O tempo reduz um evento impactante à sua real dimensão
Há uma frase aparentemente óbvia dita quando se deseja consolar alguém que ficou muito triste por alguma perda que o afetou emocionalmente: o tempo tudo cura. É verdade que o tempo, aos poucos, faz diminuir essa tristeza até ela se dissipar de vez. Quem nunca sofreu a tristeza profunda pela perda de um ente querido, para depois, pouco a pouco, sentir a ferida da tristeza sendo cicatrizada até fechar de todo?
Mas a frase tem uma dimensão semântica mais ampla se considerarmos que sua dinâmica remete a quaisquer eventos que nos impacte emocionalmente, principalmente quando eles ameaçam nosso ego de forma muito forte.
Penso que a força de um evento pessoal que emocional e negativamente nos impacte tão intensamente no momento em que ocorre, a ponto de desejarmos que algo excepcional nos alivie (o desejo extremo seria o suicídio, diante de um fato também extremamente doloroso) tende a se diluir com o passar do tempo, a ponto de, em determinado momento do futuro (desde que não tenhamos nos suicidado, é claro), nos perguntarmos, incrédulos, por que, devido ao evento, agora banal diante da distância temporal, reagimos de forma tão desproporcional.
Para ilustrar essa tese, conto uma história real com final trágico, que me foi contada por um conhecido. Sabe-se que os preços de commodities (produtos primários, como petróleo, ouro, café, algodão, proteína animal, etc.) no mercado internacional são tão variáveis e imprevisíveis como os de ações de empresas em bolsas de valores, pois dependem de fatores aleatórios ou conjunturais, tais como climas adversos, a política nos países produtores, acidentes ou epidemias naturais, etc. Com um preço favorável no mercado internacional para o feijão, um sitiante plantador de feijão esperava colher a safra e embolsar um bom lucro. Mas algo aconteceu de repente (o conhecido que me contou a história não soube me dizer o que) que fez com que os preços do feijão despencassem no mercado. Em minha opinião, talvez um clima favorável nos maiores países produtores deflagrasse um excedente de feijão que fez os preços desabarem. Ao saber da queda dos preços e da reversão das suas expectativas, o sitiante suicidou-se num dia de festa à qual comparecera (e que acabou quando todos ouviram o estampido de um tiro). A viúva assumiu o sítio e, passado não muito tempo, viu os preços do feijão voltarem à normalidade, conseguindo vender aquela safra com o lucro que o marido tanto almejara. Ela constatou, provavelmente desolada, que o suicídio do marido fora um ato precipitado sem fundamento.
Eu gostaria muito de incrementar essa história, dando uma justificativa mais racional para a decisão tão drástica do sitiante, inventando que ele fizera um empréstimo com o banco, dando o sítio como garantia, para preparar a safra. Quando o feijão estava pronto para ser colhido, os preços desabaram no mercado. Como contava com a safra para pagar a dívida, não suportou a ideia de perder o sítio e suicidou-se. Sua esposa, herdeira do sítio, viu os preços voltarem ao normal, recebeu o lucro e pagou a dívida do banco.
Entretanto, imaginação à parte, temo que a história real seja tão simples como ela me foi contada. O sitiante não tinha nenhum fator mais impactante (como a ameaça de perder o sítio) para motivá-lo à ação de se suicidar. A motivação foi apenas a quebra instantânea de sua expectativa quanto ao preço do feijão. A expectativa de conseguir um bom lucro estava tão enraizada em seu espírito que a sua simples quebra teve o poder de fazer seu espírito desmoronar. Não houve uma reflexão sobre essa particularidade cíclica do mundo financeiro (o sobe e desce dos preços de ações e commodities) ou não houve alguém que o alertasse nesse momento crítico.
Esse exemplo mostra que nos momentos de desespero, seja diante de eventos extremos ou de eventos mais simples que nos impactam tão desproporcionalmente, devemos por a mão na cabeça, respirar fundo ou contar até dez, e imaginar sempre se aquele evento, agora emocionalmente tão impactante, no futuro não será visto como um evento banal que não deveria ter causado esse impacto tão desproporcional a nós.
