OS INTERESSES QUE CONTRADIZEM A LEI SECA

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como pano de fundo as “aventuras da mercadoria” Bebida Alcoólica, uma proposta de entendimento que tem como pressuposto a compreensão da mercadoria como a “célula germinal” de todas as sociedades modernas, mas que não representa, contudo, nada de “natural”.

Desta forma, o objeto de nosso estudo, ou seja, os interesses que contradizem a Lei Seca, encontra sua origem na produção social daquela que recebe o adjetivo de especial e que, para medicina, modifica o humor, as sensações, as percepções, atendendo necessidades psicológicas de evasão, consolo e anestesiamento: a Bebida Alcoólica.

Depois que emergiu do período colonial, a Bebida Alcoólica se apresentou como uma commodity tendo desenvolvido uma estrutura de dimensões econômicas, sociais, culturais e políticas, e que hoje estão na base dos enormes conflitos de interesses em torno de seu comércio.

Isso decorre do fato do alcoolismo se apresentar como um dos problemas de saúde pública que mais trazem custos à sociedade. Suprindo a maioria dos consumidores e sendo porta para as demais drogas, o álcool supera os gastos advindos dos problemas decorrentes do uso combinado de todos os outros tipos de droga, sendo do conhecimento público que o consumo da Bebida Alcoólica adquire uma relação de causa e efeito junto ao mercado ilícito.

Desta forma, é um trabalho de pesquisa que versa sobre o uso indevido de Bebida Alcoólica e a possível e necessária implantação da Lei Seca. Esta questão social, demandando por políticas públicas, coloca o gestor público em situação crítica.

Enquanto gênero literário, ou seja, como texto científico, é uma narrativa de caráter bibliográfico que situa o Estado em um movimento pendular, oscilando entre a necessária e indispensável produção econômica e a possível e necessária discriminação da Bebida Alcoólica.

Problema de antecedentes sociais e culturais que, completando um século de ações políticas e jurídicas socialmente denominadas de Campanha de Combate às Drogas, teve seu início quando a insalubridade pública passou a ser encampada pelo Estado na medida em que este se fazia instrumentalizado pela medicina.

Hoje, se fundamenta no argumento de que existe uma intricada teia de associação entre o terrorismo, contrabando de armas, prostituição, tráfico de prostitutas, jogos de azar, contravenção em geral e outra formas de ação do crime organizado.

Discussões que se pautem na possível e necessária relação entre Educação e Drogas advém do Estado de Bem Estar Social, deixando para trás um século de tratamento militar e repressivo para receberem uma abordagem educativa institucional.

Neste contexto, o Estado, seja em sua forma de administração neoliberal ou intervencionista, passou a gerar uma governança comprometida com a implementação da Política Nacional sobre Álcool.

Criada a partir do decreto 6.117 de 22 de maio de 2007, a Política Nacional sobre Álcool, dispondo de medidas de redução do uso indevido de álcool, cria a Lei Seca.

Contudo, e não por casualidade, a sociedade brasileira se identifica com um conjunto de interesses históricos de antecedentes sociais, culturais, políticos, religiosos e/ou econômicos que justificam o imensurável e incalculável cabedal humano, material, tecnológico e científico ligado à produção social da Bebida Alcoólica.

Nestas condições, a Lei Seca, criminalizando o uso indevido da Bebida Alcoólica na direção do automóvel, cria uma situação de conflito das mais complexas. Pois que identificamos conflitos entre os múltiplos atores sociais que compõem o governo e a população, especificamente, e estes entre si. Desta forma, o caráter criminalizante da Lei Seca desencadearia tensões e conflitos capazes de ameaçar a estabilidade do Estado, visto que, nestas condições, o Estado Brasileiro se faz palco de um tenso conflito quanto à aplicação da blitz do bafômetro nas estradas por parte das instituições responsáveis, haja vista o número de interesses em torno do comércio da Bebida Alcoólica.

Portanto a Lei Seca, suscitando questionamentos quanto ao tratamento político e jurídico de descriminação, outrora, dispensado a droga do tipo Bebida Alcoólica, e mantido na lei 11.343, traz implicações para o exercício da ética , assim como, para àqueles que buscam tratar de forma igualitária, sem discriminação, as pessoas usuárias ou dependentes de drogas lícitas ou ilícitas.

Esta situação de consumo sugere a existência de uma produção social que lhe corresponda, o que nos leva a inferir a existência de um grupo de interesses, esta possibilidade é fundamental para entender e, quem sabe, superarmos tal problema: tem-se um entendimento sobre o fracasso da Lei Seca e não objetivação das políticas públicas, assim como intui-se a existência de uma “força” que reluta contra a discriminação.

Concomitantemente, as práticas sociais imbricadas no processo de oferta e de consumo compõem um modo de produção expresso numa forma de ser social. Por tanto, é desta forma de produção econômica do qual se extraí uma forma de sociabilidade. Determinado pelas necessidades básicas e objetivas de sobrevivência, historicamente, o cidadão brasileiro têm encontrado, de forma direta e indireta, sua reprodução social ligado à alocação do espaço geográfico e a distribuição do tempo cronológico entre as manifestações sociais e culturais em torno da produção da Bebida Alcoólica.

Por tanto, este é um trabalho monográfico de estudo bibliográfico que descreve o Estado, na atualidade, como uma instituição onde a Governança frente às Políticas Públicas sobre Drogas encontra-se dividida entre os interesses antagônicos junto à produção social da Bebida Alcoólica.

Assim sendo, o trabalho científico aqui desenvolvido, problematiza, do ponto de vista da Gestão, de como desenvolver Políticas Públicas do tipo “blitz do bafômetro” de forma a conciliar um posicionamento político e ético com um tratamento político e jurídico que, por sua vez, contemple à necessidade que o Estado tem de equacionar entre à necessidade de produzir uma redução do uso indevido da Bebida Alcoólica e a de satisfazer à necessidade, por parte dos cofres públicos, de obter receita econômica, e que mantém a relação de correspondência entre a produção social de Bebida Alcoólica e o mercado de drogas ilícitas.

2 ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAS DA BEBIDA ALCOÓLICA NA HISTÓRIA DO BRASIL

De importância social, religiosa e medicamentosa nas culturas antigas, a produção e o consumo da Bebida Alcoólica assumem grandes proporções dentro do processo da expansão do capital comercial quando:

Durante pouco menos de três séculos a partir do descobrimento da América, não houve, para o comércio da Europa, produto agrícola mais importante que o açúcar cultivado nessas terras. Ergueram-se os canaviais no litoral úmido e quente do Nordeste do Brasil... (GALEANO, 2005, p.83)

A produção de Bebida Alcoólica se beneficia na proporção em que aumenta a produção de cana de açúcar. Assim podemos intuir ao ler sobre e desenvolvimento apontado por GALEANO.

A partir desse período, a produção social da Bebida Alcoólica passa a estabelecer um mercado de forte influência política e econômica entre os povos. Desta forma, “os recursos naturais latino-americanos condicionam o período de colonização do continente pelos espanhóis, portugueses, holandeses, franceses e ingleses” (GALENO, 2005, p.47), ou seja, identificamos, assim, as primeiras distribuições dos espaços territoriais do Brasil entre os diversos interesses nacionais.

“De origem asiática e introduzida pelos portugueses” consta na narrativa de Galeano que “a aguardente de cana é a primeira bebida destilada entre nós. Sua produção nos primórdios do séc. XVI alcança importância econômica para a Colônia nos idos de 1600”. De acordo com Galeno, “em fins do século XVI, o Brasil tinha não menos de 120 engenhos, que somavam um capital próximo a 2 milhões de libras”.

