseguimos auferir algumas máximas acerca do conceito de arte, primeiro nós concluímos que nem tudo pode ser arte, isso pois, essa concepção é nociva ao próprio conceito da arte e banaliza a produção artística. Doravante, através de uma análise da dialética histórica da técnica conseguimos notar que a obra não precisa necessariamente ser bela ou gozar de qualquer técnica avançada para ser considerada como arte. Agora notamos, através da observação de concepções artísticas insurgentes, que a intenção artística está intimamente ligada ao que pode ser considerado arte e ao que não se pode.

IV. Características de Uma Obra de Arte.

No ensaio que antecede a este, “Considerações Sobre a Arte” dediquei toda a terceira parte à dissertação das características de uma obra de arte em função de um método do julgo da arte. Ter em mente as características de um Artefato se faz necessário em primeira instância para uma crítica e avaliação do mesmo enquanto objeto artístico e também para a diferenciação do dito cujo em relação a objetos não artísticos. Mesmo tendo escrito sobre essas tais características no ensaio anterior pretendo dissertar sobre as mesmas uma outra vez, mas claro, sem transfigurar a ideia principal dos conceitos.

Antes eu havia dito que as características presentes no artefato são a Carthesis, A Mimesis e a Técnica, nessas novas considerações sobre a arte aponto que deve haver também a Intenção Artística, ou simplesmente “Intenção”, como chamarei daqui em diante.

A Carthesis, em poucas palavras, é a expressão artística ou a expressividade da obra.

Carthesis diz respeito à expressividade e sentimentalidade do objeto, isso é, aos sentimentos e emoções que o Artista tenta transmitir para o observador através de sua própria subjetividade.

(Considerações Sobre a Arte. Parte III.)

Uma tentativa por parte do artista de expurgar um sentimento ou emoção através de uma produção artística, “a arte é uma forma de expressar-se” alguns dizem, e estes não estão errados. Enquanto linguagem, a obra de arte pode tentar exprimir sentimentos, e o observador através de sua subjetividade pode incorporar esses sentimentos a si. A arte tem esse poder(de ligar pessoas à sentimentos) de forma dantesca que pode até mesmo causar a famigerada Síndrome de Stendhal. A beleza da arte tem também a face de uma construção social, no entanto o Sublime(Edmund Burke) da arte transcende a técnica e a cultura do belo.

Das formas de produção artística algumas das que percebo serem as mais expressivas diriam que são a Poesia, A Música, O Teatro e A Performance, na verdade, esses 4 gêneros de arte não são tão diferentes entre si assim. Claro que há carthesis num desenho, numa escultura, numa tela, num afresco ou num filme por exemplo, mas os gêneros artísticos que parecem mais depender da carthesis para a completude da obra são aquelas 4 formas supracitadas. Afinal, retirar a expressividade e o sentimentalismo de uma poesia ou de uma música parece fazer a produção perder o seu sentido, não é mesmo? Por vezes, pode-se dizer, esses gêneros são os mais tocantes, os quais o indivíduo se sente mais envolvido e hipnotizado pela obra, isso não por menos, é quase por excelência que esses gêneros artísticos tocam o coração do indivíduo.

No entanto, perceba, uma obra não precisa de uma Carthesis elevada ou sequer de carthesis para ser considerada como arte, um desenho de observação ou de anatomia é uma obra de arte e nem por isso expressa qualquer coisa além da imagem no papel, uma escultura de um homem andando pode ser simplesmente uma escultura de um homem andando sem querer necessariamente expressar qualquer coisa, existem certos gêneros da arte os quais a Técnica e a Mimésis, ou a Intenção se sobrepõem à Carthesis enquanto característica fundamental da obra. Uma Obra de arte não precisa ter necessariamente essas 4 características para ser uma obra de arte, mas um objeto que não tiver nenhuma delas sem dúvidas não será um objeto artístico.

