Pra quê Conhecer?
Pra quê Conhecer?
ou “Das Ciências Humanas”
I. “Pra quê isso?” — Certa vez me perguntaram enquanto eu lia “Filosofia da Miséria” de Proudhon, livro que anterior à pergunta eu tinha dito ser um ensaio sobre economia do século XIX. E a criatura continuou “Pra quê ler isso? Não vai te servir de nada, eu prefiro John Green, você conhece?” — E eu bufei de raiva.
“Pra quê ler isso?” quantas vezes já não ouvi essa pergunta! Eles perguntam como se perguntassem “Por que você quer saber dessas coisas?” e esse pensamento que transmitem da corda para um outro que diz que “Tudo isso o que você lê não vai te servir de nada”. As pessoas não vêem sentido em ler filosofia, economia, psicologia, clássicos ou poesia, ninguém da sincero valor a isso, uns poucos eu diria. Hoje dá-se importância a todo conhecimento que tem seu valor na sua imediatez, nos estudos da escola por exemplo, dá-se valor aos cálculos. E um adolescente que resolve meia dúzia de cálculos difíceis na visão da nossa sociedade será sempre mais inteligente do que aquele que sabe fazer pintura ou que declama poesias muito bem. Dá-se valor à física, à química, por quê? Porque isso é o que gera emprego, isso é o que produz capital e na consciência coletiva de nossa sociedade deve-se viver em função dos impostos que se paga ao estado. Trabalhar e nada mais! Muito Hegel e pouco Marx. E eles continuam: “Mesmo com tantas exceções, a matemática é uma ciência indispensável à vida!” é o que dizem. E quantas vezes eu já não escutei que “A filosofia é inútil”? Ah! A filosofia é inútil! Todos os grandes matemáticas foram também grandes filósofos e houve certa época da história em que não havia distinção entre o que era a matemática e o que era a filosofia, na verdade a matemática nasceu da filosofia, afinal, não foi Pitágoras também um filósofo? A filosofia é a mãe da ciência, a alma mater de tudo o que se pensa, foi pensado e será pensado e toda a ideia que se cultiva em nossa consciência coletiva um dia foi a ideia de um filósofo. Nossa sociedade não sabe disso, nem se preocupa en saber, nada perguntam e nem querem perguntar, e todo o questionamento dessa sociedade visceral é, como diria Skylab, “Qual foi o lucro obtido?” — Essa é a filosofia da nossa sociedade, o capital! E tudo o que não pode produzir capital imediatamente não serve de nada. E por eu criticar nossa sociedade capitalista me chamam de comunista, logo eu que não consigo guardar 10 reais por mais de uma semana! Amo muito do que o capital produz, mas detesto com todas as forças essa sociedade que vive em função de produzir capital.
“Produzir capital! E que o conhecimento vá para o inferno”. É assim que pensam, é assim que foram ensinados para pensar, esse é o pensamento vigente em nossa genética social, é o que herdaram e o que ensinarão para seus filhos, não com essas palavras é claro, mas “produzir” é o que dizem uns pros outros. Não se pergunta “Qual o seu maior sonho” quando se encontra um colega transeunte, mas sim “Como vão os estudos?” e quando parentes distantes vêm nos visitar não é o “Sua saúde mental anda bem?” que eles perguntam, mas sim “já arranjou um emprego?” e perguntas assim, perceba, são inevitáveis numa conversação onde não se têm intimidade com alguém, e essas conversas entregam a patologia social que é viver nessa sociedade de formigueiro.
