Dos Tipos de Satisfação
I
12/07/18
O homem procura sempre um maior grau de prazer na menor quantidade de tempo e isso é de conhecimento geral. Vemos em Nietzsche que o homem procura a auto-expansão, isso é: o desejo de engrandecer-se, de ter poder sobre os outros. E em Spinoza vemos que ele procura a auto-conservação, pois seja na Natureza ou na Sociedade, o indivíduo procura por manter-se vivo e preservar-se na existência.
Essas pulsões, essas inclinações à determinadas vontades, essas Vontades são inertes a todos os homens, algumas das Pulsões têm raízes na natureza animalesca dos homens, algumas outras tem raízes em sua natureza social. Tendo em vista que o homem é sempre um Ser-em-sociedade, um Ser-social, um ens socialis ou zoo politics temos que ele não pode ser considerado fora de um contexto social. Sendo assim, podemos dizer que as Pulsões do homem que têm suas raízes no convívio em sociedade são inertes a ele, e ubíquas a todos os homens.
Uma das volições ou Pulsões intrínsecas da natureza humana é também a Satisfação, a inclinação ao desejo de satisfazer-se. O homem procura a satisfação em praticamente toda a sua ação, e qualquer ação ou fim só tem sentido se proporcionar algum tipo de prazer. Afinal, se não houvesse um mínimo de satisfação em fazer qualquer coisa, ninguém nada faria.
II
13/07/18
É possível realizar um compilado de como se dá a satisfação do homem. Através de uma breve análise pode-se perceber que os tipos de satisfação se totalizam em seis. Isso, claro, não quer dizer que existem somente seis maneiras de satisfazer-se ou seis ações que levam à satisfação, na verdade o que segue são breves e generalizados resumos de como e através de quê o homem tem e busca a sua satisfação. Esses ditos seis grupos ou seis tipos eu denominei com os seguintes nomes: Satisfação Ético-Social, Satisfação Contrária, Satisfação Material, Satisfação Espiritual, Satisfação Artificial e Satisfação Sexual. Que serão muito brevemente dissecados a seguir.
13/07/18
15/07/18
Satisfação Ético-Social: Um dos componentes fundamentais da sociedade e de seu convívio são as leis, as normas éticas e morais estabelecidas para o bem-estar social e o convívio entre os indivíduos. Não é muito difícil perceber que atender à todas as exigências sociais, isso é; tanto suas leis quanto seus costumes culturais, é de tamanha dificuldade. Dificilmente o indivíduo consegue atender plenamente a tudo o que lhe é exigido.
Quando o indivíduo percebe que cumprir com todos os deveres e obrigações em seu ambiente social, qualquer que seja, cria-se em seu redor um ninho de bons olhares. Quando ele tem sucesso em cumprir com eficácia aquilo o que os outros não conseguem cumprir totalmente ele se encontra em satisfação consigo mesmo. A satisfação em ser um indivíduo puramente ético e social é uma satisfação do ego, uma satisfação que aponta para um “vejam, eu sou melhor que vocês”.
O indivíduo almeja essa satisfação e inclina-se a ela quando percebe que satisfazer-se com as normas sociais como tal lhe gera uma recompensa ao ego maior do que satisfazer-se com qualquer outra coisa, que por sua vez pode ou não fugir das normas sociais. Quando o adolescente percebe que obedecer aos seus pais gera um melhor convívio em sua residência que por sua vez gera um sentimento e recompensa, ele estará agindo à luz da satisfação ético-social. Quando o empregado percebe que ao atender às expectativas da empresa e agir com eficácia em seu ambiente de trabalho gera bons olhares por meio dos companheiros e do patrão ele tenderá à continuar agindo assim, pois agirá sob a luz da satisfação ético-social. Quando o aluno percebe que esforçar-se e estudar, tirar e manter boas notas gera em seu ninho social a aprovação por meio dos seus professores e colegas ele tenderá a continuar agindo assim, pois agirá, novamente à satisfação ético-social.
Em todos os exemplos citados acima há a presença da inclinação à satisfação ético-social, ela ocorre e perdura tão somente por causa dos “bons olhares” que estimulam o ego do indivíduo, estimulam a Natureza Orgulhosa do Ser-Humano e a sua carência intrínseca de reconhecimento.
Satisfação Contrária: Também chamada de Satisfação Revolucionária, Satisfação Anti-Ético-Social ou In-Satisfação é um prazer que se dá na via oposta à satisfação ético-social, isso é, quando o indivíduo vê prazer em não seguir o convencional, ou ainda não vê prazer suficiente no que é convencional. As normas e regras sufocam e prendem, e há prazer em libertar-se das amarras sociais, mesmo que num breve momento, mesmo que através de uma simples frase. á prazer em dizer SIM! onde todos os outros dizem NÃO! Há aí uma identidade própria em relação a outrem, uma insatisfação com o que os outros querem de você, uma resistência para com os outros; e isso dá prazer.