Dos meados do séc. XVI até metade do séc. XVII, a cachaça torna-se moeda corrente para compra de escravos na África. Incomodada com a queda do comércio da bagaceira e do vinho português na colônia, e alegando que a bebida brasileira prejudicava a retirada do ouro nas minas, a Corte proíbe varias vezes a produção, comercialização e até o consumo da cachaça. A partir de 1756, com a cobrança de impostos, a Metrópole portuguesa se favorece economicamente com este comércio.

Porta de passagem para o consumo da droga do tipo aguardente nos primórdios do Brasil, o vinho chega com o povo português, consumidor deste tipo de Bebida Alcoólica desde 989. (Vinho e Cultura, 1989, p.135)

“Indispensáveis aos rituais da missa católica, uma produção nos idos de 1532 (Vinho e Cultura, 1989, p.101) com qualidade duvidosa está na base do desenvolvimento da vitivinicultura brasileira, que teve grande contribuição dos povos italianos e alemães.”

O protecionismo comercial levou a Corte a proibir seu cultivo em 1789. Estando a política econômica portuguesa por trás de parte do insucesso da produção de vinho no Brasil.

De acordo com o Instituto Brasileiro do Vinho “o consumo per capita/ano de vinhos no país situou-se em 1,76 litros”. Na avaliação deste instituto “os vinhedos ocuparam uma área de 70.531 hectares do território brasileiro em 2004” (IBGE, tabela/EMBRAPA). Segundo seus colaboradores – Protas; Camargo; Melo (2006) –, “em média 45% do volume de uvas produzidas no Brasil é destinada a processamento na elaboração de vinhos, sucos e outros derivados”. A produção de uva ocupa aproximadamente 40 mil pessoas, e na fabricação do vinho o numero de pessoas ocupadas está em torno de 15 mil trabalhadores (IBRAVIN, 2007).

A mais popular de todas as drogas do tipo Bebida Alcoólica, a cerveja, “chega ao Brasil com os colonizadores holandeses em 1654, via Companhias das Índias Ocidentais, mantendo-se seu consumo, por décadas, através de contrabando” (Wilkibier, 2012).

A História da Cerveja no Brasil (Wilkibier) narra que seu “comércio começa a se estabelecer no ano de 1808, com a chegada da família real portuguesa de mudança para o então Brasil colônia, onde o príncipe Dom João, durante seu reinado, passa a controlar sua comercialização”.

“Em 1814, com a abertura dos portos, a Inglaterra passa a introduzir com exclusividade a cerveja no mercado, dividindo o monopólio deste produto com o Brasil”. De acordo ainda com a Wilkibier, “as primeiras produções nacionais, a partir de 1834, passam a concorrer com a oferta inglesa, hegemônica até 1870, quando os consumidores passam a dar preferência à cerveja alemã, vendida em garrafa desde 1834”. Este novo paladar, ganhando mercado, fez com que os impostos que incidiam sobre si, fossem quadruplicados, afirma o site.

“Com a revolução industrial, as mídias, de maneira geral, incluindo aqui a imprensa escrita, o rádio e a televisão, assumem a função de motivadoras do consumo, de forma que o esporte contribuiu para atrair um contingente muito maior de consumidores de uma única vez e criar, a partir da cultura, uma variedade de espetáculos” (CESNIK e BELTRAME, 2005, p.34 -35).

O Brasil está entre os quatros maiores fabricantes de cerveja do mundo, com um volume anual de cerca de 8,2 bilhões de litros. Segundo informações do Sindicato Nacional da Indústria de Cerveja (Sindicerv), as companhias produtoras (que representam nove grupos responsáveis por 98% da cerveja produzida no país) têm um faturamento de aproximadamente 16,5 bilhões por ano (2003). Essas empresas, que estão distribuídas em 50 fábricas, geram mais de 150 mil postos de trabalho diretos e indiretos em uma rede de 1,5 mil revendedores que atendem cerca de um milhão de pontos de venda. Fruto de um grande poder político e econômico desse tipo de produção sócio e cultural é o fato de uma só marca desse psicoativo aparecer para o imaginário popular como patrocinadora oficial da seleção brasileira de futebol.

2.1 BEBIDA ALCOÓLICA E SUA CORRESPONDÊNCIA COM A DROGA

Em todas as sociedades sempre existiram drogas, ou seja, produtos químicos de origem natural e de laboratório, que produzem efeitos sentidos como prazerosos no Sistema Nervoso Central – SNC, os quais resultam em alterações na mente, no corpo e na conduta. Na verdade, os homens sempre tentaram modificar o humor, as sensações e percepções por meio de SPAs (Substâncias Psicoativas), com finalidades religiosas, culturais, curativas, relaxantes ou simplesmente prazerosas. (BUCHER, 1995).

O conceito de droga para o professor Dr. Henrique S. Carneiro é extremamente polissêmico. Para ele:

seus significados abrangem tudo o que se ingere e que não constitui alimento, embora alguns alimentos também possam ser designados como drogas: bebidas alcoólicas, especiarias, tabaco, açúcar, chá, café, chocolate, mate, guaraná, ópio, quina, ipecacuanha assim como inúmeras outras plantas e remédios ... (CARNEIRO, 2004, p.1)

A Bebida Alcoólica, mesmo não sendo um alimento, alcança com sua produção social uma grande soma de recursos econômicos, de forma que seu papel, particularmente na história moderna, é de uma extrema importância econômica, política e cultural.

Do ponto de vista legal e Jurídico existem as drogas livres, as de uso controlado e as ilegais. No entanto não há nenhum critério técnico que justifique a inclusão das substâncias em uma ou outra categoria. À luz da ciência, não há ponte de corte, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes.

As alterações provocadas em nossos sentidos nem sempre são de mesmo sentido e direção:

1 – Depressoras da Atividade do SNC: podem ser chamadas de psicolépticos.

2 – Estimulantes da Atividade do SNC: recebem também o nome de psicoanalépticos, noanalépticos, timolépticos, etc.

3 – Pertubadoras ou psiciticomiméticos, psicodélicos, aluginogênos, psicometamórficos, etc.

O princípio ativo comum às bebidas alcoólicas é o etanol. Psicoativo que, agindo sobre SNC do homem, desenvolve o princípio de tolerância e consumo. Dualidade esta que está na base de uma demanda, e que, por sua vez, reflete no índice de dependência física e psíquica e nas estatísticas dos problemas sociais e culturais.

Diversos saberes e entendimentos sociais e culturais assumem uma postura reivindicadora no sentido de defesa de seu consumo pela sociedade. O alcoólatra tem sido fonte de inspiração para uma diversidade de criações de caráter social e cultural. Verdadeiros marqueteiros da Bebida Alcoólica.

Com o aumento da oferta surge o problema de salubridade pública, quando o Estado, instrumentalizado pelo saber da medicina, vai fundamentar uma política discriminadora, criada pelos Países Centrais no final do século XX.

Foi no ano de 1952, com a primeira edição do Diagnostic and Estatistical Manual of Mental Disorders (DSM-I), que o alcoolismo passou a ser tratado como doença. Em 1967, o conceito de doença do alcoolismo foi incorporado pela Organização Mundial de Saúde à Classificação Internacional das Doenças (CID-8), a partir da 8ª Conferência Mundial de Saúde. Na CID-8, os problemas relacionados ao uso de álcool foram inseridos dentro de uma categoria mais ampla de transtornos de personalidade e de neuroses. Esses problemas foram divididos em três categorias: dependência, episódios de beber excessivo (abuso) e beber excessivo habitual. A dependência de álcool foi caracterizada pelo uso compulsivo de bebidas alcoólicas e pela manifestação de sintomas de abstinência após a cessação do uso de álcool.

Nas últimas décadas, o consumo de álcool começa a ser visto como uma questão de saúde pública e elemento de agravamento da violência social devido à extensão dos danos que acarreta à sociedade.

