Sábado, 7 de julho do ano de 2007 - 07/07/07 para quem gosta da mística dos números.

Ana Paula Valadão, líder do grupo gospel Diante do Trono, ao comandar a gravação ao vivo de “Príncipe da Paz”, décimo trabalho do DT, na Praça da Apoteose, templo do samba, no Rio de Janeiro, profetiza o fim do carnaval. Ana declarou profeticamente, diante de um público superior a cem mil pessoas, que o carnaval era “uma vergonha, desonra para a nossa nação”. Disse ainda: “Neste lugar, Senhor, nós declaramos que o carnaval irá falir, se enfraquecer até morrer. O sambódromo será transformado num altar de adoração ao único Deus vivo e verdadeiro”.

Domingo, 23 de fevereiro de 2020.

O carnaval ainda resiste, apesar de um prefeito estúpido e preconceituoso, apesar dos problemas do Estado e a despeito das mazelas sociais tão presentes na nação.

Já distante da miopia e da passionalidade das declarações de quase 13 anos atrás, a profecia se cumpriu. Não com a falência de uma festa por vontade egoísta de um grupo religioso, mas com a transformação da Marquês de Sapucaí num altar onde a mensagem do Jesus Verdadeiro desfilou e sambou na frente de todos.

O melhor de tudo é que a mensagem não foi pregada num evento religioso e nem por um grupo denominacional, mas por uma agremiação de escola de samba num apoteótico desfile de carnaval.

A Estação Primeira de Mangueira escancarou a mensagem que os religiosos se esquivam de pregar. Ela trouxe para a avenida a representação do Jesus entre a gente, do Jesus que está no meio do povo.

Um Jesus que todos os dias acompanha a vida das suas ovelhas pelos morros e vielas e corre para trazer sobre os ombros aquela que se fere. Um Jesus que se faz presente para chorar onde há pranto e para festejar as mínimas alegrias dessa gente. Um Jesus que escuta cada gemido como a mais profunda oração.

 
Senhor, tenha piedade!
Olhai para a terra,
veja quanta maldade...

No compasso do samba, vimos um Jesus que se identifica como negro, como branco, como índio, como mulher. Um Jesus que aonde se faz presente se deixa identificar como “um de nós”, não como um estranho no ninho, mas como alguém que vive junto e conhece as alegrias e as aflições do existir.
 
Eu sou da Estação Primeira de Nazaré.
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher.
Moleque pelintra no buraco quente,
meu nome é Jesus da Gente.

Nasci de peito aberto, de punho cerrado.
Meu pai, carpinteiro, desempregado.
Minha mãe é Maria das Dores Brasil.

 
Um Jesus que desafia os santarrões à iniciativa de atirar a primeira pedra. Quem nunca? Então, por que o preconceito?

Um Jesus que se levanta contra os vendilhões do templo, contra os exploradores que se enriquecem usando da fé dos mais simples. Um Jesus que insurge contra a opressão sobre os menos favorecidos, que conhece de perto a luta daqueles que matam um leão por dia para tentar multiplicar pães e peixes para abastecer a despensa doméstica.

Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira,
me encontro no amor que não encontra fronteira.
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
e no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão.

 
A mensagem passada através de um desfile de carnaval remete-nos a um Messias que morre por levantar a bandeira do amor e não a um "messias" que propõe soluções através das armas. Um Messias que prega a partilha entre as pessoas e que não compactua com a segregação.
 
Favela, pega a visão!
Não tem futuro sem partilha,
nem messias de arma na mão.
Favela, pega a visão!
Eu faço fé na minha gente
que é semente do seu chão.

Do céu deu pra ouvir
o desabafo sincopado da cidade.
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
e ressurgi pro cordão da liberdade.

 
O Jesus que desfilou no carnaval da Sapucaí anda intrigado com tanta distorção da sua mensagem e com a demonstração explícita de falta de amor por parte daqueles que se dizem seus seguidores mas que, através de atos e pregações, o crucificam, cravejam o seu corpo e o matam mais uma vez.

Eu tô que tô dependurado
em cordéis e corcovados,
mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo, os profetas da intolerância,
sem saber que a esperança
brilha mais na escuridão.

 
Mas esse mesmo Jesus, que os religiosos insistem sepultar, ressuscita, tanto nos becos e vielas da zona norte, como nas mansões da zona sul. Ele procura corações onde possa entrar e se externar em atos poéticos em favor do próximo.

O samba da Mangueira pode até não levar o título de Campeão do Carnaval 2020, mas entregou uma mensagem necessária. Enfim, de alma lavada, resta-me lembrar do poeta Wolô e um trecho da sua bela canção gravada nos idos dos anos 70...

Mas hoje Ele vive para nossa paz
Que tal não matá-lo mais?
Mas hoje Ele vive pra quem nele crê
E quer renascer em você.
 

(Imagem: srzd.com)
Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 24/02/2020
Código do texto: T6873105
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