Os chamados graus filosóficos são os graus onde a mística que faz da Maçonaria uma prática tão fascinante é desenvolvida em toda a sua plenitude. No Rito Escocês Antigo e Aceito, eles vão do 19º ao 30º, num processo ao longo do qual se distribui toda uma série de ensinamentos de fundo moral e iniciático, destinada a inspirar o iniciado maçom a buscar maiores patamares de sabedoria e aperfeiçoar, ainda mais, o seu espírito. Nesses graus a ênfase é posta na face ética e espiritualista da prática maçônica, razão pela qual encontraremos, ao longo do desenvolvimento dos rituais respectivos, uma série de temas filosóficos e esotéricos, ora tratados de forma simbólica e iniciática, na melhor tradição das antigas seitas gnósticas e escolas cabalísticas, ora de forma acadêmica, como numa escola tradicional.
As alegorias que fundamentam o desenvolvimento do catecismo maçônico nos graus filosóficos são impregnadas de um profundo misticismo, inspirado pelas tradições herméticas, a gnose cristã praticada pelo movimento rosa-cruz, e principalmente pelas doutrinas cabalistas. Aliás, é nesta última disciplina, a Cabala, que fundamentamos a maioria das análises feitas neste trabalho.
Procura-se realizar, com base nesse simbolismo, o desenvolvimento de uma filosofia semelhante à que amparava a Cavalaria do Graal, ou seja, uma filosofia cristã, de fundo místico, cujo objetivo é demonstrar ao iniciado maçom que o homem verdadeiro é aquele que combina em seu caráter a espiritualidade transmitida pela verdadeira sabedoria contida nos escritos do Velho Testamento ‒sabedoria essa que foi transmitida por Deus aos patriarcas hebreus e seus profetas ̶ com os ensinamentos de Cristo, transmitidos pela melhor tradição gnóstica. (1)
Em nossa obra “Conhecendo a Arte Real (2)advogamos para
os filósofos hermetistas da Renascença, especialmente Giordano Bruno e os chamados filósofos do movimento Rosa-Cruz, uma influência bastante sensível na formação dos grupos especulativos que deram origem á Maçonaria moderna. Agora podemos dizer que tais grupos, que chamamos de rosacrucianos, não teriam existido se não fossem os cultores da Cabala filosófica, cujas escolas se desenvolveram a partir do século XII, principalmente nas regiões européias com predominância da cultura mourisco-judaica, onde a influência da Cabala era muito forte. Foram filósofos dessa escola, como Picco de La Mirandola, Johann Reuchelin, Cornéllius Agripa, Guilherme Postel, mais este último, aliás, os grandes inspiradores da tradição hermética renascentista e particularmente do chamado pensamento rosacruz. Postel, que nasceu em 1501, foi o autor de uma obra chamada De Orbis Terrae Concondiae, na qual advoga o estabelecimento de uma única nação universal, guiada pelo Papa e governada pelo rei da França, que, segundo ele, era descendente direto de Noé.(3) Conta-se que tentou convencer inclusive o fundador da Ordem dos Jesuítas, Inácio de Loyola, para ajudá-lo a estabelecer uma Confraria universal para a realização desse pro- pósito.(4)
A interação mais profunda entre a tradição cabalística e a filosofia dos rosa-cruzes, porém, só viria acontecer mais tarde, já no século XIX. Foi responsável por essa interação o químico Estanilau de Guaita, que fundou em 1887 a Ordem Cabalística da Rosa-Cruz, cujo objetivo era o combate a toda forma de charlatanismo dentro daquilo que ele entendia como a verdadeira ciência, ou seja, a cabala filosófica. Data dessa época a separação dos grupos rosacrucianos; uma parte dele continuou na Maçonaria, desenvolvendo nos seus diversos ritos a filosofia espiritualista, tal qual a conhecemos hoje. A outra se dividiu pelas Ordens Rosa-Cruzes que se criaram pelo mundo e formam hoje a Organização conhecida por esse nome.(5)
Kadosh