A Mimesis tem haver em como a obra de arte tenta imitar o mundo real, mimesis vem de “mímica” ou imitação. Mimesis por vezes está relacionada á técnica artística, visto que uma imitação fiel do mundo real num papel ou tela através de um pincel e meia dúzia de tintas não é algo que qualquer um consiga fazer. A mimesis foi considerada o conceito ou característica fundamental da arte por muito tempo, os períodos religioso-naturalista e naturalista da técnica foram períodos quase que totalmente miméticos quando se trata das obras de arte, os pintores e artistas desenhavam somente através de modelos vivos e cenários reais para que a tela exprimisse a realidade como tal, uma tentativa de imitar a natureza(não falo aqui de plantas e árvores), isso é, as coisas em seu estado natural. Qualquer mudança da anatomia, da perspectiva ou da composição e a obra passaria a ser considerada como uma arte ruim ou simplesmente não seria considerada como arte. A Mimésis esteve associada sempre ao sentimento e à estética do belo, a beleza das coisas em si, mas por vezes também esteve associado ao pitoresco sentimento estético que se manifesta através da observação de paisagismos artísticos, trazendo para o indivíduo um estado contemplativo único. Também pode haver o sentimento estético do já dito sublime, mas este, perceba, ocorre somente mediante um equilíbrio entre a mimésis e a carthesis, de modo que toque toda a cognoscência do indivíduo e o envolva por completo, o Sublime é um estado contemplativo único onde a subjetividade do indivíduo sente o inexprimível, é o choque que temos, por exemplo, quando diante de uma tempestade ou diante de uma sinfonia de Beethoven.

No entanto, sabemos, uma obra de arte não precisa necessariamente imitar a realidade para ser uma obra de arte, e isso é perceptível quando tratamos da arte abstrata, que mesmo sem nenhuma forma palpável ou cognoscível na tela pode tocar e transmitir o sentimento de beleza ao indivíduo sem necessariamente imitar qualquer coisa do mundo natural. Isso se torna perceptível em obras como a de Mark Rothko e Jackson Pollock, que através de técnicas e conceitos aparentemente controversivos e peculiares(no que tange ao preceito de arte enquanto mimesis) conseguem criar obras admiráveis que levam o observador a um estado extremamente único de contemplação. Poderia ainda citar o teatro do absurdo, a body art, e tantas outras expressões artísticas insurgentes que desafiam a lógica, o academicismo e a técnica e que, no entanto, trazem uma expressividade extremamente única, e conseguem demonstrar que o “belo”, contemplativo e o estético da arte não se restringem às obras de arte que tentam recriar a realidade. Afinal, se arte fosse somente imitação da realidade, então deveriamos ter trocado as telas e os pincéis por máquinas fotográficas.

Existem ainda obras de arte que levam a mimesis ao extremo e imitam com uma técnica precisa a realidade como tal, é o caso do foto-realismo ou do hiper-realismo, movimentos artísticos que ocorrem na pintura e na escultura e têm por objetivo a imitação perfeita e categórica da realidade. Esse movimento surgiu numa época em que se pensava que a máquina havia superado o homem no tocante à arte, falo aqui principalmente da fotografia e do cinema, antigamente se perguntava se essas artes não substituiriam os artistas. Através do aperfeiçoamento da Técnica artística alguns artistas conseguiram chegar à perfeição da imitação do real, criando imagens que conseguem ser tão realistas quanto fotografias, às vezes até mais, diante de uma obra realista muitos não conseguem distinguir o Artefato da realidade extra-artística. Esse tipo de obra consegue atingir o belo através do viés técnico, o que surpreende na obra não é a imagem que o observador está vendo, mas o fato da possibilidade de ser possível reproduzir tão verossímil imagem através de uma técnica artística.