Esse prazer, assim como nos outros, ocorre em certos casos específicos. É por sua vez uma satisfação inclinada à rebeldia, uma antinomia do prazer de agir ético-socialmente. Pode-se observar a manifestação desse prazer em adolescentes por exemplo. Eles não vêem prazer na normalidade, no convencionismo da sociedade, o regrismo exacerbado sufoca e eles tendem a querer escapar disso, e quando escapam, mesmo que por um limiar de instante do que julgam ser um sufocamento por meio do âmbito social, eles sentem-se autônomos, sentem-se livres e há aí, para os adolescentes, um prazer. Claro que nesse caso existem outros fatores atuantes, o psiquismo do adolescente é marcado por suas mudanças hormonais e com seu contato com as frustrações sociais, e esses fatores quase sempre tendem a criança(adolescente) ao Prazer Contrário.
Há satisfação contrária também no Indivíduo Revolucionário isso é, um indivíduo enquanto atuante em um movimento “revolucionário” qualquer que seja. “Revolucionário” aqui é um termo generalizante, por revolucionário quero dizer todo movimento que age sob a insatisfação com algo. Quando há um protesto, por exemplo contra um governo há também a satisfação de se estar protestando. O indivíduo revolucionário se vê num meio onde sua presença é importante, vê-se como engrenagem do maquinário de uma mudança, numa mudança para o melhor, numa mudança para o seu melhor. Se o indivíduo vê importância em si através de um ato que ele também considera importante(a “revolução”) há aí prazer, o prazer de ser importante e o prazer de ser atuante em algo que é importante. E também, o prazer da rebeldia, de ir contra algo. Em suma; um prazer.
Satisfação Material: Talvez o mais simples e menos duradouro tipo de satisfação. É quando o prazer não se encontra no Ser ou no Fazer, mas sim no Ter. Quando o objeto do prazer não está numa ação que não na ação da acumulação, e uma acumulação guiada pela convenção social. É o prazer no satisfazer o desejo da compra, e nesse ato a satisfação não está no objeto da compra em sí, mas no ato de comprar. Não me satisfaço primeiro por ter o objeto, a satisfação primária é a de comprar o objeto. Destarte; primeiro, o prazer da compra do objeto e posteriormente o prazer do ter do objeto, esses são os componentes da satisfação material. As pessoas vêem-se por vezes numa necessidade de comprar algo, de estar sempre atualizando os seus bens, e isso é um ADE, uma imposição social que não percebemos diretamente, atuamos em uma sociedade que nos inclina a um consumismo. Quando um novo modelo de celular lança nos sentimos materialmente ultrapassados e desatualizados; “se há o novo, por que então eu devo ficar com o que é ultrapassado?” é esse o pensamento que, por muitas vezes marca a mente do indivíduo. Então esse mesmo indivíduo vê-se na necessidade do novo, materialmente falando, e enfim compra o novo modelo de celular. E nesse ato há o prazer da compra, o prazer de ter o novo, e posterior a esse prazer, a essa satisfação material, há o prazer na utilização do objeto da compra, e esse prazer é por sua vez, também material.
Satisfação Espiritual: Ocorre sob duas diretrizes, sendo elas uma Metafísica e uma Social. Na Satisfação Espiritual Metafísica há o prazer na proximidade com o seu Deus, ou com as deidades a religião do indivíduo, é uma satisfação religiosa por assim dizer, ou espiritual por excelência. Ela engloba a paz de espírito que trazem as religiões em suas completudes, e pode ser melhor percebida através da ética das religiões orientais, como no budismo ou no taoísmo, há nessas práticas e nessas éticas um caminho que leva a paz do indivíduo, e por sua vez a paz em seu espírito, e há, na paz, um prazer. A paz é uma satisfação. Num monge budista você verá uma tranquilidade e uma certeza que aquele indivíduo não teria senão no advento de sua religião, uma satisfação própria da ligação entre o indivíduo e a divindade de sua religião, uma satisfação espiritual. Num crente, quando os mais temerosos dos problemas acontecerem-lhe e você perguntar “você não está desesperado? Veja pelo o que está passando!” ele lhe mostrará que nem todo sofrimento do mundo não é nada para alguém a qual um Deus infinitamente maior ama e protege, e que por esse Deus ele tudo pode e tudo supera. Um bom exemplo disso pôde-se ver na mãe de Agostinho, Santa Mônica:
“perguntaram-lhe se não tinha medo de deixar o corpo tão longe de sua cidade natal. E ela respondeu: ‘Para Deus nada é longe, nem devo temer que no fim dos séculos ele não reconheça o lugar onde me ressuscitar.’” (Confissões, 28, livro IX)
Claro que não é um exemplo único ou isolado, num geral religiosos devotos às suas crenças sentem satisfação na completude de sua existência, pois uma vida eterna de júbilo os espera do outro lado da existência.
Já na Satisfação Espiritual Social há o prazer que se encontra no fraternismo de certas relações sociais. Como o regozijo que trás uma boa amizade ou uma boa companhia, quando o indivíduo sente-se faustoso na presença de alguém há um prazer em estar nessa presença. O sentimento de amizade e de companheirismo dá prazer, a amizade é uma satisfação.
