Carta a um jovem professor
“ Portanto, um príncipe deve sempre se aconselhar, mas quando ele quer e não quando querem os outros. Deve desencorajar todos a darem-lhe conselhos, sem que ele peça.” Começo este breve texto com essas palavras de Machiavel, que em minha opinião, escreveu o melhor livro sobre o ser humano – O Príncipe. Você manifestou o desejo de que eu lesse seu trabalho, analisasse e tecesse opiniões. Não sou equipado intelectualmente para tal trabalho, mas se você me deu essa honra, farei o melhor possível.
Nietzsche disse, certa vez, que a linguagem é a vulgarização. Aquele que fala vulgariza suas ideias. Ideias são grandes demais para caber na linguagem – linguagem, criação humana e portanto limitada. Mas a vulgarização das ideias têm algo positivo, pois a partir desta vulgarização, homens medíocres como eu, podem mais ou menos compreendê-las. E compreender é tudo!
Neste momento, é válido indicar algo importante: li seu texto, peguei as ideias que me pareceram mais convenientes, deformei-as até que estivessem ao meu gosto e então, sem titubear, absorvia-as. Não me sinto culpado por isso, afinal, os sábios gregos - o povo mais ilustre que já existiu neste planeta - eram famosos por este hábito. Capturavam as culturas dos mais distantes povos, e transformava-as para assim serem plenamente assimiladas pelo espírito grego. Digo isso, pela reiterada questão que coloca : a formação do professor. Vou ampliar essa ideia – a formação do professor é contínua, adapta-se ao seu meio, segue um caminho para a evolução. A cultura – entendo a cultura como o conjunto de ideias de um povo sobre como relacionar-se com o mundo ao redor e aos outros homens – não como algo excludente, a cultura não tira coisas, a cultura absorve constantemente novas ideias, até que possa englobar todas as ideias possíveis, todo o imenso horizonte capaz do entendimento humano, até que dentro dessa totalidade possa fazer-se perfeita. Essa é como entendo a formação do professor, uma caminhada constante, evolucionando, para chegar a perfeição. Voltando a Grécia – a Grécia não é um solo fértil, porém, sua costa marítima permitiu-lhes entrar em contato com o mais variado conhecimento. Assim é a formação do professor. Usando uma frase tão cara a Sartre, posso sintetizar a ideia que encontrei em seu texto e que eu mesmo acredito (em parte) – o ser e o nada - onde o ser é o constante esforço criativo de transformar o indivíduo e o mundo em algo, sempre em contato com o outro, pois o homem sem a sociedade/cultura vira uma besta - ou um deus, ou um filósofo.
Defendamos a ideia de um professor verdadeiramente culto – e portanto uma simples abstração, algo irreal – mas mesmo este professor seria apenas um pusilânime, apenas um funcionário. Os bons funcionários são os que justamente reproduzem de maneira fiel o discurso de seu empregador. O professor que não segue o discurso do empregador é por vezes tachado de incompetente e portanto, demitido. Alguns, ainda que razoavelmente cultos, escondem suas opiniões para manter o empregado e neste caso, permitem que o conservador triunfe. Na África do Sul, conversando com estudantes da Universidade de Cape Town, descobri que inda hoje os jovens professores de origem xhosa são frequentemente substituídos em suas funções por professores afrikaans. Outro caso célebre que deve ser lembrado, é o do grande Bertrand Russel que foi impedido de exercer sua função no Colégio de Nova Iorque. Ou voltemos aos gregos e citemos Sócrates, assassinado pelos mesmos atenienses que tanto amava. O professor é um funcionário e nada mais. Mas de qualquer maneira, os professores não são cultos. Por uma simples questão econômica não o poderiam ser. A educação já há uns dois seculos se apresenta como uma enorme necessidade de todos, e é impossível suprir esta demanda. Qualquer um pode e é professor, obviamente, os mais preparados dedicam-se as castas superiores – Castas! - e os menos atendem o público que pode pagar menos ou nada. Estas inconvenientes leis econômicas que regem nossa existência nesse mundo. Mas o mais preparado e o menos preparado continuam sendo funcionários, e eu já disse o que é um funcionário. O drama se faz ainda maior com os professores dos anos iniciais, em que as crianças, desprovidas da família – barreira prática entre o indivíduo e o estado – estão à merce dos professores e das escolas. Acredita que a Universidade Pública permite maior liberdade? Não acho. Suas teorias caminham e você verá que conforme se tornar mais importantes seus escritos e começar a falar coisas ainda mais sérias, essa mesma universidade irá fechar-lhe as portas. Só temos liberdade enquanto falamos de coisas inofensivas. Melhor seria uma universidade privada que tivesse certa independência diante do estado. É preciso ser independente – acho. Mas essa universidade não existe em nosso país. Estamos presos ao discurso oficial, a voz da autoridade, que em algum momento foi a igreja, e hoje talvez seja o dinheiro. Ou pior, a ciência, essa ciência que se comporta como religião – o discurso científico com seu aspecto imparcial, com seus supostos métodos rigorosos, com sua covarde imparcialidade sempre na terceira pessoa, como se a ciência não fosse feita por homens e sim por alguma entidade – e hipocritamente se coloca oposta a mesma religião. Gostaria de ver mais o EU e neste caso prefiro ler poesia. Mas considero que um poeta muito se alimenta não dos homens da ciência, mas sim da ciência que estes produzem.
Talvez devêssemos voltar nossos olhos para o educador, este seria mais próximo de algum sábio louco – loucura é sempre mais sabia – que teria a vida de um vagabundo trotamundos, que o único que saberia é que nada sabe. Uma figura romântica.
Entendo sua preocupação, a sua necessidade em entender a formação do professor, do universo, de como os homens se relacionam, de como se produz cultura, de como as pessoas devem ser galileicas – abertas as novas ideias e questionadoras dos velhos paradigmas. Entendo que você faz ciência e o mundo precisa de ciência. E não necessariamente pelo texto, mas pelas conversas que tivemos percebo que você combina duas características imprescindíveis – busca pelo conhecimento – o que já é conhecimento – e amor. Duas ferramentas que enobrecem seu trabalho.
Neste último momento falaremos das críticas, está bem? Um conceito bastante interessante da teoria da literatura, levanta a hipótese de que não há livros bons ou ruins. O que existe é o leitor certo para o livro certo e o livro errado para o leitor errado. Por exemplo, no nosso país os livros de Zíbia Gasparetto são muito mais lidos e apreciados que o Dom Quixote, porque em nossa terra são poucos os leitores certos – capazes – para apreciar a obra de Cervantes. Retomando com as palavras com as quais inicie esse texto, somente as críticas dos que importam devem importar a você, melhor ser aplaudido por um sábio que por uma multidão de bestas.
Conclusão : Em toda a bíblia, um livro perverso e imoral, acredito que tem algo que vale a pena ser lido. Eclesiastes. Em Eclesiastes diz-se que “ filho, há mais uma coisa que eu quero dizer: os livros sempre continuarão a ser escritos; estudar demais cansa a mente” . Isso somos, homens cansados, pois em nossas costas repousam os milênios de conhecimento que a humanidade depositou.
Observação: Antes de iniciar a leitura de seu trabalho, estava apreensivo, pois imaginei que seu paradigma, sua visão de mundo estivesse – ao meu ver - equivocada. Eu acredito que devemos primeiro mudar o mundo para depois mudar a educação e não o contrário. Mas já nas primeiras páginas percebi que você não enxerga a educação desta maneira tão obvia e romântica e segui a leitura com bastante atenção e prazer.