A Técnica ou Téchnê do grego τέχνη(técnica ou ofício) pode ser considerada o método pelo qual se concebe a obra de arte(aqui falamos especificamente da técnica artística). Isso é, é através de um procedimento ou conjunto de procedimentos que se realiza o produto artístico, esses procedimentos são o que chamamos de técnica. Cada gênero artístico tem uma técnica específica para a sua realização, cada técnica tem seu próprio conceito e fim, na pintura, por exemplo, se quisermos fazer uma sombra ou penumbra mais fiel à realidade através de um gradiente de tonalidades poderemos usar a técnica do esfumado(ou sfumato), desenvolvida por Leonardo Da Vinci e usada para fazer as sobrancelhas dA Gioconda(mais comumente conhecida como Mona Lisa). Se na poesia quisermos poemas com certa sonoridade e musicalidade podemos usar a técnica das trovas, ou dos versos alexandrinos, se quisermos uma prosa poética poderemos usar dos versos spencerianos, que Lord Byron utiliza em seu “Beppo: Uma História Veneziana”. Na literatura se quisermos descrever uma cena em um livro poderemos tentar imitar a técnica da adjetivação de Jospeh Conrad, mas se quisermos registrar os fragmentos de tempo então podemos utilizar da técnica do romance epistolar, como vemos em Werther de Goethe ou Drácula de Bram Stoker. Esses exemplos foram utilizados para ressaltar que: para cada expressão artística existem técnicas diversas que podem ou não ter nomes específicos, geralmente os artistas se utilizam da técnica de artistas antecessores para produzirem a sua própria estética, mas cada artista no decorrer do amadurecimento de sua produção artística irá desenvolver sua própria técnica visto que nenhum artista consegue imitar ou reproduzir, na totalidade, um outro.

Cada artista desenvolve sua própria técnica, e cada técnica tem uma função específica, as técnicas por vezes são uma marca registrada e única dos artistas, quase como se fosse uma assinatura que atinge a completude da obra. Toda obra de arte tem uma técnica específica para a sua concepção, no movimento dadaísta, que procurava a superação do academicismo e sua técnica e buscava a anti-arte, podemos perceber um técnica bem específica ou “anti-técnica” por assim dizer, na concepção das obras desse movimento, a técnica está sempre relacionada à finalidade da obra, se quisermos reproduzir o real, então teremos que utilizar as técnicas produzidas pelos artistas e pintores naturalistas, se quisermos uma música harmônica com cadência e sinfonia então teremos muito a aprender com a técnica que os músicos clássicos utilizavam na concepção de suas músicas, mas já se quisermos uma música mais gritante e rasgante, que tenha o tom de insatisfação e protesto, então poderemos nos inspirar nos músicos do heavy metal por exemplo.

No tocante aos termos históricos podemos perceber que a técnica(mais especificamente a técnica artística) está intimamente ligada ao avanço da técnica em geral, ou, se soar melhor, aos avanços tecnológicos da sociedade. Quanto mais se desenvolvem tecnologias mais se desenvolvem as técnicas artísticas e isso é evidente, antigamente eram feitas pinturas rupestres com extrato de flores, hoje podemos telas e murais com uma diversidade de tintas, pincéis, diluentes e solventes, espátulas e tantas outras coisas para conceber o produto artístico. No desenho temos diversos materiais que implicam diversas técnicas, folhas com gramaturas diferentes, canetas com tintas de origens diferentes e pontas de tamanhos diversos, grafites com tamanhos diversos, diferentes tipos de borrachas e enfim, uma infinidade de coisas que só são possíveis em detrimento do avanço tecnológico ou avanço da técnica em geral.

Já foi brevemente falado sobre a Intenção Artística de uma obra e aqui dissertaremos melhor esse conceito. Entenderemos por Intenção o objetivo do artista em relação à concepção da obra.

Imaginemos, por exemplo, um abacaxi exposto na sala de um museu. Por que eu deveria considerar aquilo uma obra de arte? A princípio parece ser somente um abacaxi, uma fruta retirada da natureza e exposta numa sala, nada de artístico nisso, mas devemos inspecionar a intenção artística por trás daquela exposição. O abacaxi, no contexto do museu, se torna um objeto artístico, então teríamos que analisar o Objeto abacaxi não como uma reles fruta, mas sim como obra de arte e em relação a essa obra-abacaxi o que podemos nos perguntar sobre aquela fruta exposta? Por que ela está ali? Qual o tamanho desse objeto em relação à sala? Há alguma nota sobre esse objeto na exposição? Qual o nome da obra? O que o nome da obra tem a ver com a mesma? E por aí vai. É fazendo esse tipo de investigação que conseguimos atingir a intenção artística e, portanto, entender a mensagem que o artista quis nos mostrar expondo um abacaxi numa sala de museu.