Os graus filosóficos são ministrados na Loja conhecida como Conselho Filosófico do Kadosh. A palavra Kadosh é de origem hebraica e significa “sagrado”. Deriva das tradições rabínicas existentes nas antigas seitas de Israel. “Kadosh” era o sacerdote revestido de características especiais, inviolável, um mestre consagrado, possuidor de todos os conhecimentos da religião judaica e tido como verdadeiro profeta. É uma tradição da religião judaica, inaugurada pela seita dos essênios, cujos membros se isolaram no deserto, fundando colônias e cultivando antigas tradições do povo de Israel, sempre com a finalidade de restabelecer os costumes e a religião a eles dada por Moisés, por ocasião do Êxodo do Egito. Na tradição cabalística o “Kadosh” era o presidente da chamada Assembléia Sagrada, grupo de rabinos iniciados nos mistérios da Cabala e guardiões da Doutrina Secreta da religião de Israel.(6)
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Nos antigos ritos da Maçonaria Escocesa o sacerdote “Kadosh” usava um cetro, ou uma medalha dourada na testa para demonstrar o seu status. Era tido como guardião dos “segredos ocultos”, aquele que defendia a entrada da “cripta” onde se ocultavam os Mistérios. É possível que esses elementos rituais tenham sido incorporados pelos cavaleiros templários em seus ritos, sendo depois trazidos para a Maçonaria pelos chamados rosacrucianos que se filiaram à Ordem no fim do século XVII e início do século XVIII, já que entre esses filiados havia muitos “cristãos novos”, que entraram na Maçonaria para escapar da dos Tribunais da Santa Inquisição.(7)
Embora sem o misticismo dos antigos rituais, o simbolismo dos ritos templários, enxertado pela tradição cabalística, foi adotado em vários sistemas maçônicos e tornou-se um conjunto de graus iniciáticos. No Rito Escocês, acredita-se que ele foi introduzido primeiro na Loja de Lion em 1743 e daí se espalhou pelas diversas Lojas do continente, sendo depois incorporado no conjunto do ritual. Em princípio era um rito de caráter predominantemente militar, uma vez que o próprio REAA, como se sabe, foi criado pelos partidários do Príncipe Charles, herdeiro do trono inglês, quando este esteve exilado na França.(8) Mais tarde ele foi reformado pelo Grande Oriente da França, transformando-se num rito essencialmente filosófico.
Dessa forma, podemos dizer que os chamados graus filosóficos, ou Kadosh, são estruturados a partir das tradições hebraicas fornecidas pela grande tradição da Cabala, principalmente. Incorporam também vários elementos da Gnose cristã e da tradição hermética, que podem ser recenseados na forte presença dos temas ligados á alquimia. Finalmente, há também uma grande influência da cultura cavalheiresca, pela evocação constante de temas ligados á cavalaria medieval, especialmente os cavaleiros templários.
Esse cipoal de influências não é estranho, dado que a Maçonaria é a herdeira natural de todas essas tradições cavalheirescas, sendo como é, por analogia entre seus objetivos e os princípios cultivados pela Genette, uma verdadeira cavalaria moderna.
O Passo da Reflexão
Na passagem pelos graus filosóficos o iniciado maçom dará aquilo que nós chamamos de Passo da Reflexão. Isso significa que ele será confrontado com as verdades iniciáticas da Maçonaria e terá que julgá-las apropriadamente, contrastando-as com suas próprias crenças e seu modo de viver.
O Passo da Reflexão é um simbolismo ligado à chamada queda do homem, ou seja, a expulsão do casal humano do Paraíso em razão da sua desobediência aos preceitos de Deus, que os havia proibido de comer do fruto da Árvore do Conhecimento.(9)
Essa passagem bíblica é uma metáfora que evoca o momento histórico em que o homem tornou-se uma criatura inteligente e passou a fazer reflexões sobre as suas razões de existência. Ele descobriu a natureza do bem e do mal e extensão da sua própria força. Com isso pensou que poderia dominar a natureza e ombrear-se com os próprios deuses que eles cultuavam. Isso é o que diz a Bíblia e também o que sugerem os mitos gregos. Embora essa idéia tenha ficado mais patente na tradição dos helenos, uma cultura profundamente humanista, centralizada no homem como ponto máximo da criação universal, todas as tradições religiosas dos povos antigos sugerem que em dado momento da sua história o homem se sente, ele mesmo, um deus. Parece ser capaz de tudo. Assim, o herói grego, conforme aparece nas lendas e nas tradições da Grécia clássica é um semideus, que em certos momentos, se mostra inclusive mais inteligente e poderoso que os próprios deuses.