De acordo com várias pesquisas citadas na 1ª Conferência Internacional de Álcool e Acidentes, realizadas no ano de 2002 no Recife, 39% das pessoas envolvidas em ocorrências policiais beberam em excesso; 20% a 25% dos acidentados no trabalho consumiram álcool; 61% dos acidentes de carros foram provocados pela bebida; 75% das vítimas fatais de acidentes de carro tinham bebido; 40% das faltas ao trabalho são provocadas pelo álcool.

Dados do Ministério da Saúde mostram que, no Brasil, no triênio 1995-97, o alcoolismo ocupava o quarto lugar no grupo das doenças mais incapacitantes. Em 1996, a cirrose hepática de etiologia alcoólica foi a sétima maior causa de óbito na população acima de 15 anos.

“Problema de dimensões trágicas ainda subdimensionadas”, o alcoolismo recebe por parte dos pesquisadores de Harvard, Estados Unidos, um estudo de mais de 50 anos, e que fundamenta o livro A História Natural do Alcoolismo Revisitada, escrito por George E. Vaillant. Esta empreitada monumental, maior pesquisa já feita sobre o tema no mundo, acompanhou a vida de 600 homens para identificar as causas de um problema que atinge 10% da população mundial – ou seja, 600 milhões de pessoas.

Desta forma, o Alcoolismo surge da relação que precede a produção e a comercialização da droga do tipo Bebida Alcoólica, e decorre do consumo daqueles que buscam modificar o humor, as sensações, as percepções, atendendo necessidades psicológicas de evasão, consolo e anestesiamento.

Alcançando homens e mulheres de diferentes grupos étnicos, independentes da classe social e econômica ou mesmo da idade, o uso indevido desse tipo de droga gera efeitos adversos, podendo levar ao crime, causar danos para o intelecto e até mesmo para a dignidade.

Na cidade de Curitiba, foram estudados 130 processos de homicídios julgados nos Tribunais de Júri daquele Estado, e os resultados apontaram que 58,9% dos homicidas e 53,6% das vítimas estavam sob o efeito do álcool à época do delito. Em outro estudo de vítimas fatais, na região metropolitana de S. Paulo, foi encontrada alcoolemia positiva em 48,3% destas. Os índices variam de 36,2% nos suicidas a 64,1% nas vítimas de afogamento.

Outro fato expressivo está no levantamento inédito e exclusivo feito pela Polícia Civil do DF (PCDF), cuja pesquisa recebeu o seguinte título: “Combustíveis da violência são Álcool e drogas.”

Aparecendo como aquela que foi a patrocinadora oficial da Seleção Brasileira, uma das marcas deste tipo de droga, somada às outras, colabora para que os cofres públicos sejam protagonistas de uma arrecadação tributária de 2,8% do PIB.

Assim, para Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, doutora em Ciências pela FMUSP, Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas - Adjunta e Responsável Técnica pela Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD, do gabinete de Segurança Institucional da Presidência do Brasil (SENAD/GSI/PR), uma entre os três organizadores do trabalho “Uso de Bebidas Alcoólicas e outras Drogas nas Rodovias Brasileiras e outros estudos” (2010), nos leva a reconhecer que “o álcool não é como as outras drogas que são usadas ‘escondidas’ da sociedade”, pois que constatamos que ela é uma droga que pode ser encontrada em qualquer lugar, sem que não aconteça qualquer punição aos usuários como no caso de outros tipos de droga. No diálogo com a autora, tem-se a consciência de que pesquisar sobre Bebidas Alcoólicas adquire importância por se tratar de uma mercadoria “rendável aos cofres do governo”, embora saibamos tratar-se de um produto “altamente prejudicial à sociedade”.

Suprindo 68% dos consumidores e sendo porta para as demais drogas, o mercado lícito adquire uma relação de causa e efeito junto ao mercado ilícito, de forma que a oferta de Bebida Alcoólica se apresenta como uma potencializadora das questões de saúde pública e de violência social.

Resguardado o respectivo desenvolvimento econômico criado em torno dessa mercadoria e estimada a abrangência social e cultural decorrente desta criação, é possível então levantarmos uma problemática que atinge nossa sociedade: o desenvolvimento de uma variedade de necessidades e de interesses que reflete numa rede de atividades sociais em torno da produção social da mercadoria do tipo Bebida Alcoólica.

Esta variedade de interesses e de necessidades, regada à competição e concorrência, gera entre os homens uma série de atitudes de ações hostis.

Bastante relacionados com EA, estão os “estados alterados de consciência” (EAC) que Charles Tart (1972) definiu como “uma alteração qualitativa no padrão global de funcionamento mental que o indivíduo sente ser radicalmente diferente do seu modo usual de funcionamento”. O mesmo autor faz uma analogia entre a mudança de um estado habitual de consciência para um EAC, descrevendo que um mesmo computador pode funcionar com dois programas diferentes. Nessa situação, um mesmo conjunto de dados ou informações pode ser processado de formas muito diferentes e gerar saídas bem diversas.

2.2 BEBIDA ALCOÓLICA E SUA CORRESPONDÊNCIA COM A MERCADORIA

Decorrente de produção econômica histórica, o alcoolismo, de antecedentes sociais e culturais, projeta para a Bebida Alcoólica a forma de um produto de consumo que, no mercado, alcança a singularidade de commodity. Desenvolvido a partir da uva, passando pela cana de açúcar, o alcoolismo conta ainda com o psicoativo extraído, entre outros, da cevada. Um tipo de etanol com grande apelo popular.

Segundo dados de 2004, a Organização Mundial de Saúde - OMS, constatou que aproximadamente 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas. No Brasil, o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas, promovido pela Secretária Nacional Antidrogas - SENAD, em 2005, aponta que 12,3% das pessoas, com idade entre 12 e 65 anos, são portadoras de alcoolismo, enquanto que aproximadamente 75% já beberam alguma vez na vida.

Em sendo a produção de Bebida Alcoólica uma história do etanol, é na agroindústria, com sua história de séculos de produção de cana de açúcar no Brasil, que encontramos as razões econômicas da socialização dos espaços e as conseqüências que modificam biomas e concorrem com a produção de grãos alimentícios.

Segundo CARNEIRO (2004, p.7):

As bebidas alcoólicas e o tabaco consolidaram-se como mercadorias de primeira importância na economia mundial. O vinho, assim como diversos outros produtos alimentares, teve uma superprodução mundial nos anos 60 de 280 milhões de hectolitros (28 bilhões de litros), caindo para 154 milhões de hectolitros no final dos anos noventa. Mas a cerveja continua sendo a Bebida Alcoólica mais consumida. O Brasil com 70 milhões de hl/ano está em quinto lugar na produção mundial (após EUA, Alemanha, China e Japão), mas tem a segunda maior produtora mundial, a Ambev, com 60 milhões de hl/ano (a primeira é a Anheusen Bush, dos EUA, com 113 milhões de hl/ano). Mas, em aguardente de cana, o Brasil é o primeiro produtor mundial com cerca de 1 bilhão de litros/ano e, em relação ao tabaco e ao açúcar, também continuamos a manter a recordista posição de primeiro exportador mundial ...

Sua história permeia séculos do fazer político, econômico e cultural do homem. Sem perder seu caráter de fenômeno espiritual que está presente nos rituais sagrados das religiões, a alargada produção de Bebida Alcoólica dá suporte às condições materiais do moderno sistema mercantil.

