Da Consciência Coletiva

Da Consciência Coletiva

ou ainda “Do Além-do-Eu”

“O que você pensa é um pensamento realmente seu?”, “A sua personalidade… Foi você quem construiu ou ela foi construída por outrem?” Foi ao fazer perguntas como estas que há 14 meses eu escrevi um ensaio sobre o conceito de “ADE” ou “Além-do-Eu”, esse conceito, por sua vez, antecede o ano de 2018. Já em 2017, quando lia textos filosóficos pela primeira vez, e me questionava sobre identidade, sociedade e autonomia. Acontece que eu era profundissimamente influenciado por Zizek e consequentemente por Lacan, autores os quais eu não conhecia com tanta profundidade(e ainda não conheço com a profundidade que deveria conhecer), e ainda assim tinha pensado num conceito que, na época, dependia intimamente da filosofia dessas duas personalidades. Posteriormente, percebendo que cultivava um conceito, que não estava ainda plenamente construído, percebi uma necessidade de torná-lo definitivo sem prejudicar todos os outros ensaios que havia escrito em decorrência desse conceito. Disso surgiu este ensaio, uma releitura e ressignificação de conceitos que há tempos vinha construindo, sem prejudicar o entendimento e o sentido de outros escritos.

I. Você já parou para pensar “por que as coisas são como são?” Isso é, “por que as coisas funcionam como funcionam?”, “Por que você é como é?”. Isso parece um tanto quanto prolixo, mas eu lhe convido ao pensamento: Qual a espetacular série de fatores levou você a ser como você é neste exato momento? Que tipo de influências decaíram sobre você para você ser como é? E ainda pergunto: por que você faz o que faz? E por que pensa o que pensa? Você faz o que faz porque assim deseja ou porque é coagido? E o que deseja é um desejo realmente próprio ou lhe é externo?

Sim, são perguntas demasiadas e confusas para serem respondidas fácil e mecanicamente talvez requeiram certo esforço do meu caro leitor, mas lhe adianto: a verdade é que muitas vezes(senão todas), não sabemos a que se deve o nosso pensamento ou o porquê de fazermos certas ações. E, em poucas palavras, é sobre isso que o ensaio pretende transcorrer: a autonomia do indivíduo perante a sociedade. Afinal, até que ponto a sociedade influencia o indivíduo?

No fluir de suas histórias as sociedades criam e cultivam uma cultura que tende a mudar e a se adaptar ao tempo. Essa identidade por sua vez pode ser percebida em diversas camadas da vida do indivíduo, em seu trabalho, na sua crença, em sua etiqueta, sua ética, sua moral, em suma a identidade do indivíduo não foi ele mesmo que criou isso porque sua realidade o antecede, seu ser-aí foi jogado na cultura de uma sociedade e nessa desenvolveu-se, não pode ser concebido Indivíduo para além de uma Sociedade pois o Indivíduo é a invenção da mesma. E os indivíduos, por biologia, tendem a se agrupar em sociedades. Isso deixa evidente uma simples questão que muitas deixam passar despercebido: A personalidade não é em si, não é autônoma e livre, ela depende de seu meio, de sua cultura e de sua sociedade. Uns dizem “eu sou o que sou porque assim quero ser” e “eu faço o que faço porque assim quero fazer” mas não percebem as cordas da sociedade em suas ações, fazem o que fazem porque bem querem ou passaram décadas de suas vidas sendo instruídos a quererem isso? Querem o que querem através de uma consciência totalmente plena e autônoma, ou nesse querer sempre houve a mão fantasma da sociedade sobre o desejo? E essas questões parecem ainda mais evidentes quando paramos para observar o quotidiano do indivíduo, ao meu ver, é aí onde a sociedade e a cultura mais expressa sua influência sobre a pessoa, pois é aí onde podemos ver a cultura enrijecida no inconsciente do indivíduo, através de suas atividades mecânicas, seu acordar, sua higiene, seu ir trabalhar, seu conversar, seu pensar, no quotidiano parece que o indivíduo não apresenta consciência de si mesmo e consciência de seu ser-no-mundo, ele está ali fazendo as atividades que têm que fazer, e não lhe é necessariamente um querer próprio, mas aqueles afazeres diários estão tão inerentes em sua mente que ele faz o que a sociedade lhe instrui a fazer de modo quase robótico, sem pensar muito, sem tanta consciência ele apenas vai e faz. Às vezes a sociedade se faz presente no indivíduo até nessas pequenas ações do dia-a-dia, assustador não?