Na verdade, o herói das tradições gregas e judaicas nada mais é que uma emulação das virtudes masculinas de dominação, derivada da concepção patriarcal que se instalou na sociedade a partir de certo momento histórico. Com isso, o homem rompeu seus elos com os poderes superiores e afirmou-se como um poder paralelo, capaz de desafiar a própria divindade. Com essa concepção a movê-lo, ele elevou-se acima de sua
condição humana, invadiu os territórios que antes eram reservados aos deuses, enfrentou-os, e não raras vezes até conseguiu derrotá-los. Assim é que Ulisses desafia Netuno, Prometeu rouba o fogo divino, Hércules realiza todas suas provas sem que nenhum Deus seja capaz de detê-lo, os faraós tornam-se, eles mesmos, verdadeiros deuses, os gregos fazem de Alexandre uma divindade, os imperadores romanos são deificados e assim por diante.(10)
Wallis Budge lembra que o anseio humano pela conquista da divindade era particularmente forte entre os egípcios, que pensavam poder adquiri-la diretamente dos deuses, comendo-os. Na Pirâmide de Unas lê-se que aquele faraó, “comera” parte do corpo dos deuses para obter seus atributos divinos. Com isso se tornara também uma divindade, representada pela estrela Orion. Diz aquele autor que o objetivo dos egípcios era obter a posse do poder mágico e o conhecimento das palavras de passe, que lhes daria poder ilimitado e imortalidade, atributos que só se conferiam à divindade. E o único meio pelo qual poderiam se apossar deles era “comendo o corpo dos próprios deuses”.(11)
Essa prática também foi observada por James Fraser, que relatou em sua obra clássica (O Ramo de Ouro, 1929), o costume dos indígenas da Polinésia de devorar a carne dos seus inimigos. Muito mais que a necessidade de se alimentar, o canibalismo entre as tribos polinésias, africanas e americanas, tinha um sentido esotérico. Eles costumavam comer a carne dos seus inimigos na esperança de adquirir sua força.O próprio Cristianismo não escapou á influência dessa tradição. Jesus concitou seus discípulos a “comer a sua carne e beber o seu sangue” como forma de realizar comunhão com ele. O simbolismo dessa metáfora é evidente. A Igreja Católica, ao adotar o costume de partilhar a hóstia em suas missas incorporou essa tradição aos seus rituais. Nesse costume está o profundo sentido místico de “comer o deus” para realizar a união com ele, isso é, adquirir a sua força.(12)
A teologia hebraica- cristã interpretou o mito da expulsão do casal humano do paraíso como sendo uma conseqüência do pecado que o homem cometeu contra Deus, instigado pelo seu opositor, Satã, tido como o invejoso anjo do mal que queria usurpar o lugar Dele. Assim, aquilo que para os gregos foi um grito de liberdade do homem em relação aos desígnios divinos, para as religiões inspiradas no monoteísmo hebraico foi uma rebelião perpetrada pelo anjo opositor e espalhada entre os seres humanos. Daí o conceito de pecado e as teorias da expiação e resgate do ser humano, desenvolvidas pelos povos do Oriente Médio e amplamente divulgadas em suas religiões.(13)
Parece-nos, todavia, que esse mito não é mais que a evocação inconsciente de um acontecimento biológico, ocorrido na longa história da evolução do organismo humano. Ele significa, na verdade, o momento em que o homem, emergência descontinua numa sucessão de ocorrências biológicas processadas em série, deu um salto qualitativo no seu processo de desenvolvimento e produziu a sua primeira reflexão. E dela emergiu como um deus, com a sensibilidade do bem e do mal, do que era certo e errado, com a sabedoria enfim, ainda que meramente intuitiva, de que havia forças no universo que produziam os acontecimentos, e que eles não eram meramente obras de “entidades” que as perpetravam ao seu bel prazer.
Assim, todos os mitos que evocam uma rebelião do homem contra os deuses, ou o conflito deste com a divindade, nada mais simbolizam que o momento em que o homem deu o grande passo que o fez diferente das demais espécies vivas: o Passo da Reflexão.