Em seu trabalho Bebidas Alcoólicas e outras Drogas na época Moderna. Economia e Embriagues no séc. XVI ao XVIII, o autor nos fala que em torno do tráfico de drogas se constituíram, ao menos, três grandes ciclos comerciais:

O primeiro deles, o das especiarias do séc. XVI. Foi responsável pela era das descobertas marítimas e forjou a própria palavra droga, da denominação em holandês para os produtos secos do ultramar. O segundo, baseado na produção e no comércio de açúcar, da aguardente e do tabaco, marcou a formação do sistema colonial desde o séc. XVII e montou a economia atlântica, baseada no tráfico de escravos e das drogas por eles produzidas nas plantations americanas. O terceiro ciclo, das bebidas quentes e excitantes, desde os séc. XVII mas, especiale de outmente, desde o séc. XVIII, desequilibrou a balança comercial inglesa com a Ásia, devido à crescente compra de chá, o que provocou no séc. XIX, as duas guerra britânicas contra a China, chamadas de guerra do ópio, que visavam substituir os pagamentos em prata por chá, por pagamento em ópio. Do início para o final do séc. XVIII, a Europa passou de um consumo anual de 1 para 54 milhões de quilos de café, de 1 para 7 milhões de quilos de chocolate e de 500 mil quilos de chá para 20 milhões ... (2004, p.1)

Os dados apresentados por CARNEIRO são ilustrativos do quanto a Bebida Alcoólica significa não só para a economia nacional, e que, para a sociedade brasileira, adquire expressivo valor social e cultural.

Desta forma, a droga do tipo Bebida Alcoólica, para CARNEIRO (2004, p.3)

constitui um tipo de mercadoria muito especial, pois ao mesmo tempo em que responde as necessidades psicológicas de evasão, consolo, anestesiamento, cumpre o papel de via privilegiada de reprodução do capital na época da acumulação primitiva. Um produto da cultura material, de arcaicos usos religiosos, medicinais e lúdicos, torna-se o principal instrumento de produção de consciência alterada, ou seja, de produção de imaginários e de sentimentos artificialmente estimulados ...

A Bebida Alcoólica, satisfazendo também o homem na sua subjetividade, de forma particular e coletiva, faz dessa mercadoria um produto social que, atendendo a uma diversidade de interesses, gera, por sua natureza, uma série de práticas sociais que negam qualquer forma de tratamento criminal.

3 O ESTADO

A atual crise econômica trouxe conseqüências radicais para o Estado Contemporâneo. Encontrando-se em plena efervescência as discussões em torno do que venha a ser o Estado, constata-se a existência de um variado numero de teorias que buscam explicá-lo.

Contudo

Cada uma dessas teorias tem sido empregado para obter conhecimento sobre o Estado, embora reconhecendo a sua complexidade. Várias questões subjacentes a esta complexidade. Em primeiro lugar, os limites do setor estatal não estão claramente definidos, mas eles mudam constantemente. Em segundo lugar, o estado não é apenas o local de conflito entre as diferentes organizações, mas também conflitos internos e os conflitos dentro das organizações. Alguns estudiosos falam do "interesse do Estado", mas muitas vezes existem vários interesses em diferentes partes do Estado que não são nem exclusivamente centradas, mas se desenvolvem entre os diferentes grupos da sociedade civil e os diferentes atores estatais... (Kurz, 2010)

A formação do Estado Brasileiro, sabemos, tem suas particularidades. Nestas, identificamos os atores e suas práticas sociais com relação à produção social da Bebida Alcoólica e suas respectivas consequências para a saúde pública, sendo esses os elementos do nosso objeto de estudo – daí o papel do parágrafo, ilustrativo.

Importante aqui é entendermos que, indiferente à estrutura geopolítica, o Estado é uma unidade – no caso do Brasil uma unidade federativa – e, sendo assim, o Estado é aquele que, de um lado, nutre uma condição de dependência junto ao Mercado, e de outro, é responsável pelas Políticas Públicas.

O Estado, supostamente “cancelado” e podado nas suas funções na era neoliberal, ressurgiu, por assim dizer da noite para o dia, como “última instância”, sendo invocado como demiurgo e deus ex machina. Todos os precipitados discursos tranquilizadores se referem ao esperado êxito das intervenções estatais de resgate... (KURZ, 2010 in Exit )

Para Kurz, houve uma mudança radical no papel do Estado frente às questões sociais, de forma que, na atualidade, o papel de Estado Mínimo dá lugar a uma forma atuante, colocado assim pela sociedade como aquele que deve promover o Bem-Estar Social e com este as Políticas Públicas sobre Álcool.

Desta forma, o Estado, frente às questões sociais, deixa o papel de neutralidade e passa assumir um papel preponderante na condução de programas assistenciais.

A reviravolta assim consumada teve outra vez uma interpretação ideológica. De súbito, a política de desregulamentação, até então festejada e apoiada por todos os partidos, foi declarada como um enorme erro; tal e qual como se nunca tivesse tido quaisquer razões objectivas. O Estado e a sua classe política lavaram daí as mãos e não foram eles que foram vistos como os agulheiros, mas sim as máscaras de carácter do sistema financeiro, os banqueiros de investimento e os apostadores da especulação. Tem-se fomentado desde então o “preconceito popular” (Marx) contra o capital monetário que rende juros, enquanto os actores públicos, dos agentes do Estado, passando pelos média, os gestores e o Papa, até à ATTAC, negam cuidadosamente o nexo interno entre o sistema financeiro descontrolado e o caráter deficitário da chamada economia real.

Em menos de um ano já o retorno ao estatismo se expôs ao ridículo. A meio do discurso tranquilizador, que pretendia apressadamente festejar o êxito das medidas estatais tidas como prudentes, irrompeu a nova e assustadora notícia da ameaça de falência estatal da Grécia, bem como de outros Estados da zona euro. A crise daí resultante da união monetária europeia, porém, é apenas o prenúncio de uma crise universal das finanças públicas; não só na periferia enfraquecida de capital (como, por exemplo, no leste europeu), mas também nas velhas e novas metrópoles do capitalismo. Isso vale tanto para os países centrais da Europa, a Alemanha e a França, como para a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, o Japão e a China. Tudo indica que a segunda onda da crise global terá como ponto de partida as finanças públicas, tal como a primeira se iniciou nos mercados financeiros. Com isso se torna evidente que o problema subjacente da falta de valorização real não foi superado, mas apenas deslocado das bolhas financeiras de volta ao crédito público... (KURZ,2010 in Exit)

O Estado passa a adentrar as questões econômicas e a assumir um papel de negociador, assumindo as despesas frente ao Mercado.

o retorno ao estatismo se expôs ao ridículo. A meio do discurso tranquilizador, que pretendia apressadamente festejar o êxito das medidas estatais tidas como prudentes, irrompeu a nova e assustadora notícia da ameaça de falência estatal da Grécia, bem como de outros Estados da zona euro. A crise daí resultante da união monetária européia, porém, é apenas o prenúncio de uma crise universal das finanças públicas; não só na periferia enfraquecida de capital (como, por exemplo, no leste europeu), mas também nas velhas e novas metrópoles do capitalismo. Isso vale tanto para os países centrais da Europa, a Alemanha e a França, como para a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, o Japão e a China. Tudo indica que a segunda onda da crise global terá como ponto de partida as finanças públicas, tal como a primeira se iniciou nos mercados financeiros. Com isso se torna evidente que o problema subjacente da falta de valorização real não foi superado, mas apenas deslocado das bolhas financeiras de volta ao crédito público. [...] (KURZ, 2011 in Exit).

Para tanto, o Estado exerce seu papel por meio de governança:

Ainda que não suficientemente definido e consolidado, o novo termo põe em destaque as intervenções entre Estado e os vários agentes não governamentais para se atingir resultados de interesse público. O foco deixa de ser a capacidade interventora e indutora do Estado e passa a se concentrar no seu papel de coordenador dos diversos esforços – públicos e privados – para produzir benefícios coletivos... (COELHO, 2009. p. 22)

Esta “governança” é concorrida, via partido político, por vários interesses e necessidades. Estes, elegendo seus representantes, chegam a participar de forma direta do poder político. Assim sendo, pode ocorrer que a própria governança, ou parte desta, tenha interesses particulares frente aos interesses públicos.