Para ilustrar melhor essa ideia, imagine que você vai a um museu e se depare com a obra Quadrado negro sobre fundo branco(1918) do russo Kasimir Malevich. Obra de arte que, para um leigo, não passa de um quadrado pintado em preto sobre uma tela branca.E com isso você talvez se pergunte: “Isso é arte? essa coisa tão simples e mundana, nada impressionante, nada sublime, uma imagem tão mínima e tão básica, um quadrado preto? Eu mesmo conseguiria fazer isso!”, mas lembre-se: a arte não é só aquilo o que você acha bonito, arte e beleza não são necessariamente sinônimos, uma obra de arte pode ser feia e no entanto, continuar sendo arte, uma obra de arte pode ser simples e continuar sendo arte. A arte não se resume à “imagem” que vemos ou se essa imagem nos agrada ou não, a arte pode ser também, e em certos casos deve ser mesmo, desagradável. Arte não é só a imagem, só a mimesis, ela é também expressão, técnica e intenção.

E analisando a obra do russo Malevich conseguimos entender porque algo tão simples quanto um quadrado preto pode ser tão enigmático. A obra está no contexto do movimento artístico conhecido como suprematismo na Rússia, esse movimento artístico procurava romper com a técnica clássica da arte, a ideia de imitar a natureza, a luz e a sombra, a proporção, romper com o naturalismo e com a ideia de que “pintar é imitar”, procurava-se uma arte que rompesse com o mundo objetivo. O suprematismo procura também um certa sensibilidade plástica no sentido de que na obra deve prevalecer o inteligível sobre o sensível, isso é, aquilo o que experimentamos com os nossos sentidos, sobretudo a visão, pouco importa, o que importa é o que aquela obra nos faz sentir, o que a obra nos transmite, o suprematismo tem esse nome por procurar, como exprime Malevich em seu manifesto “Do cubismo ao suprematismo” a “supremacia do puro sentimento”, isso é, o essencial para a obra não era a imagem na tela, mas sim o sentimento em si mesmo.

Pode-se dizer que o suprematismo é algo muito mais poético do que mimético, e isso fica ainda mais evidente quando interpretamos a famigerada obra “Quadrado negro sobre fundo branco”.

Naquela tela em branco algo foi pintado, algo que está muito além da Forma e da Imagem, muito além da Geometria ou da Natureza. Podemos ver um quadrado negro, como se estivesse faltando algo na tela, como se nela houvesse um vazio, e há: o vazio preenche a tela, e é sobre isso o que se trata esta e outras obras de Malevich, o vazio, a falta de sentido humano: "Eu sentia apenas noite dentro de mim, e foi então que concebi a nova arte, que chamei suprematismo" disse o artista. A obra fala sobre o vazio da experiência humana, a tristeza, a angústia, coisas que vão muito além do exprimível, muito além do representável, do naturalístico, na psicologia percebemos essa face do ser-humano quando notamos que existem dores tão íntimas e tão indeclaráveis que só se expressam na forma de sintomas. A obra de Malevich e um sintoma da noite que dominava seu coração e também um sintoma de seu gênio artístico, muito mais que um quadrado negro sobre uma tela branca, quadrado negro sobre uma tela branca é um sentimento, uma poesia, uma obra de arte.

(Vale ressaltar também que essa obra não carece em técnica, isso porque, percebamos, o quadrado negro está perfeitamente inscrito na tela, uma forma geométrica perfeita e feita à mão, e acredite, não é tão fácil reproduzir uma forma sobre uma tela com tamanha perfeição. Eu, que tenho certa experiência com a tinta a óleo e a tinta acrílica e não consegui reproduzir a obra de Malevich; Essa técnica da “Forma Perfeita”, podemos assim chamar, fica muito mais evidente na produção artística de Piet Mondrian, que passou a ser conhecida como “Neoplasticismo” um movimento dentro do Minimalismo Artístico que também tinha por objetivo a forma geométrica. Embora a princípio pareçam formas e cores simples, não é tão fácil reproduzir uma obra daquelas, pintar formas perfeitas, inscritas e sobrepostas, polidas e lisas numa tela branca, não é uma coisa que qualquer um consiga, e se você duvida então te convido ao experimento. É muito fácil, enquanto leigo, julgar uma obra de arte como “simples” se o indivíduo cujo dito nunca pegou num pincel ou leu um livro de história da arte, é muito fácil dizer que a obra é feia, é repulsiva, repugnante, desagradável, sem conhecer o contexto e a intenção artística da mesma.)