Esse é, inclusive o entendimento de alguns teólogos e mestres cabalistas, que vêem nessa metáfora bíblica uma forma de compatibilizar a visão bíblica com as modernas teorias científicas que pregam ser o homem um produto de uma longa evolução que começou na mais primitiva das formas de vida e vem seguindo um processo de desenvolvimento controlado por leis postas na natureza por uma Mente Universal.(14)
A função dos “Mistérios”
Os graus filosóficos, muito apropriadamente, começam com a alegoria dos Doze Trabalhos de Hércules. Dizemos apropriadamente porque essa alegoria é a mais perfeita metáfora que já foi desenvolvida pela inteligência humana para simbolizar o ensinamento iniciático. Ela era utilizada nos Mistérios de Elêusis para exemplificar a jornada do ser humano pela terra e sua luta para adquirir as virtudes másculas que todo homem devia cultivar. Essas virtudes eram exibidas nas vitórias dos heróis sobre os “monstros” que os poderes superiores e inferiores (do céu e do inferno) suscitam, ora para perder, ora para emular o caráter do homem. Os gregos identificavam os trabalhos de Hércules com os próprios Mistérios e diziam que quem os entendia era um verdadeiro iniciado porque então descobria o sentido da vida e qual a sua missão na terra.
Toda tradição esotérica está vinculada ao mito dos heróis. A própria palavra “herói” significa guardião, o que nasceu para servir e conservar (a tradição).(15)
Por isso as provas enfrentadas nos chamados Mistérios eram verdadeiros desafios, nos quais o iniciando precisava sair vivo para dar mostras de que era merecedor do beneplácito divino. Daí todas as histórias a respeito dos heróis, em qualquer tradição, estar sempre ligados á lugares comuns como cavernas ou grutas escuras (câmaras de reflexão), combates contra monstros (símbolos dos vícios humanos), passagem pela água, o fogo, descidas ao interior da terra e jornadas pelos elementos em fúria (como se observa no ritual de iniciação da Maçonaria..(16)
Oa gregos entendiam que a verdadeira iniciação, a entrada sistemática e natural no Éden, no Jardim das Hespérides, que é a própria natureza, não ofende aos deuses e não atrai nenhum castigo sobre aquele que a pratica. Era mesmo uma imposição da própria função do homem na sua aventura sobre o Cosmo. O homem, um dia, saiu do Éden e a ele deve voltar. Isso quer dizer que ele pertence á natureza e dela não pode dissociar-se. Mas não pode assaltá-la, nem violá-la para nela reingressar. Nem deve esperar que ela lhe revele seus mistérios á força. E mesmo que venha a ter sucesso dessa forma, essa vitória nunca será duradoura. Como aconteceu a Hércules e Eristeu, os pomos roubados terão que ser devolvidos aos deuses porque seus possuidores não saberão o que fazer com eles.
Nessa alegoria há também uma clara condenação aos poderosos que se utilizam “iniciados”, de mestres, para atingir seus propósitos profanos de aquisição de poder. Por isso, na tradição hermética, sempre se aconselha aos “filhos da ciência”, aos mestres, aos iniciados, que se afastem do poder político, que não se deixem usar pelos poderosos de plantão.
Essa é uma das razões do silêncio exigido pelas sociedades iniciáticas. Seus segredos, seus mistérios,seus conhecimentos não devem ser utilizados com fins profanos.
Na Maçonaria, a aquisição do conhecimento tem finalidades éticas e espirituais. Trata-se, em última análise, de promover o aprimoramento do indivíduo para que ele seja a pedra angular do edifício social e não o artífice de um poder temporal, que nada edifica de bom e duradouro, mas serve somente como alavanca para a promoção de interesses e vaidades pessoais.