Na realidade, a Governança, enquanto o conjunto dos interesses – inclusive contraditórios entre si –, é a base do governo de um Estado que, tendo “a virtude de voltar à atenção para as relações desejáveis entre Estado e sociedade (COELHO, 2009, p.22), dispõem do “aparato coercitivo que garante o cumprimento das decisões (COELHO, 2009, p.19) e “transforma em atos a vontade do povo” (COELHO, 2009, p. 20.

Essa Governança, por sua vez, exerce seu governo de posse do aparelho coercitivo. Este instrumento comum à sociedade capitalista se expressa na relação de exploração do homem pelo homem e é agravado pela concorrência e competição intrínsecas do atual mundo do trabalho.

Incumbida “de desempenhar as funções executivas do Estado, sobretudo aquelas relativas ao controle de arrecadação de receitas e à implementação de políticas públicas” (COELHO, 2009, p.22), essa governança passa por um movimento pendular existente entre a necessidade de desenvolvimento da produção de Bebida Alcoólica e suas consequências para a saúde publica.

Desta forma:

O Estado capitalista teria plena competência para dominar a crise e para voltar a pôr em funcionamento a valorização do valor com a sua intervenção. É precisamente esse postulado que terá de ser posto à prova nos próximos anos, não só teórica mas também empiricamente. Mas com isso simultaneamente também se mostra que as teorias do Estado da esquerda contêm, no contexto de sua redução sociológica, uma crença na estatalidade, em parte explícita e em parte velada, que permanece categorialmente não declarada, ou cuja fundamentação surge de preferência implícita. Trata-se aqui, por um lado, da relação de poder ou de dominação estatalmente institucionalizados e, por outro, da objectividade negativa do “sujeito automático” (Marx); em sentido estritamente económico, trata-se da relação entre Estado e dinheiro. A discussão a esse respeito irá revelar se a palavra de ordem corrente da esquerda radical “contra o capital e contra o Estado” permanece um mero chavão, ou se poderá ser de novo definida do ponto de vista do seu conteúdo actualizado... (KURZ, 2011 in Exit)

Encontrando-se o Estado em um conflito interno (Kurz in Exit), identificamos que este emerge da governança. Este conjunto de interesses, contraditórios entre si, encontra-se frente ao dilema inócuo entre os ideais dos modelos neoliberal e keynesiano de gestão.

No caso do Brasil, onde a sociedade se encontra comprometida com múltiplos interesses, inclusive contraditórios à produção social da Bebida Alcoólica, gera-se uma série de práticas sociais que contradizem a Lei Seca.

4 O MERCADO

Os interesses do mercado internacional do século XV são como que determinantes para o surgimento do Brasil, visto que aquele a quem a história guarda como o “descobridor” tinha naquele momento a “missão de liderar a segunda expedição comercial a caminho das Índias”.

No mês março, do ano de 1500, o rei de Portugal (D.Manuel I) deu Cabral a missão de liderar a segunda expedição comercial a caminho das Índias. Desta, fez parte uma grandiosa esquadra, composta por 13 navios, com mais de mil. (http://www.suapesquisa.com/pesquisa/cabral.htm)

É o olhar apurado deste representante comercial que vai reconhecer o grande potencial econômico contido na rica natureza do ambiente brasileiro daquele período, de forma que este interesse é determinante, e dele procede, o advento do Período Colonial na História do Brasil. Este período é marcado pelas descobertas marítimas e responsável pelo desenvolvimento do ciclo econômico baseado em especiarias.

Um segundo ciclo econômico baseado, como nos fala CARNEIRO:

na produção e no comércio de açúcar, da aguardente e do tabaco, marcou a formação do sistema colonial desde o séc. XVII e montou a economia atlântica, baseada no tráfico de escravos e das drogas por eles produzidas nas plantations americanas... (2004, p.1)

Nestas condições, a produção social da Bebida Alcoólica passa a determinar um conjunto de práticas sociais entre as relações humanas daquela época. Entre estas, encontramos uma de caráter político e jurídico, citada por Oscar Ivan Prux, advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor, que nos diz:

Na mesma época em que fontes oficiais anunciaram a concessão do primeiro financiamento para uma cooperativa dedicada a fabricação de cachaça para exportação, surgiu a notícia de que a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou um Projeto de Lei que classificou o vinho como alimento (que segundo informações terá o veto do governador, não se sabendo se a Assembléia irá derrubá-lo). Quanto à cachaça, parte da mídia vem fazendo intenso merchandising de que se trata de um produto genuinamente nacional que é parte de nossa cultura (tentando indiretamente ligá-la/incluí-la ao conjunto de nossos valores sociais), inclusive divulgando estabelecimentos denominados de “cachaçarias”, com destaque para as freqüentadas por mulheres (até pouco não era tão comum ver-se mulheres preferindo este tipo de bebida) Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor

Além da importância como gênero básico no estabelecimento do sistema moderno do comércio mundial, o comércio de aguardente, como nos fala ainda CARNEIRO:

representou um papel decisivo na organização de um sistema tributário, fornecendo aos Estados modernos uma das suas maiores rendas. Devido a sua importância no consumo geral das populações européias o papel dos impostos sobre a cerveja e o vinho tornaram-se crescentes na medida em que os estados modernos constituíam seu sistema fiscal centralizado. Em muitos lugares, a maior parte da arrecadação era sobre o vinho... (2004, p.5)

Foi o interesse em adentrar no mercado mundial que levou o Brasil a recorrer a uma enorme dívida econômica junto à instituições bancárias internacionais.

Na atualidade, de forma inédita, as sociedades estão se desfazendo da crença no mercado e passam a clamar pela supremacia do Estado frente às questões econômicas. Se até então era mínima a presença do Estado, agora se faz urgente que este se mostre de forma soberana.

O Estado passa a adentrar as questões econômicas e a assumir um papel de negociador frente ao Mercado e encarregando-se das despesas.

o retorno ao estatismo se expôs ao ridículo. A meio do discurso tranquilizador, que pretendia apressadamente festejar o êxito das medidas estatais tidas como prudentes, irrompeu a nova e assustadora notícia da ameaça de falência estatal da Grécia, bem como de outros Estados da zona euro. A crise daí resultante da união monetária européia, porém, é apenas o prenúncio de uma crise universal das finanças públicas; não só na periferia enfraquecida de capital (como, por exemplo, no leste europeu), mas também nas velhas e novas metrópoles do capitalismo. Isso vale tanto para os países centrais da Europa, a Alemanha e a França, como para a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, o Japão e a China. Tudo indica que a segunda onda da crise global terá como ponto de partida as finanças públicas, tal como a primeira se iniciou nos mercados financeiros. Com isso se torna evidente que o problema subjacente da falta de valorização real não foi superado, mas apenas deslocado das bolhas financeiras de volta ao crédito público... (KURZ, 2011)

Segundo Kurz, este retorno ao estatismo está fadado ao fracasso, visto que para ele a crise em breve irá alcançar as contas públicas, tornando o papel do Estado inoperante. No entendimento do autor ...avolumam-se os sinais de que a crise econômica caminha para uma nova recessão global... para ele ...a economia mundial extremamente endividada atingiu, após a queda dos mercados financeiros, a sua segunda barreira, a das finanças públicas... (Kurz, 2011)

Considerando que as relações entre Estado e mercado nunca se repetem no tempo, renovando-se constantemente, (COELHO, 2009, p.25)