Como um evento banal, conto um caso pessoal. Um pouco abalado por um problema de saúde relacionado ao sistema nervoso, e apressado para chegar à minha casa, atravessei meu veículo num semáforo quando o sinal vermelho já estava aceso para mim logo após o sinal amarelo apagar-se. Como os veículos da rua transversal estavam ainda parados preparando-se para sair ao sinal que ficara verde para eles, achei que daria tempo para eu seguir com o veículo. O que eu não contava era com uma moto (veículos difíceis de visualizar e que geralmente saem apressados mal o sinal abre para eles) que bateu no meu para-choque dianteiro do lado esquerdo. O impacto físico (da moto contra o meu carro) causou um impacto emocional tão grande em mim que fiquei momentaneamente aturdido, já imaginando todo o rebuliço que causara, gente em volta, polícia vindo, e tudo ocorrera por causa de um erro claro meu (atravessar no sinal vermelho). O dono da moto, um estudante, também ficou abalado, pois seus planos pessoais no dia estavam comprometidos. Acalmou-se, porém, quando reconheci meu erro e me responsabilizei pelos danos na moto, que, felizmente, não pareciam graves. Para esperar a polícia chegar, sentei-me num banco na calçada, com a cabeça entre as mãos, buscando acalmar-me e controlar o problema da tontura no meu sistema nervoso. Apiedadas de mim, as funcionárias de uma farmácia de manipulação chamaram-me para tomar uma água e descansar lá dentro enquanto esperávamos a polícia chegar. Na entrevista para a ocorrência, o policial perguntou-me se eu atravessara no sinal amarelo, o que tiraria minha culpa no caso. Disse-lhe que não, que tinha que ser honesto e que atravessara no sinal vermelho, quando o sinal amarelo já se apagara. Não sei de fato o que ele anotou, mas depois, por uma rápida frase que ele me disse, talvez admirado por minha honestidade, deu a entender que anotara que eu atravessara no sinal amarelo. Até hoje não recebi a multa que justificadamente eu merecia.
Pedi desculpas ao motoqueiro pelo transtorno causado e disse-lhe que consertasse a moto e me trouxesse depois a fatura para ressarci-lo. Dei-lhe meu telefone e endereço para combinar o pagamento. Alguns dias depois ele me trouxe o valor do gasto: meros R$ 173,00. Para recuperar o para-choque do carro gastei depois R$ 300,00. Todo o transtorno causara um prejuízo material de R$ 473,00, irrisório diante do impacto emocional desproporcional que acarretou no momento em que ocorreu.
Vale lembrar que, no tema em questão, o evento impactante não se restringe aos eventos que nos causam dor, mas também se refere aos que nos causam prazer. Ganhar algo (uma loteria, a valorização excepcional de uma ação na bolsa de valores, o campeonato pelo time do coração, um elogio sincero do professor) pode causar uma alegria imensurável no momento imediato, que se dilui ao longo do tempo até que um dia ela se tornará um episódio tão banal na nossa biografia que mal nos lembraremos do impacto emocional que nos causou. Embora tenhamos que fazer a ressalva segundo a qual, conforme nos ensinam as finanças comportamentais, a perda de um determinado valor causa um impacto emocional duas vezes maior do que o impacto emocional de um ganho de mesmo valor (perder R$ 100,00 causa um impacto emocional duas vezes maior do que ganhar R$ 100,00). No caso do torcedor que, no jogo final, perdeu o campeonato com seu time, a dor da perda terá um impacto emocional duas vezes maior do que o impacto emocional da alegria do torcedor cujo time ganhou o campeonato. Portanto, a diluição do impacto emocional ao longo do tempo será mais rápida no caso dele ter sido prazeroso do que no caso dele ter sido dolorido. O que, no frigir dos ovos, não terá muita importância para o agente, já que tanto lhe faz o tempo que levará para se “curar” do evento.
Devemos, portanto, diante de um evento que nos impacte muito fortemente, enquadrá-lo na perspectiva vista do passar do tempo ou, melhor, do futuro distante, quando parecerá tão banal que nos perguntaremos por que, afinal, reagimos tão desproporcionalmente a ele.
Para um exemplo deste tema que emocionará o leitor, recomendo-lhe assistir ao filme “A Felicidade Não Se Compra” (EUA, 1947), do diretor Frank Capra, com James Stewart. Foi esse filme que, após assistirmos a ele, motivou o meu conhecido a contar-me a história do sitiante suicida que não suportou a queda do preço do feijão. Para uma ideia do que trata o filme, segue uma breve sinopse. George Bailey (Stewart) é um homem que sempre ajudou a todos, mas, em razão das maquinações de um desafeto, pensa em se suicidar saltando de uma ponte. Um anjo que quer ganhar asas é enviado à Terra para tentar dissuadir Bailey da sua decisão. Para isso, mostra-lhe como seria difícil a vida de todos que gostam dele se ele não existisse.