O significado da iniciação
Por isso os trabalhos de Hércules constituem uma extraordinária alegoria sobre as virtudes de uma vida dedicada à prática iniciática. Eles resumem o que de melhor existe em termos desse tipo de ensinamento. A vida do iniciado é, por si só, constituída de hercúleas tarefas, que devem ser cumpridas independentemente dos resultados. O iniciado, e queremos com isso nos referir ao próprio maçom, é como aquele arquétipo do Cavaleiro do Graal. Entra na história, realiza seu trabalho sem perguntar por que o está realizando, faz o que tem que fazer, e sai de cena sem esperar pelas homenagens.(17)
Ele sabe que é muito mais importante o momento de sair do que o de entrar. Os que esperam receber homenagens, agradecimentos, troféus pelo cumprimento das suas obrigações, ganham exatamente aquilo que vieram buscar: as honras momentâneas, os agradecimentos de praxe, as congratulações de momento, que serão imediatamente esquecidas assim que eles virarem as costas. Como disse Jesus, “esses já receberam sua recompensa”. Mas o verdadeiro herói, aquele que cumpriu a sua obrigação e foi embora procurar outros lugares e outras pessoas que precisam dele, sem esperar pelas homenagens, esse sobrevive para sempre no ideário popular.
Essa é a razão de termos nos detido um pouco mais na análise dos trabalhos de Hércules como introdução ao estudo dos graus filosóficos. É que pensamos que eles jamais poderiam ser entendidos se essa simbologia não fosse suficientemente comentada. Já no grau 19 essa necessidade aparece de forma cristalina. Trata-se de um grau de conteúdo altamente esotérico, tais como eram os Mistérios escondidos por trás dos fantásticos mitos egípcios e gregos. Como na alegoria dos trabalhos de Hércules, tudo nele simboliza a escalada da mente humana na busca e na aquisição da Gnose. Essa disposição está bem resumida no juramento do grau onde o iniciado declara o propósito de :
- Manter sigilo sobre o local da iniciação, nem revelar os segredos a ele revelados a quem não for da mesma ordem e grau, ou os nomes das pessoas que lhe comunicaram esses segredos. Nesse compromisso está o respeito ao sigilo exigido em toda tradição iniciática, que já foi comentada acima como necessidade imperiosa da própria atividade.(18)
Esforçar-se para contribuir na formação de uma sociedade justa, humana e igualitária, e primar pelo comportamento digno nas atividades públicas e privadas. Nisso está a clara disposição do iniciado em vencer suas paixões, abstendo-se de usar a Irmandade e os segredos que lhe forem confiados para a obtenção de vantagens pessoais.
Manter respeito á família, as leis e aos bons costumes, o que implica na prática de um comportamento social, familiar e sexual compatíveis com a condição de maçom.
Não reconhecer outro guia que não a Razão e o Espírito de Justiça, que significa que o comportamento do iniciado deve ser sempre sensato, equilibrado, racional, jamais impensado, irresponsável e inconseqüente, pois isso é incompatível com a prática iniciática.
Procurar realizar o progresso pessoal e coletivo num estado de ordem, lembrando sempre que o primeiro não é possível sem o segundo. Essa divisa, que inclusive foi adotada no Pavilhão Nacional do Brasil por influência da Maçonaria, é um imperativo do próprio processo de desenvolvimento do individuo e da coletividade, seja como organismo biológico, seja como realidade social. No organismo biológico, a saúde é um estado de ordem em que todos os sistemas que compõem o corpo humano estão em harmonia; na sociedade ela reflete a sua organização geral, razão pela qual, sem que essa ordem seja alcançada, nada pode ser realizado em termos de progresso; da mesma forma, as sociedades onde imperam a desordem, a desarmonia, as lutas internas e externas, jamais poderão realizar um progresso adequado. Por isso um dos lemas fundamentais da Maçonaria é realizar a “Ordo ab Chaos”, a Ordem no Caos.