O Estado capitalista teria plena competência para dominar a crise e para voltar a pôr em funcionamento a valorização do valor com a sua intervenção. É precisamente esse postulado que terá de ser posto à prova nos próximos anos, não só teórica mas também empiricamente. Mas com isso simultaneamente também se mostra que as teorias do Estado da esquerda contêm, no contexto de sua redução sociológica, uma crença na estatalidade, em parte explícita e em parte velada, que permanece categorialmente não declarada, ou cuja fundamentação surge de preferência implícita. Trata-se aqui, por um lado, da relação de poder ou de dominação estatalmente institucionalizados e, por outro, da objectividade negativa do “sujeito automático” (Marx); em sentido estritamente económico, trata-se da relação entre Estado e dinheiro. A discussão a esse respeito irá revelar se a palavra de ordem corrente da esquerda radical “contra o capital e contra o Estado” permanece um mero chavão, ou se poderá ser de novo definida do ponto de vista do seu conteúdo actualizado... (KURZ, 2011)

Contudo, e indiferente à crise, o mercado e o Estado, como nos fala Kurz, mantêm em comum uma relação econômica na qual a Bebida Alcoólica encontra expressivo significado para a sociedade em função do seu valor.

5 O ESTADO, O GOVERNO E O MERCADO DE BEBIDA ALCOÓLICA

A produção social da Bebida Alcoólica, de antecedentes econômicos, sociais, culturais e políticos, alocando espaços e distribuindo o tempo com atividades sócio e cultural, constitui:

um tipo de mercadoria muito especial, pois ao mesmo tempo em que responde as necessidades psicológicas de evasão, consolo, anestesiamento, cumpre o papel de via privilegiada de reprodução do capital na época da acumulação primitiva. Um produto da cultura material, de arcaicos usos religiosos, medicinais e lúdicos, torna-se o principal instrumento de produção de consciência alterada, ou seja, de produção de imaginários e de sentimentos artificialmente estimulados. (CARNEIRO, p.3)

Os estudos de CARNEIRO nos mostra que, na forma de produto social, a Bebida Alcoólica permeia a base de uma sociedade. Sua fala ilustra a ideia de que em torno de sua produção, nas formas mais antigas de mercado, a existência de usos distintos desenvolvia uma série de práticas sociais.

Em seu trabalho Bebidas Alcoólicas e outras Drogas na época Moderna. Economia e Embriagues no séc. XVI ao XVIII o autor nos fala que em torno do tráfico de drogas se constituíram, ao menos, três grandes ciclos comerciais:

O primeiro deles, o das especiarias do séc. XVI. Foi responsável pela era das descobertas marítimas e forjou a própria palavra droga, da denominação em holandês para os produtos secos do ultramar.O segundo, baseado na produção e no comércio de açúcar, da aguardente e do tabaco, marcou a formação do sistema colonial desde o séc. XVII e montou a economia atlântica, baseada no tráfico de escravos e das drogas por eles produzidas nas plantations americanas. O terceiro ciclo, das bebidas quentes e excitantes, desde os séc. XVII mas, especiale de outmente, desde o séc. XVIII, desequilibrou a balança comercial inglesa com a Ásia, devido à crescente compra de chá, o que provocou no séc. XIX, as duas guerra britânicas contra a China, chamadas de guerra do ópio, que visavam substituir os pagamentos em prata por chá, por pagamento em ópio. Do início para o final do séc. XVIII, a Europa passou de um consumo anual de 1 para 54 milhões de quilos de café, de 1 para 7 milhões de quilos de chocolate e de 500 mil quilos de chá para 20 milhões...

Essa citação de CARNEIRO, de caráter historicista, contempla, assim, nossa perspectiva de abordagem. Quando nos referimos “as aventuras da Bebida Alcoólica”, fundamentamo-nos na abordagem ontometodológica de Anselm Jappe, que contempla nosso entendimento de que [...] quando Marx começa com o elemento que é aparentemente o mais simples, a mercadoria, ele pressupõe já a existência de toda a estrutura social que tem por célula germinal a mercadoria. [...]” (Jappe, 2006, p. 87)

Desta forma, as citações, anteriores e a que segue, ilustram o quanto a produção social da Bebida Alcoólica está presente na formação da sociedade brasileira.

Além da importância como gênero básico no estabelecimento do sistema moderno do comércio mundial, o álcool representou um papel decisivo na organização de um sistema tributário, fornecendo aos Estados modernos uma das suas maiores rendas. Devido a sua importância no consumo geral das populações européias o papel dos impostos sobre a cerveja e o vinho tornaram-se crescentes na medida em que os estados modernos constituíam seu sistema fiscal centralizado. Em muitos lugares, a maior parte da arrecadação era sobre o vinho. Em Paris, além do odioso monopólio do sal, a gabela, o imposto sobre o vinho era um dos maiores motivos de revolta popular. O fim das aduanas internas, da exclusividade da propriedade das prensas vinícolas para os senhores, e a abolição dos impostos indiretos em 1791, levou a que a festa da primavera do primeiro de maio daquele ano fosse comemorada com uma caravana de 200 carroças com dois milhões de litros vendidos a preço mais baixo... (CARNEIRO in NEIP).

E se as relações entre Estado e mercado nunca se repetem no tempo, mas renovam-se constantemente (COELHO, 2009, p.25), constatamos que a produção social da Bebida Alcoólica passou, com o fim do Período Colonial, a assumir outro papel no desenvolvimento do Estado. Dessa forma, a produção social da Bebida Alcoólica, perpassando períodos históricos no desenvolvimento do país, chega até nós alocando espaços com seu modo de produção social e distribuindo o tempo com atividades sociais e cultural.

Os recursos materiais e tecnológicos demandam por um conjunto de trabalhadores. Geram uma produção técnica e científica e desenvolvem e ampliam as condições ambientais.

De acordo com o trabalho “A presença da Bebida Alcoólica e outras substâncias psicoativas na cultura brasileira” de Tarcisio Matos de Andrade e Carlos Geraldo D'Andrea (Gey) Espinheira, membros do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas - OBID:

podemos dizer que temos uma pauta cultural em que as coisas são normalmente dispostas. Por exemplo, o licor na festa de São João, o vinho no Natal, a cerveja no carnaval e assim por diante, não que sejam exclusivas, mas as mais representativas de cada uma dessas festas...

Estes que compõem a ‘pauta cultural’ simultaneamente compõem um mercado de grandes recursos econômicos e com influente caráter político. Estes interesses estão contemplados na campanha desenvolvida pela Política Nacional sobre Álcool que, reduzindo a questão do uso indevido do álcool a um problema de acidente de automóvel, reforça as práticas sociais que contradizem a Lei Seca e omitem os demais problemas, de forma a obscurecer o entendimento das reais consequências maléficas produzidas para a sociedade.

Outra manifestação de interesse que advém da produção social da Bebida Alcoólica é que esta não deixa de ser uma prática social que infringe preceitos legislativos e constitucionais.

Esta prática social diz respeito ao proposto pela FIFA de anular a proibição de Bebida Alcoólica nos estádios de futebol durante a realização da Copa do Mundo, que adentra nossa sociabilidade num momento crítico da implantação da Lei Seca e da possível aplicação das blitz. Dessa forma, a Lei Geral da Copa, abrindo um precedente para que depois do Mundial de Futebol bebidas alcoólicas voltem a ser comercializadas em eventos esportivos, reforça os interesses daqueles que, contradizendo os preceitos da Política Nacional sobre Álcool, participam da criação de redes sociais que se formam no sentido de driblar a aplicação da Lei Seca.

Motoristas usam redes sociais para driblar a Lei Seca em Goiânia

Bloqueios de fiscalização são informados pelo twitter e pelo facebook, diz Amt.