II. No entanto, ainda que me esforce para tal, não são um pensador ou um filósofo, não estou além ou aquém do que pensa a consciência coletiva, pelo contrário, sou a mais profunda vítima de tudo aquilo o que escutei durante a minha vida e de tudo aquilo o que me ensinaram, e entre esses meus frequentes devaneios certa vez me perguntei: “Pra quê isso?”. Ora, ora! Não seria muito mais fácil e muito mais palatável deixar tudo isso de lado? — Por que eu me perco tanto em pensamentos pessimistas e em divagações infames que me levam sempre à dor de cabeça? — Por que dedico qualquer segundo do meu tempo às ciências humanas? À poesia, ao desenho, à filosofia e à psicologia? Que tudo isso vá pro inferno! Que eu me livre dAs Dores do Mundo as quais todas essas leituras vêm cultivando em mim! Afinal, a mediocridade sempre foi uma opção! — Por que faço questão de me perder em tudo isso, pra quê isso?! E logo após essa epifania acéfala eu dei a mim a resposta para as minhas próprias perguntas:
Todo leitor é um louco. Todo leitor é um esperançoso otimista, um louco a princípio de todas as coisas, um louco! E a leitura dos bons leitores é das mais inspiradoras. Todo poeta é um louco. Todo poeta é um esperançoso otimista, um louco a princípio de todas as coisas, um louco! E a poesia dos bons poetas é das mais inspiradoras. Todo filósofo é um louco. Todo psicólogo é um louco, todo músico e todo artista, todo ator e todo cronista, todo artesão e todo psicanalista: São todos uns loucos! E por que são assim tão fora de si? Porque carregam, no fundo de seu coração uma esperança dantesca. Os que lêem, lêem porque o mundo não basta. Lêem para fugir de toda guerra e toda fome, toda dor e toda mágoa, lêem por que a vida não basta, e não é assim também com quem produz(digo no sentido humano)? O filósofo pensa para fugir da mazela humana, ou para resolvê-la, e em sua filosofia expressa a infinita esperança de que toda essa situação um dia escape, assim como faz o poeta e o psicólogo, assim como fazem os artistas e os artesãos. O poeta escreve, o psicólogo cura, o artista pinta e o artesão cria, e porque insistem em fazer o que fazem? Por que carregam em seus corações a infinita loucura de querer que suas atividades lhes proteja do mundo, ou ainda, que mude ele! E esses tipos são os mais inspiradores. Eles inspiram porque são ousadamente loucos para terem a esperança de que o que fazem mude o mundo, ou mude qualquer coisa, são eles os agentes da mudança! O artista inspira o garoto a desenhar, que começa, e se torna um artista que inspira tantos outros, e um dia, quem sabe, a arte mude o mundo! O filósofo ou o professor ensinam seus alunos a pensar, e esses se tornam mestres, e ensinam para tantos outros a loucura de querer mudar o mundo. E é assim, palavra por palavra que se muda qualquer coisa, é assim que se dá a mudança, não existe revolução súbita, nada acontece de um dia para o outro, toda grande revolução se antecedeu de pequenas mudanças, pequeninas, que acabaram por mudar tudo. Ora, antes de revolucionar a física, Newton teve que ler o seu primeiro livro, e página por página ele tecia o ornamento do seu devir.
E é por isso que eu insisto em fazer o que faço, é por isso que me dou às ciências da alma, à filosofia, ao desenho, à poesia e à psicologia, porque carrego em meu seio a esperança de mudar o mundo! E senão, de mudar qualquer coisa, de mudar minha mágoa, minha tristeza, ou a mágoa e a tristeza de alguém, eu quero um phanta rei absoluto! Tenho a louca esperança de que um dia tudo vai ficar bem! E eu sei que os agentes da esperança não são os ignóbeis, os estáticos, os felizes e contentes, mas sim os que pensam, os que fluem, os inquietos, esses foram os que mudaram o mundo! Tenho a esperança de mudar as pessoas ao meu redor, e sei que muitas vezes já o fiz, tenho a esperança de mudar a mim, de me conhecer tão intimamente que poderei me considerar meu melhor amigo e meu próprio mentor, eu tenho essa esperança! Eu sei. Isso é ousado, é absurdo, mas eu não ligo. Eu quero mudar a condição da minha alma, quero elevar o meu espírito, e se não for algo muito presunçoso, quero elevar o espírito de tantos outros! É pra isso que servem as minhas leituras, as minha produções e isso é tudo o que eu quero, a ataraxia, a beatitude, a consonância da alma, é isso o que importa!
III. E se não for fazer o que faço, e se não for ler o que leio, produzir o que produzo, o que fazer da vida então?
Pra quê isso? Pra que serve a filosofia? Ora! Pra que serve qualquer coisa então?
IV. A física e a matemática já levaram o homem à lua, e eu, um louco, tenho a esperança de que a arte e a filosofia levem o homem a si mesmo!
Apêndice: A ideia do ensaio veio quando lia “Três Irmãs” de Tchekhov, e num dos diálogos do livro tive a resposta para algo que me inquietava: “Por que leio?”, “Por que ouso querer saber?”. Inspirado pelos diálogo de Vachinin com as três irmãs, e ainda, inspirado em tantas outras coisas que não cabem na alma, às 4 da manhã fui escrever este ensaio, com a ironia na cabeça: “Encontrei lendo, a resposta para porquê insisto em ler”. E no fundo, é por isso que leio e é por isso que tantos lêem, procuramos nos livros as respostas que não conseguimos dar a nós mesmos.