Relato 37) Ayahuasca - Caminho Sagrado - África e Orixás - (26/01/2020)

IMPORTANTE: Este local é um espaço de vivência com ayahuasca e não tem nada a ver com a doutrina do Santo Daime, embora a bebida sagrada seja a mesma.
Por isto neste relato vou respeitar este contexto, mas vou continuar a usar o termo igreja, para definir o espaço interno onde o trabalho ocorre.


Sim, no Relato 36) Fim do meu estudo com a Sagrada Medicina da Floresta-Ayahuasca (12/10/2019) eu escrevi que a minha caminhada  com a medicina da floresta estava concluída… só que não.
Uns 30 dias depois eu estava indo para o trabalho, subindo a Av. Rebouças e ouvindo os hinos do Santo Daime.
No hino abaixo este preto velho chegou e disse que a folga havia acabado, rsrs. Que eu precisava voltar
“Preto Velho Sanfoneiro - Glauco Villas Boas #9
Ele vive me olhando
Preto Velho sanfoneiro
Ele vive me tocando
Toca meu Pai verdadeiro

Eu vi uma estrela nascendo
Eu bem sei, fui o primeiro
Deixei a estrela crescendo
Para avisar o mundo inteiro

Quem vai velho volta novo
Preto Velho sanfoneiro
Só voltou para dizer
Que Deus é Pai e brasileiro”

Como já estava no final do ano, decidi estender a folga e retomar o estudo com a sagrada medicina em janeiro.
Todas as sincronicidades levaram à minha participação neste trabalho. Eu já havia ido em um trabalho com a egrégora africana no Caminho Sagrado, mas desta vez incluíram também abertamente  os Orixás.