Buscar nos relacionamentos humanos aqueles que forem honrados, virtuosos, francos e produtivos, capazes de realizar o progresso mútuo e o enriquecimento ontológico dos espíritos neles envolvidos, realizando os propósitos da Ordem, que é “reunir os homens de boa vontade em paz, harmonia, colaboração desinteressada, por amor do conhecimento e da beleza universal”, como bem exprimiu o Cavaleiro de Ransay em seu famoso discurso.(19)
Não buscar deliberadamente os cargos, as comendas, os títulos, as distinções, pois o propósito da Ordem e de todo iniciado é o serviço desinteressado, a realização de Maat, o império da virtude e da Justiça. Nesse sentido o iniciado deve viver de acordo com uma Ética e uma Moral voltadas á realização integral do homem como criatura de Deus, como uma obrigação dele mesmo, como individuo, e não como uma façanha que mereça encômios.(20)
Alcançar a Gnose como forma de entender o mundo e ajudar na realização do projeto do Grande Arquiteto do Universo, o que implica numa atitude não somente racional perante a vida, mas também de crença ilimitada no Princípio Soberano do qual emana tudo que existe no Cosmo. Isso significa que o iniciado, a par da racionalidade que deve procurar imprimir nas suas atitudes, deve manter uma relação mística de admiração e respeito pelos mistérios da natureza e pela magnificência do seu Criador. Com isso, jamais correrá o risco de ser, como bem lembrou Anderson, “um ateu estúpido nem um libertino religioso”. Jamais se esquivará, também, de sempre buscar o auxilio de Deus, o que, sem dúvida, nunca lhe será negado.
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(1) Publicada pela Madras Ed. São Paulo, 2007.
[2] A Costa Mediterrânea espanhola e a região do Languedoc francês foram os territórios onde floresceu a seita dos cátaros, seita gnóstica que adotava crenças semelhantes aos antigos maniqueístas. Eram cristãos, mas recusavam certos dogmas da Igreja Católica, como a virgindade de Maria, a deificação de Jesus, o dogma da ressurreição, etc. Alguns autores apontam estreitas ligações entre os cátaros e os cavaleiros templários, o que teria levado a Igreja de Roma a promover uma verdadeira cruzada contra os territórios por eles habitados. Uma das razões dessa cruzada seria o fato de os cátaros serem os depositários dos segredos que os templários trouxeram da Terra Santa, segredos esses que foram uma das razões da extinção da Ordem dos Cavaleiros do Templo. Para mais informações sobre esse assunto veja-se o capítulo IV da nossa obra, Conhecendo a Arte Real, citada.
[3] A influência dessas crenças na Maçonaria é bastante forte. Vide especialmente o grau 21, denominado “ Cavaleiro Noaquita”, no qual se desenvolve a ideia de que a Maçonaria é a guardiã da Palavra Sagrada, a qual teria sido perdida durante o grande dilúvio.
[4] Baigent, Leigh e Lincoln, The Holly Blood and The Holly Grail, Ed. Harrow, Londres, 1966. Essa idéia já vem do tempo de Filipe IV, o Belo, e terá sido uma das razões do conflito entre aquele rei e a Ordem do Templo, que culminou com a extinção dos Templários e a execução, na fogueira, dos seus comandantes, Jacques de Molay e Geoffroy de Charney. A Maçonaria e a Companhia de Jesus seriam as duas organizações que herdaram as tradições templárias e teriam continuado o trabalho dessa Ordem, cada um a seu modo, a Maçonaria em oposição à Igreja Católica e os jesuítas a favor. Veja-se, nesse sentido, o romance de Ernesto Mesabotta, O Papa Negro, Ed. Paratodos, 2011.
[5] Frances Yates, O Iluminismo Rosa-Cruz, Ed. Cultrix, São Paulo, 1967.
[6] A Assembléia Sagrada, segundo o Sepher A Zhoar, a Bíblia cabalística, era composta por dez rabinos e funcionava nos moldes de uma Loja Maçônica. Essa Assembléia tinha por função a guarda e a transmissão oral dos ensinamentos da Cabala.
[7] “Cristãos novos” era o apelido dado aos judeus que se filiavam ao Cristianismo para escapar da perseguição movida contra eles pelos tribunais da Inquisição. Um famoso “cristão novo” português foi o explorador Fernando de Noronha, que deu nome à essa conhecida ilha. Quanto aos ritos praticados pelos Templários, veja-se a nossa obra ‘Templários- Os Santos Maldito- Ed Biblioteca 24x7- 2019.
[8] Ver, nesse sentido, o discurso proferido pelo Cavaleiro André Michel de Ramsay, em 1736, aos maçons franceses, exaltando as excelências da Maçonaria Escocesa e estabelecendo a ligação entre a Maçonaria e os cavaleiros cruzados, especialmente os Templários e os cavaleiros do Hospital de São João.