V. A Arte Pode Ser Comparada?

Mesmo após esses breves parágrafos supracitados que tratam do básico de estética, filosofia da arte e história da arte ainda haverão alguns teimosos em relação ao conceito artístico: “se é feio não é arte” alguns dirão, como se fossem os maiores críticos e maiores conhecedores da arte da face da terra.

Até o presente parágrafo conseguimos constatar alguns princípios em relação à arte e ao julgamento artístico:

(i) Arte não pode ser qualquer coisa.

(ii) O conceito da arte é cultural, e não subjetivo.

(iii) A arte não precisa ser bela para ser considerada arte.

(iv) A obra de arte não se resume àquilo o que vemos.

São estes 4 dos princípios que conseguimos constatar e concluir através deste ensaio e que fundamentam brevemente uma conceituação para o entendimento do que é a arte no mundo contemporâneo e, sobretudo, o que é a pintura, o desenho e a imagem. Reconhecendo essas 4 premissas consegue-se entender melhor a diversidade e complexidade da expressão artística no mundo moderno e livrar-se de preconceitos e fundamentalismos biltres no que diz respeito ao entendimento sobre a arte.

No entanto há ainda uma quinta premissa que surge quando tentamos comparar as expressões artísticas, e quando nos perguntamos: a arte pode ser comparada?

Um conservador da arte, daqueles que ovacionam o classicismo e o renascentismo por exemplo, podem afirmar com veemência na tonalidade da voz que: “Leonardo da Vinci era muito superior a qualquer artista da modernidade”. É em discursos assim que podemos perceber a ignorância do interlocutor, os pacóvios geralmente utilizam de fontes populares para reforçarem aquilo o que julgam entender, pergunte sobre artistas a algum ignorante da arte, e ele só saberá falar em Leonardo da Vinci, Vincent Van Gogh e Picasso.

Vamos comparar, a caráter de exemplo, a Gioconda de Leonardo da Vinci com a produção artística de Jackson Pollock. Na produção artística de Da Vinci no que diz respeito ao desenho e à pintura podemos notar que ele se sobressai na técnica naturalista, e na composição estética da imagem inscrita na tela. Leonardo foi um grande polímata, o estudo da geometria e da anatomia foram cruciais para o âmago da sua produção artística, a luz e sombra presentes nas tonalidades das cores, a perfeição anatômica dos indivíduos representados, a forma como cada objeto se posiciona na tela e a perfeição de sua composição, são as características de destaque de sua obra. Vale ressaltar que Da Vinci definitivamente não é o suprassumo da produção artística da história da humanidade, e que existem artistas que, sob certo aspecto, conseguem superar Da Vinci naquilo o que ele mais se destacava, no uso das cores podemos notar que Rafael Sanzio, por exemplo, era um artista de mais destaque nesse aspecto, no uso da luz e da sombra alguns artistas gozam de destaque na técnica, como é o caso de Rembrandt e Johannes Wermeer, em anatomia e na reprodução do corpo através da técnica naturalista pode-se dizer que o movimento do hiper-realismo e seus artistas se destacam nesse quesito. Não existem “artistas completos” e não existe uma obra de arte que é perfeita em todos os aspectos, deste modo não existe uma obra de arte “perfeita” e “insuperável”, mas existem, claro, obras notórias, clássicas, e que merecem reconhecimento. Gioconda é uma delas, por motivos que já explicitamos, mas e a produção de Jackson Pollock?