Início do relato
Fomos eu e a esposa.
O trabalho iria começar às 11:00. Nos preparamos para sair de casa às 09:30, mas só conseguimos sair por volta de 10:00.
Chegamos no Caminho Sagrado às 11:30 sob um sol escaldante, mas assim que saímos do carro recebemos no rosto a suave brisa da floresta.
Nada mudou por lá e já havia bastante gente no local (umas 50 pessoas)
Assim que chegamos fomos arrumar o lugar onde ficaríamos sentados. No Caminho Sagrado você pode sentar onde quiser, desde que respeite a divisão por gênero: mulheres de um lado, homens de outro. Gosto de ficar nas cadeiras dos fundos, encostado à parede, assim posso descansar um pouco, no final do trabalho.
Lembrando que em trabalho da doutrina do Santo Daime você não pode sentar onde quiser. Lá é o fiscal quem forma a corrente, colocando cada um em um lugar específico.
Fomos nos registrar no livro e dar a nossa contribuição monetária, e logo depois o trabalho começou, com a palestra de introdução do padrinho Mário.
Entre outras coisas, ele disse que este trabalho seria com a egrégora africana, Orixás e um pouco da umbanda, mas que não haveria incorporação, passes, consultas nem nada disto, pois não é assim que a medicina trabalha.
Gosto de contar quantos são a primeira vez. Desta vez 6 mulheres e 4 homens.
Terminada a palestra, iniciou-se a seleção de músicas e a medicina foi servida. No Caminho Sagrado a medicina é servida em um copinho de alumínio, que fica com você durante todo o trabalho. Os fiscais passam de fila em fila servindo a ayahusca  e um pote com pedacinhos de maça (adoro isto, rs).
Passados uns 30 minutos comecei a sentir a força chegando de leve e aquele Sorriso gostoso se abriu no meu rosto.
Comecei a trabalhar na força, ainda com a mente presente, e sem acoplamento total dos seres divinos (quando os seres divinos acoplam totalmente sobre meu corpo e consciência, sobra muito pouco de mim mesmo).
Não sei quanto tempo passou até que foi anunciado o segundo despacho da medicina. Pedi o copinho cheio novamente.
Estava trabalhando com Yemanjá quando senti o corpo formigando e a consciência saindo do corpo, para dar lugar a uma poderosa e gigantesca consciência (este momento é o mais crítico para mim, pois nunca sei como será a reação da minha condição humana). Neste momento meu estômago revirou e senti a necessidade de fazer uma limpeza. Não quis fazer ali, (no Caminho Sagrado é fornecido um saco plástico e papel, e se preciso você não precisa sair se a limpeza for vômito. Você pode fazer ali mesmo, no saco plástico). Mas eu precisava da natureza. Sai para fora da igreja, me agarrei no bambuzal e deixei vir a limpeza (não é passar mal, é deixar o mal passar por você).
Foi uma limpeza forte, que me colocou de joelhos. Agarrado nos bambus, deixei sair tudo o que não me serve.
Terminada a limpeza soltei as mãos dos bambus, pois eu estava sendo conduzido a um estágio de total união com o Todo, sendo mais um bambu do bambuzal, sentindo o corpo todo formigando e a consciência saindo do corpo.
Não voltei para dentro da igreja. Não sentia ainda firmeza para voltar. Lá fora já havia bastante gente, cada um no seu processo particular, alguns fazendo limpeza, outros deitados em colchonetes.
Eu estava bem na força, mas com alguma parte de mim resistindo a ela, que precisava que eu cedesse a consciência da condição humana à serviço do Todo.
E isto não é coisa que você consegue controlar racionalmente, ou seja, racionalmente você não consegue quebrar esta resistência. Só a Força tem poder para isto.
Sentei e fui pedir ajuda para o Sol, depois fui me sentar em um belo canto, que parecia uma cabaninha na vegetação nativa. Sentei e segurei em alguns brotos de uma árvore grande, mas isto me conduzia a me integrar à árvore, ao solo, ao ar, e a Tudo o Que Existe. Quanto mais esta parte minha resistia, mais eu enjoava.
Todo o corpo formigava, sentindo a consciência saindo do corpo e dando lugar a um poder Superior gigantesco, que eu não sentia que seria capaz de suportar.
Quando começou a tocar músicas para Ogum, esta força me levantou do chão como se eu pesasse 5 quilos. A passos firmes, já com esta força acoplada em mim, voltei para dentro da igreja.
Eu já não existia mais. Em pé, dentro da igreja, consegui manter esta força por algum tempo, mas depois minha consciência voltou para o corpo e tentei sair da igreja mas não conseguia.
Terminou esta música e saí da igreja novamente.
Fiquei lá fora, no mesmo lugar de antes, resistindo.
Então começou a tocar os hinos do hinário Cruzeirinho, do Mestre Irineu, da doutrina do Santo Daime. Amo estes hinos. 
Quando tocou o hino abaixo, mais uma vez voltei para a igreja a passo firmes:

“Eu Cheguei Nesta Casa - Mestre Irineu #129
Eu cheguei nesta casa
Eu entrei por esta porta
Eu venho dar os agradecimentos
A quem rogou por minha volta

Eu estou dentro desta casa
Aqui no meio deste salão
Estou alegre e satisfeito
Junto aqui com os meus irmãos

Ia fazendo uma viagem
Ia pensando em não voltar
Os pedidos foram tantos
Me mandaram eu voltar

Me mandaram eu voltar
Eu estou firme, vou trabalhar
Ensinar os meus irmãos
Aqueles que me escutar