Campanha '#NãoRetuitoBlitz' pretende conscientizar população sobre o tema.

(http://g1.globo.com/goias/noticia/2011/11/motoristas-usam-redes-sociais-para-driblar-lei-seca-em-goiania.html)

O uso do Álcool perpassando idade, cor, sexo ou classe está presente inclusive na política e com as mais diversas manifestações de apreço:

05/11/2011 15h09 - Atualizado em 05/11/2011 15h09

Aécio é parado em blitz e recusa teste do bafômetro, diz governo

Segundo assessoria, teste 'não foi realizado' após constatação de que habilitação estava vencida; documento foi apreendido

iG Rio de Janeiro e iG São Paulo | 17/04/2011 13:26

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) recusou-se a fazer o teste do bafômetro ao ser abordado em uma blitz da Operação Lei Seca na madrugada deste domingo, informou hoje o governo do Rio de Janeiro. Aécio também estava com a carteira de habilitação vencida e teve o documento apreendido pelos policiais. Ele voltava para casa, no bairro do Leblon, zona sul da cidade, após sair com amigos e com a namorada, Letícia Weber.

Foto: Agência Estado Ampliar

Senador tinha saído com amigos e com a namorada e voltava para casa

(http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/aecio+e+parado+em+blitz+e+recusa+teste+do+bafometro+diz+governo/n1300080647193.html)

Práticas Sociais das mais diversas passam a ocupar tempo e espaços dos mais diversos.

Boa notícia, Aécio foi multado

por Daniel Bender

em 18/04/2011 às 23:47 | PdH Shots

Como é de costume nos finais de semana na cidade maravilhosa, os policiais responsáveis pelas blitz da Lei Seca estiveram pela cidade buscando motoristas com índices de álcool.

Sem entrar no mérito da indústria da multa ou no moralismo exagerado da lei, vale prestar atenção numa das vítimas da operação: o senador mineiro Aécio Neves, um dos homens mais cotados para disputar as eleições presidenciais em 2014.

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(http://papodehomem.com.br/boa-noticia-aecio-foi-multado/)

Bastante responsável pelo fracasso da Lei Seca, a não aplicação da lei – caracterizado na ausência das blitz com bafômetro – , deixou um espaço para que outras práticas sociais, de caráter contraventor, passassem a se desenvolver no seio da sociedade.

Dessa forma, identificamos diferentes interesses em torno da produção social da Bebida Alcoólica. Estas diferenças surgem como possibilidade de cooperação, competição e de conflito.

6 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS

Estamos completando um século de ações políticas e jurídicas, socialmente denominadas de Campanha de Combate às Drogas. Esta tem seu início justificado, como nos esclarece o trabalho “Controle Internacional de Drogas e Estratégias Políticas” de Thiago M. S. Rodrigues, membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinar sobre Psicoativos – NEIP, nos anos em que, nos Países Centrais, a questão do resguardo da salubridade pública foi encampada pelo Estado à medida que a medicina era rapidamente instrumentalizada como saber estatal.

Hoje, fundamenta-se no argumento de que existe uma intricada teia de associação entre o terrorismo, contrabando de armas, prostituição, tráfico de prostitutas, jogos de azar, contravenção em geral e outras formas de ação do crime organizado.

De caráter militar e repressivo, a referida campanha, resquício da antiga Guerra contra as Drogas, propaga a pretensa ideia de eliminar esse mercado. Notícias como EUA Acusam Venezuela de “Fracassar” no Combate às Drogas, Estado e Igreja Debatem Políticas e Práticas de Combate às Drogas, entre outras, expressam a amplitude que esta alcança, naquele momento, entre os diversos protagonistas políticos e sociais em nossa sociedade.

Alba Zaluar, antropóloga brasileira com atuação na área de antropologia urbana e antropologia da violência e autora da obra “Violência, Cultura, Poder” em 2002, nos fala que “inúmeros esforços foram feitos para deter o crescimento das drogas como poder econômico e fator degradante da sociedade”.

Contudo, é neste contexto de Estado Democrático permeado por uma crise social que a Campanha de Combate às Drogas vai perdendo seu caráter militar e repressivo e assumindo um viés educativo. Dessa forma, o Estado Social é aquele onde o problema das drogas passa a se constituir como problema de saúde pública.

É um período de forte influência neoliberal, propagadora do Estado Mínimo, onde a política de economia internacional, defendendo as leis de mercado como reguladora da sociedade, busca neutralizar o papel do Estado junto às questões sociais.

Neste contexto, a sociedade brasileira passa a gerar tanto instituições públicas como privadas, que por sua vez criam uma série de ações educativas com uma variedade de metodologias para tratar as devidas conseqüências do consumo de drogas. É um período marcado por discussões políticas em torno da “legalização das drogas”, de forma que, estas, passam a ser tema para uma série de manifestações artísticas e culturais.

A droga, a partir deste momento, passa a receber um tratamento que vai além do aspecto estritamente jurídico. De acordo com o trabalho “Drogas e Cultura: novas perspectivas”, FRIORE, um dos autores e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos – NEIP, nos fala de uma vertente que passa a reivindicar a inserção institucional da medicina na conduta das políticas públicas sobre drogas.

Dessa forma, cria-se a Secretária Nacional Anti-drogas – SENAD e o Conselho Nacional Anti-Drogas – CONAD a partir do decreto 2.632 de 1998. Ambos formam o Sistema Nacional Anti-Drogas e tem por meta: planejar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de prevenção e repressão ao tráfico ilícito, uso indevido e produção não autorizada de substâncias entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica, e a atividade de recuperação de dependentes.

A SENAD, ligado diretamente ao gabinete de segurança institucional do Presidente da República, o órgão do executivo máximo anti-drogas, segundo FIORE, 2002, tem progressivamente incentivado e financiado médicos-epidemiológicos, mas em nenhum momento, desde sua criação, algum médico chegou a ser cotado para assumir a sua direção.

Sobre o CONAD, que substitui o Conselho Federal de Entorpecentes - COFEN, nos fala ainda FIORE, em “Drogas e Cultura: novas perspectivas”, que “pouco mudou em sua estrutura”. No CONAD, apenas um representante do Ministério da Saúde e um da Associação Médica Brasileira - AMB estão entre os 13 membros. Nos Conselhos Estaduais, os CONEN’s, esta proporção pouco se altera. A SENAD tem incentivado os municípios a criarem seus COMAD’s (Conselhos Municipais Anti-Drogas) também seguindo este modelo.

Neste contexto, a Lei de Tóxicos, de 1976, contida de um tratamento legislativo, específico para as drogas, até então só dispensado nos anos de 1920, dá lugar a lei 10.409 de 2002. Esta, por sua vez, mantém os procedimentos dispensados ao papel das autoridades médicas, que até então se resumia em “apontar a existência legal da toxicomania” e “oferecer” tratamento compulsório, de acordo FIORI.

Em 27/10/2005, o Conselho Nacional Anti-Droga – CONAD – aprovou a nova Política Nacional sobre Drogas. Este órgão cria o Decreto nº 5912 de 27 de setembro de 2006 que regulamenta a Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006 que institui o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas – SISNAD. Este, por sua vez, prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas: define crimes e da outras providências.

Até então prevalecia a Lei 10.409 de 11 de janeiro de 2002, que dispunha sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e o tráfico ilícito de produtos, substancias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, assim alencados pelo Ministério as Saúde, e da outras providências. Esta “nova lei anti-tóxicos” reproduziu o mesmo tratamento dispensado pela antiga “lei de tóxicos”, de nº 6.368 de 21 de outubro de 1976, qual seja, não fez distinção entre tráfico e consumo. Ambas foram revogadas pela Lei 11.343 de 2006.