Pollock, não é e não foi um artista ou uma pessoa comum, ele era explosivo, repulsivo, imprevisível, “vulcânico” alguns diziam, e sua produção artística é um reflexo de como ele era. É um dos principais artistas do movimento artístico americano conhecido como “expressionismo abstrato” e em vida foi considerado um dos maiores pintores da América do Norte e do mundo, e isso não foi atoa, não bastando ser pioneiro numa nova expressão de arte e ter desenvolvido uma nova técnica artística(o dripping ou Drip Painting), Jackson Pollock criou algo relativamente novo no quesito artístico: a expressão através do abstrato. Não é que suas obras são gotejamentos de tinta ao acaso que não fazem sentido, não, talvez não façam sentido imagético e não reproduzam nenhum objeto do mundo sensível, as obras de Pollock fazem sentido na esfera psicológica, na esfera do inconsciente, são uma expressão direta daquilo o que Pollock sentia. A arte de Pollock era planejada, a composição da tela não vinha ao acaso e quem conhece sua produção artística sabe disso. Pessoas que se vêem diante de uma obra de Pollock sabem que não foi um leigo que fez aquilo, o sentimento diante da magnitude expressiva da tela é único, e produz no espectador emoções únicas, e essa é uma das características do Expressionismo Abstrato, os pintores dessa nova estética conseguem transmitir sentimentos e expressar de tal modo que uns poucos outros conseguiram, é o caso também de Mark Rothko que explorou a relação do indivíduo e da cor, as pessoas que ficavam diante de uma tela de Rothko sentiam emoções únicas, e não sem motivo, o artista tinha conhecimento do impacto da tela sobre o espectador, Rothko e Pollock foram gênios singulares da arte nesse quesito. A tela abraça o indivíduo, que imerge na obra e na sua expressividade, é na aparente falta de sentido da imagem abstrata que o indivíduo abstrai o próprio inconsciente, e ver uma dessas telas é, em certo aspecto, ver a si mesmo.

Da Vinci e Pollock foram artistas únicos e singulares de diferentes épocas, suas respectivas produções artísticas são marcantes, próprias e irreprodutíveis, incomparáveis por excelência. No entanto são artísticas em contextos distintos, a intenção artística de suas produções são completamente distintas e portanto não devem ser comparadas, sob a ótica da intenção de Pollock, Da Vinci falha miseravelmente e o mesmo acontece sob a ótica contrária. São artistas distintos, com produções distintas, cada um se destaca de maneira singular em suas respectivas intenções artísticas, mas quando comparados entre si demonstram uma incongruência dantesca que chega até a ser grosseiro querer compará-los. E isso muito ocorre, muito se faz uma comparação da produção modernista da técnica com a produção naturalista, elogiando a segunda e denegrindo a primeira, sendo que as pessoas que fazem isso, muitas vezes, não entendem de nenhuma das duas. A arte passa por momentos, períodos, conceitos, sofre o tempo, se recicla, se moderniza, a obra de arte é incomparável pois expressa em si algo sempre único e sempre característico, a técnica, mesmo se semelhante, é sempre própria, e todo artista tem uma marca única na sua produção, todos os artistas, mesmo se em algum nível semelhantes, são sempre únicos. Pode-se comparar, a imagem da obra de arte, talvez você ache a imagem da Gioconda mais atraente que a imagem presente em Number 1 de Pollock, sua intuição, seu fenômeno estético aponta pra isso, mas não se pode comparar a Intenção Artística de Da Vinci ou de Pollock, não é porque, para a sua intuição, a obra de Da Vinci é mais bonita que Da Vinci seja categoricamente superior à Pollock, não é a beleza que guia a arte.

Você pode também, comparar a técnica de um artista com a de outro quando esses gozam de uma intenção artística semelhante ou da mesma técnica de produção, mas as obras que eles produzirem serão diferentes e dirão respeito a elas mesmas e não a elas em função de uma outra, isso pois a arte tem um fim em si mesma, talvez uma obra seja imageticamente mais atraente que uma outra, isso não significa que ela é necessariamente superior em todos os aspectos artísticos. Tendo em vista isso conseguimos abstrair a quinta e última conclusão do nosso ensaio: (v) Arte é incomparável.

Conclusão.

Para o julgamento e entendimento de uma obra de arte é necessário abandonar os preconceitos estéticos e ter em vista que:

(i) Arte não pode ser qualquer coisa.

(ii) O conceito da arte é cultural, e não subjetivo.

(iii) A arte não precisa ser bela para ser considerada arte.

(iv) A obra de arte não se resume àquilo o que vemos.

(v) Arte é incomparável.

Raul Brasil
Enviado por Raul Brasil em 27/02/2020
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