[9] Gênesis, 2;16.A Bíblia diz que no Èden havia duas árvores: a Árvore da Vida, que concedia a imortalidade e a Árvore do Conhecimento, cujos fruto concediam a ciência do bem e do mal. Foi desta última que o casal humano se apoderou e comeu. Modernas concepções cabalistas vêem nessa metáfora uma advertência de Deus a respeito do conhecimento da energia atômica (capaz de destruir o planeta) e da engenharia genética (passível de dar ao homem o poder de criar e prolongar sua vida).
[10] O próprio termo designativo de Fraternidade, que é aplicado a um grupo de tradições comuns vem do grego Frátria, que na antiga Atenas designava uma associação de cidadãos unidos pela mesma cultura religiosa, compartilhante dos mesmos símbolos. Eles formavam uma unidade política e religiosa. A legislação de Sólon legitimou essas associações, determinando a sua composição em trinta famílias. Cada tribo podia manter três desses grupos. Assim, Atenas estava dividida em quatro tribos com um total de doze frátrias.
[11] E. Wallis Budge, The God of Egipcians, Vol. II, Ed. Dover New York, 1929.
[12] No caso cristão tratava-se de um ritual que visava “incorporar” nos apóstolos a natureza divina de Jesus, uma fórmula comum de se realizar “Irmandade”. Aliás, o banquete, a chamada “comensalidade”, praticada por Jesus e seus discípulos, era uma forma bastante comum de simbolizar essa Irmandade entre os povos antigos. O Banquete de Platão é um claro exemplo disso. No caso de Jesus e seus discípulos o banquete da Páscoa, realizado na tarde da quinta-feira e não na sexta, como era costume entre os judeus, mostra a clara disposição de Jesus de realizar um novo pacto entre o povo de Israel e Deus. Por isso também ele reuniu exatamente doze discípulos, cada um simbolizando uma das tribos do antigo Israel.
[13] As religiões em questão são o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
[14] Nesse sentido veja-se a obra monumental de Teilhard de Chardin “O Fenômeno Humano”, Ed. Cultrix, São Paulo, 1968. Veja-se também Daniel Goleman, Inteligência Emocional, Ed. Objetiva, 1995.
[15] Do latim servare (conservar).
[16] É nesse sentido que a Ilíada, a Odisséia, a Eneida, as Metamorfoses, a Divina Comédia, as lendas de Ísis e Osíris, a saga de Moisés e os hebreus no Êxodo, por exemplo, são jornadas iniciáticas por excelência. Todas apresentam esses elementos em comum: a passagem pela água e pelo fogo, o enfrentamento com os elementos naturais, a luta contra monstros e gigantes, etc. Essa é a saga do herói, do eleito de Deus...
[17] Segundo Junito de Oliveira Brandão- Mitologia Grega, III volume, Ed. Vozes, São Paulo, 1998, a função da iniciação, para o herói grego, é adquirir as virtudes da timé (honorabilidade pessoal) e da areté (excelência pessoal, superioridade). Por isso todos os heróis têm uma formação iniciática, período em que ele se ausenta de casa para romper com a antiga vida profana e adquirir a nova personalidade.
[17] Segundo Junito de Oliveira Brandão- Mitologia Grega, III volume, Ed. Vozes, São Paulo, 1998, a função da iniciação, para o herói grego, é adquirir as virtudes da timé (honorabilidade pessoal) e da areté (excelência pessoal, superioridade). Por isso todos os heróis têm uma formação iniciática, período em que ele se ausenta de casa para romper com a antiga vida profana e adquirir a nova personalidade.
[18] Essa exigência de segredo vem dos Mistérios Antigos, especialmente os Mistérios de Elêusis. A proibição de revelá-los a quem não fosse iniciado fazia parte do ordenamento legal da República de Atenas. Consta-se que o general Alcebíades, herói das guerras com a Pérsia, foi desterrado por ter revelado a um profano uma parte desses Mistérios.
[19] André Michel de Ransay, citado, em seu famoso discurso por ocasião da implantação do REAA no Grande Oriente da França, em 1736.
[20] Veja-se no capítulo XVI, no tema O Tribunal de Osíris, o significado iniciático do termo Maat.