Satisfação Artificial: É toda a satisfação que não é natural, ou própria de uma ação do indivíduo-social. Isso é, não é uma satisfação que ocorre numa relação indivíduo-indivíduo ou indivíduo-sociedade, mas sim uma satisfação na relação indivíduo-objeto. A satisfação material não pode ser dita como uma satisfação indivíduo-objeto porque o prazer não se encontra na relação entre o indivíduo e o objeto como tal, e sim no indivíduo com a compra do objeto, isso é, a satisfação material é uma relação entre o indivíduo e o Ter. Na satisfação artificial a relação indivíduo-objeto é quando o indivíduo sente prazer por meio de um determinado objeto. Como por exemplo no uso de entorpecentes, há aí uma relação indivíduo-objeto, onde o objeto provoca o prazer, e o prazer é artificial porque não é fruto do psiquismo do indivíduo enquanto um Ser-em-sociedade, mas fruto das reações biológicas que faz o objeto o indivíduo.
Satisfação Sexual: o título é autoexplicativo, trata-se do prazer que se encontra através do sexo ou através do ato masturbatório. O indivíduo tem uma pulsão sexual, um desejo intrínseco do sexo, o indivíduo deseja o sexo por natureza, e na realização de todo desejo há satisfação. Para além disso, no sexo, há a satisfação biológica que ele proporciona, a satisfação que o orgasmo sexual proporciona ao indivíduo. Não há muito o que desse tipo de satisfação já que é de conhecimento geral que; sexo é prazer.
III
29/01/20
Em Nietzsche há algo que é muito conveniente citar nesse ensaio. Ele nos apresenta em seu livro “O Nascimento da Tragédia” os conceitos de Apolíneo e Dionísico, conceitos diretamente ligados aos deuses gregos Apolo e Dionísio, onde Apolo, entre outras características era encarado como o deus da Razão e do racional, enquanto Dionísio era o deus do vinho, dos bacanais e do caos. Apolíneo e Dionísico são adjetivos contrários um ao outro, uma dicotomia por excelência e Nietzsche os encara como impulsos artísticos, e através da fusão desses dois impulsos é que se dá a Beleza do que, segundo o filósofo, foi o ápice da tragédia grega, que veio através de dramaturgos como Ésquilo e Sófocles. Nietzsche está falando de conceitos estéticos, claro, mas a estética está intimamente ligada à ética isso pois, o que é belo tende a ser bom e o que é bom tende a ser belo, e a ética por sua vez trata do “como devemos agir”, trata intimamente do Eu-Social. Em Epicuro presenciamos por sua vez uma ética que é regida pelo prazer, a ética deve levar à felicidade, a moral de Epicuro é uma moral hedonista onde único bem é o prazer, visto que o único mal, por sua vez, é a dor. Assim, nenhum prazer deve ser recusado, a não ser por causa de conseqüências dolorosas, e nenhum sofrimento deve ser aceito, a não ser em vista de um prazer, ou de nenhum sofrimento menor
Aonde quer se chegar com tudo isso? Encarando o Apolíneo e o Dionísico não como conceitos estéticos, mas sim como conceitos éticos podemos encontrar aí outros dois tipos de satisfação, e esses, englobam todos os outros tipos e grupos citados anteriormente. A Satisfação Apolínea ou o Prazer Apolíneo é o prazer do espírito, da razão, da temperança, do ético, aquele prazer que temos em sermos ético-sociais, em atendermos à sociedade e o retorno que disso vem, o prazer religioso e espiritual o prazer dos estudos, de buscar a razão. E sendo assim, o Prazer Dionísico é o prazer das orgias, das festas, do sexo, do álcool, o prazer em “se perder” como alguns dizem, em sair da razão, do socialmente aceito, do superego sufocante.
Podemos perceber que, muitas vezes, senão todas, vê-se a humilhação de uma dessas satisfações em detrimento de outra, isso é, diz-se que se deve buscar somente o Apolíneo, e que o Dionísico é uma imoralidade desnecessária. É isso o que nossa sociedade cristã nos faz acreditar, e acabamos nos sentido sufocados quando ignoramos o que há de Dionísico em nós pois, por mais que digam ser imoral ainda é prazer, e ainda desejamos isso. O prazer é o único bem, então por que sufoca-lo? E ainda, por que rotular e limitar escolhas, dizendo que só pode-se deleitar de um tipo de prazer? “Só se pode tender ao dionísico ou ao apolíneo” é o que diz a Consciência Coletiva, mas isso está totalmente equivocado. A ética positiva é a ética que visa o bem-estar do indivíduo, se ambos os tipos de satisfação incumbem num prazer em potencial, por que não procurar as duas? Nenhum prazer deve ser recusado. Assim como a fusão e o equilíbrio entre o Apolineo e o Dionísico fizeram nascer o que seria o sumo da estética da dramaturgia grega, o que aqui chamo de Ética Apolineo-Dionísica seria o sumo do satisfazer-se, um libertar-se dos preconceitos sociais do prazer e um equilíbrio entre as faculdades do prazer do indivíduo. É plenamente possível, digo por experiência própria, viver com o equilíbrio dessas satisfações antagônicas. Por que ir atrás de somente um tipo de prazer, quando podemos ir atrás de todos eles?