De mesmo modo acontece com as crenças, e não falo somente de religião aqui, falo de qualquer coisa na qual se acredita. A sociedade está nessa estilha de nós. O nosso código moral não é “nosso” ele nos antecede, nossa visão de mundo não é “nossa” construíram isso em nós, o nosso “Deus” nem sempre é necessariamente “nosso”, isso pois muitas vezes fomos incunbidos a acreditar nisso de tal modo que uns tantos não têm consciência de que podem questionar a isso, nossa língua não é nossa, nosso jeito de sentar-se a mesa, quantos livros lemos por ano, nada disso é necessariamente nosso, muitas vezes essas questões antecedem a nossa existência, então nascemos e constroem em nós a consciência da sociedade. O “Além-do-Eu” como eu costumava chamar, esse nome que se dá à abstração da consciência da sociedade que exerce uma influência “diretamente indireta” sobre nós e sobre nossa individualidade. “Além-do-Eu” tudo o que está inconscientemente em mim e cujo qual a escolha está para além da individualidade do meu querer, isso pois, é indubitável o fato de que nem toda o pensamento, a escolha ou o desejo é uma construção do indivíduo, e sim, muitas vezes, uma sugestão da realidade que o antecede.

Não estou dizendo que o homem é uma criatura cuja qual toda e qualquer escolha não lhe é própria. Não. O que estou dizendo é que o actio humano, o agir humano, é profundissimamente influenciado pela sociedade em que se insere. E note: estar sob influência não é estar sendo coagido, é estar sob sugestão. A sociedade não necessariamente coage as escolhas do Indivíduo(embora uns tantos sintam-se assim), ela age como um sussurro distante, aquela voz que está lá mesmo quando não escutada. Só para super-homens existe a livre-escolha independente do que lhe é Além, do que lhe é externo, todo Indivíduo se constrói numa sociedade, seja de homens ou de lobos, antropologicamente falando, Ser é “Ser-em-Sociedade” pois é aí que se significa o que é o indivíduo, e dificilmente uma ação desse Ser-em-Sociedade estará livre das influências da sociedade.

II. Outro nome que aparece em certos ensaios é “Consciência Coletiva”, e explicar esse nome não poderia ser mais óbvio do que dizer que é a consciência de um conjunto de pessoas, mas extrapolando os limites do óbvio eu posso dizer: tem-se por Consicência Coletiva, as crenças do coletivo que, apesar de se manifestar na maioria da população de uma sociedade não se aplica a todos. Consciência Coletiva trata-se também da ja dita abstração das crenças da sociedade que recaem como influência sobre o indivíduo. Consciência Coletiva ou “ADE”(chame como preferir) pode-se entender também como o “Outro”(comparável ao “Grande Outro” em Lacan). Um outro invisível o qual estamos sempre pedindo a opinião e sempre preocupados em agradar, quando quero fazer certa coisa e logo eu me pergunto “O que os outros vão achar disso?”, “Qual vai ser a reação da minha mãe, do meu amigo ou da minha namorada?”, esse “Outro” ou esse “outros” é a Consciência Coletiva no consciente de nossa mente, e, perceba, só fazemos a nós mesmos essa pergunta supracitada quando queremos, pensamos ou fazemos algo que extrapola a Consciência Coletiva, isso é, que extrapola o que a sociedade, em geral, aceita por certo e errado, aceita por belo ou feio, enfim, extrapola o que a sociedade aceita. É pela reles existência desse pensamento que se percebe que não existe escolha plena e totalmente livre e que a escolha parece estar sempre sujeita ao Outro, mesmo contra-cultural, qualquer ação é pensada no Outro. Isso é algo que muitas vezes não se percebe, mas sempre está lá, esse “Outro”, essa Consciência Coletiva que tanto exige e tanto faz punirmos a nós mesmos, esse Além-do-Eu, abstrato, invisível, impalpável e incontrolável.

Talvez não perceba ou se dê conta, mas você está sempre atendendo aos caprichos dO Outro, e boa parte das escolhas de sua vida não são plenamente suas, visto que você foi instruído e criado para tal, o Homem é um construto social, e da sociedade nunca se livra, tanto que, dificilmente ele está consciente de si enquanto indivíduo, enquanto Ser-aí ou Ser-em-mim ou Ser-em-sí, em boa parte da sua vida será um Ser-em-Sociedade, um homem-formigueiro, que não vive para si, e sim para O Outro!

iniciado dia 31.08.19 e terminado dia 03.01.20 após certo tempo sem escrever