Consegui sentar no meu lugar mas ainda resistia. Olhei para a esposa pedindo ajuda, ela olhou para mim e sorriu amorosamente. Ela não podia fazer nada. Só eu mesmo é que tinha força para quebrar esta resistência.
Foi anunciada a rodada de rapé, que é outra medicina, soprada nas narinas. Já fiz uso de rapé, mas nunca em trabalho junto com a ayahuasca. Muitos irmãos foram para a fila, para usar o rapé.
Terminou esta seleção de hinos do Santo Daime e recomeçou a seleção de músicas para os caboclos.
Muitos irmãos saíram para fazer suas limpezas, pois a energia ali presente era imensa.
Foi anunciado o terceiro despacho da medicina e eu recusei, pois ainda estava lutando.
Eu estava exausto de tanto resistir, me larguei na cadeira e disse “Não tenho mais forças, venha e faça o que tiver que fazer”.
Sem forças para resistir, o formigamento se estendeu por todo o corpo e senti minha consciência saindo do corpo e dando lugar a forças e formas gigantescas.
Recomecei a trabalhar nestas forças, mas ainda com o corpo largado na cadeira. Aos poucos esta força foi aprumando o meu corpo e recomecei a trabalhar.
Em dado momento, A Fonte começou a falar diretamente para mim. (Não vou lembrar de tudo, pois foi muito tempo recebendo instrução. Conforme for me lembrando, vou adicionando no relato.)
Desde o início do trabalho, havia um inseto perto da cadeira da frente. Parecia um pequeno besouro, de pernas para cima, tentando sair daquela situação. Eu tentava ajuda-lo, mas algo me impedia.
A Fonte começou a falar:
“Sabe quem é aquele besouro esperneando? Você.
Você foi feito para voar como uma águia, mas escolhe passar a vida andando, pulando, vivendo de migalhas, enquanto eu te dei todo o Universo para você voar e experimentar todas as suas glórias. E você apenas precisa… Aceitar O Que Você É”
“Não ajude o besouro, porque ele sabe como sair desta situação. Se você ajudá-lo agora, ele vai morrer na próxima vez, pois você não estará lá para ajudá-lo”
“E se ele morrer agora, é porque desistiu de lutar. Desistiu de colocar em prática O que Ele Sabe.”
"A sua natureza é voar. Como pode não voar? A natureza do peixe é nadar, ele não vai querer andar na água. Ele não aceita ser menos. Ele respeita a sua natureza. A natureza da águia é voar. Como pode não voar? Como pode ir contra a sua natureza. Eu lhe digo, que a sua natureza é Ser o Amor. Como pode rejeitar a sua natureza? "
"Quer saber de onde estou falando com você? Falo de todo o lugar, e de lugar nenhum. Estou falando agora a partir deste besouro. E falo com você e com toda a humanidade, o tempo todo."
"Sabe o que te levou para fora da igreja? Você ainda não compreende totalmente os Orixàs e isto te leva a ter medo de trabalhar com eles. Eu concedi a cada um deles um reino da natureza, para me ajudar a criar e manter esta grande obra" 
Neste momento todos desfilaram na minha tela mental, Sorrindo.
(A Fonte falou por mais de uma hora, mas é muito difícil lembrar de tudo. Ela falou que tudo isto está no Akasha, mas ainda não tenho acesso a estes registros)
Olhei para a esposa e ela estava bailando (após o segundo despacho da ayahuasca é aberto o bailado para quem sentir vontade de colocar esta energia em movimento. É um passo simples, dois para lá e dois para cá, no ritmo da música).
Ela estava magnífica, radiante.
O trabalho foi chegando ao fim, com músicas alegres e envolventes.
Finalizado o trabalho, o padrinho Mário falou por mais uns 20 minutos. Entre outras coisas, disse que este trabalho foi bem forte.
Finalizado o trabalho com uma salva de palmas, fomos para o lanche comunitário, trazido pelos próprios irmãos. Eram então 18:30
Me encontrei com a esposa do lado de fora. Estava linda e radiante. Dei-lhe um beijo e falei brevemente sobre a minha experiência. Ela disse que não havia percebido que saí da igreja.
Sempre digo a ela que no trabalho com a medicina, é cada um por si, rsrs. E que se um ver o outro lá fora, e sentir que uma força Superior nos conduz para ajudar, podemos nos aproximar. Caso contrário, é cada um no seu processo.
Do lado de fora havia muita gente ainda deitada em colchonetes. Uma irmãzinha esta lindamente deitada sobre o solo em posição fetal (naquele canto que citei no relato, que parece uma cabaninha na vegetação) 
Ficamos ainda no sítio por mais uma hora, tomei um cafézinho primoroso feito pela ma
drinha Tati e fomos para casa, envoltos em alegria e amor.

Autor: Valdemir Nunes da  Silva