Retroativa, a Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007, dá nova redação ao art. 2º Lei de nº 8.072 de 25 de julho de 1990, à qual, dispõe sobre crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.

Dessa forma a lei nª 11.464 de 28 de março de 2007 apresenta tratamento jurídico retroativo a produção e ao tráfico de drogas.

6.1 O ESTADO E POLÍTICA NACIONAL SOBRE ÁLCOOL

O Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas, o qual objetiva tratar de forma igualitária, sem discriminação (grifo meu), as pessoas usuárias ou dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, cria, ainda, a partir do decreto 6.117 de 22 de maio de 2007, à Política Nacional sobre Álcool (PNA) que dispõe sobre as medidas de redução do uso indevido sobre álcool e sua associação com a violência e criminalidade das outras providências.

Em 2008, mais precisamente em 19 de junho, alterando a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Transito, e a Lei 9294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, por Conversão de Medida Provisória nº 415, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, cria-se a Lei nº 11.705, propagada “Lei Seca”, para inibir o consumo de bebidas alcoólicas por condutor de veículos automotor, e de outras providências.

Contudo, permanece no âmbito legislativo, mais especificamente no Código Penal, art. 28 § 1º, a isenção de pena ao ...agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento...

Dispondo então sobre drogas, a lei 11.343, que trata das políticas públicas sobre drogas, apresenta tratamento jurídico de irretroatividade com relação à produção de drogas ilícitas e de retroatividade com relação a produção da droga do tipo Bebida Alcoólica.

A Lei Seca, suscitando questionamentos quanto ao tratamento político e jurídico de descriminação, outrora dispensado a droga do tipo Bebida Alcoólica e mantido na lei 11.343, traz implicações para o pensamento social.

7 RESULTADOS

A Sociedade humana está permeada pelas mais diversas práticas sociais em torno da produção de Bebida Alcoólica. O Estado, por sua vez, permeado pelos mais variados interesses desse tipo de produção social, encontra no mercado outro elemento que influencia no exercício do poder da governança.

A produção social da Bebida Alcoólica de antecedentes religiosos, econômicos, culturais e sociais alocou grandes extensões de terras, articulou um incalculável e imensurável cabedal humano, material e tecnológico, e passou a “distribuir” o tempo com atividades sociais e culturais.

Constantemente presente nas festas humanas, a Bebida Alcoólica, além de ter adquirido um valor social e econômico, passou a desenvolver um poder político que reflete na defesa de seu interesse nas assembleias legislativa, executiva e judiciária.

O modo e os meios de produção da Bebida Alcoólica ofertam uma mercadoria que, a partir da tributação, propicia aos cofres públicos a aquisição de recursos econômicos.

Contudo, o mercado de Bebida Alcoólica cria na sociedade uma forma de dependência sem precedentes na história e que apresenta trágicas conseqüências para a saúde e a segurança da sociedade.

O Estado recorre ao mercado para atender sua demanda por recursos econômicos que lhe possibilite desenvolver Políticas Públicas sobre Álcool. Contraditoriamente, estes recursos em parte são fruto do tributo que o Estado aplica sobre o comércio desta mesma mercadoria.

O Estado desenvolve uma relação com a produção social da Bebida Alcoólica que suscita duas vertentes relacionais. Uma resulta da importância econômica e política que este tipo de produção econômica exerce junto ao poder público e que faz deste um signatário. A outra vertente surge da importância que o Estado tem para o desenvolvimento de Políticas Públicas que dêem respostas a esta forma de dependência sem precedentes na história e que apresenta trágicas conseqüências para a saúde e a segurança da sociedade.

Na medida em que a Política Nacional sobre Álcool trata de forma igualitária os usuários e os dependentes de drogas lícitas e ilícitas, as políticas públicas de caráter reducionista e repressivo passam, com este ato de irretroatividade na Lei Seca, a contrariar um conjunto de interesses econômicos e políticos que coloca a governança em situação crítica.

Mantendo seu caráter hipócrita, reproduzindo a criminalização da Bebida Alcoólica, ou seja, inocentando de culpa aqueles que compõem a produção social desta mercadoria, faz-se prevalecer a barbárie. A Campanha de Combate às drogas segue enaltecendo os malefícios das demais drogas em detrimento dos malefícios causados pela Bebida Alcoólica, fazendo desta um reles instrumento político-jurídico na defesa da oferta exclusiva da droga etílica.

8 CONSIDERAÇÕES

Leis, em si mesmas, não resolvem problemas. Estamos completando um século de ações jurídicas, ainda hoje, de caráter militar e repressivo. Durante este mesmo período, as políticas públicas de prevenção sem recursos econômicos específicos, sem planejamento e sem o envolvimento da educação não alcançam os objetivos possíveis e necessários.

Para além da doutrinação carregada de ideais comportamentais e morais indiferentes à heterogeneidade social e à liberdade pessoal para a escolha de estilos de vida, ainda que perdure a necessidade de tratamento militar e repressivo – coisa indispensável para o Estado –, urgente faz-se que superemos a carência de práticas sociais de caráter preventivo. Para tanto, assim como a governança no exercício do poder tem de implantar um projeto político e pedagógico voltados para a prevenção do uso indevido de drogas, o Estado deve dedicar um orçamento próprio para políticas públicas sobre drogas.

A implantação de tratamento compulsório, presente nos primórdios das Políticas Públicas sobre Drogas, continuam, como outrora, ignoradas pelo poder público. Muito embora o dependente possa recusar a se submeter a esta medita sanitária, o Estado, reconhecendo o papel da medicina, não pode continuar postergando o desenvolvimento das condições materiais, técnico-científicas e profissionais.

A noção sobre dependência química é semelhante à de estudiosos do passado no que se refere à cocaína, maconha e haxixe. Porém, o dependente de Bebida Alcoólica continua a receber um tratamento diferenciado, o que revela o quanto à sociedade se encontra comprometida com o consumo de Bebida Alcoólica. A constatação dos vários interesses, inclusive antagônicos, identifica a existência de conflitos, ao mesmo tempo em que nos fornece os elementos que justificam as práticas sociais de rejeição à Política Nacional sobre Álcool.

Assim sendo, o gestor público que se volte para a implementação de políticas públicas de caráter preventivo provocará menos incomodo no eleitor. Ao contrário, todas as políticas públicas de repressão e de redução, ações de caráter regulatório, colocarão o gestor público frente à insatisfação de uma parte significativa da sociedade e, consequentemente, do eleitorado. Esta insatisfação será uma expressão manifesta não só daqueles que contribuem para as estatísticas do consumo, mas também daqueles que, compondo o modo e os meios de produção social da Bebida Alcoólica, encontram nesta os mais variados interesses.

Proposta de aumentar ainda mais a cobrança de impostos sobre as bebidas alcoólicas para deixar esses produtos mais caros e, assim, desestimular o consumo, apesar de mexer com o humor social, satisfaz a necessidade que este tem de obter recursos econômicos, embora a busca por redução não se realize.

O Estado, sujeito ao mercado, consequentemente deixa o gestor público sensível às intempéries da crise social, de forma que, havendo agravamento dos problemas decorrente do uso indevido da Bebida Alcoólica, o gestor necessite implementar políticas públicas de caráter repressivo para promover uma maior discriminação do consumo de Bebida Alcoólica.

Contudo, a reprodução da atual Política Pública sobre Drogas, como um instrumento político e jurídico de sustentação do mercado de Bebidas Alcoólicas, enaltecendo os malefícios das demais drogas em detrimento dos malefícios causados pela Bebida Alcoólica, mantém o Estado de Coisas em que se encontra a Governança, expondo-a a um conflito de interesses econômicos que se sobrepõe aos interesses éticos e morais.

9 BIBLIOGRAFIA

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Site

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