Dom Casmurro
ENSAIO SOBRE A OBRA DOM CASMURRO
INTRODUÇÃO
Estudar Machado de Assis é resgatar o que há de melhor na literatura pátria, mais precisamente, em termos do Realismo que, por seu turno, consubstanciou resposta aos excessos idealistas do movimento literário precedente – o Romantismo.
Quando jovem, li Dom Casmurro pela primeira vez. A percepção subjacente foi no sentido de que se exagera o que não se conhece, até porque o homem é o que sente. Erige, assim, diálogo com o existencialismo francês de Sartre - mais que exposto (também) na obra L’Étranger, de Camus.
Com o escopo de resgatar as lembranças da juventude de trinta anos passados, escolhi Dom Casmurro para reler, desta feita, na versão quadrinhos. Ressalto que poderia ler qualquer versão inúmeras vezes (sem perder o encantamento). Escolhi-a ilustrada com o escopo de supervisionar, se viável apresentação, a minha pequena de doze (12) anos. Surpreendi-me positivamente. Não percebi deturpação da versão original. Ao contrário, há fidedignidade.
A meu ver e sentir, Dom Casmurro não retrata a obra machadiana mais “real”. “Memórias Póstumas de Brás Cubas”… Essa sim: cem por cento “Realista”. Inesquecível a sentença de que “matamos o tempo; o tempo nos enterra”. Maior expressão do Realismo que isso, estou a ver! No auge dos meus 47 anos de vida, já consigo, pelo menos, tentar não ser o surdo muro assaz criticado pela genialidade de Drummond. Urge, pois, pensar “fora da caixa” nesta pós-modernidade (nada) reflexiva.
No livro Dom Casmurro, Machado ensina a escrever. A linguagem é plena de orações coordenadas. O romance prima pela objetividade, pelo jogo psicológico tecido com o leitor mediante diálogos reiterados. A ironia é uma constante com os superlativos do agregado José Dias. O vernáculo é de primeira grandeza, a exemplo do termo “cousa”. Como diria Ariano Suassuana, a língua portuguesa - quando bem escrita, pensada e falada - de fato, é bela e sonora.
DESENVOLVIMENTO
Literatura, como registrou Coutinho (1981, p. 14) é “transfiguração”. Experiência humana, sentimentos e perspectivas da realidade. Passa-se, assim, a analisar o livro Dom Casmurro a partir de seu enredo, foco narrativo, personagens e relação espaço-tempo.
Enredo: trata-se de autobiografia evocada mediante impressões sedimentadas na mente do narrador e, ao mesmo tempo, personagem. Bento esforça-se para atar as pontas da vida em busca da verdadeira Capitu. Desesperadamente, intenciona “autojustificação” à atitude marital de repúdio à mulher (tida por adúltera) e consequente rejeição ao próprio filho.
Foco narrativo: primeira pessoa. Escopo: recriação do próprio mundo. Espécie de “mergulho” profundo no eu. Utilização reiterada de antíteses e ironias, a exemplo do que se vê logo no primeiro parágrafo do romance:
"Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso".
Personagens: figurantes, protagonistas ou antagonistas? Capitu, especialmente, consubstancia personagem rica. Seus olhos, espelhos d’alma? Capitu lembra Capitólio – uma das sete colinas de Roma: templo de Júpiter edificado sobre essa colina com a finalidade de os romanos cultuarem os deuses.
Relação espaço-tempo: o enredo, em monólogo, desenvolve-se no Segundo Reinado, na cidade do Rio de Janeiro. Retrata um fluxo de (in) consciência com digressões impressionistas abertas.
CONCLUSÃO
Dom Casmurro, para mim, consubstancia divina ópera encenada pelo tinhoso. Representa a sinergia de um drama psicológico de introspecção. Finalizo o corrente ensaio com excertos da homenagem prestada pela educadora cearense Maria do Rosário Lustosa da Cruz ao incomparável Machado de Assis - grande amigo de José de Alencar (de quem me orgulho de ser conterrânea):
"[...] Machado é um grande exemplo
Que podemos comprovar
Quando Deus quer é assim
Não precisa fabricar […]
Um conselho eu dou […]
Compre livros leia tudo
Não deixe de aproveitar
E conheça toda obra
Deste gênio singular
O livro é um companheiro
Mais fiel não pode ter
Transforma o nosso tempo
Em momento de lazer
Informando e educando
Com o que estamos a ler […]"
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro em quadrinhos; organizado por Alex Mir; ilustrado por Caio Majado. Jandira, SP: Ciranda Cultural, 2019.
COUTINHO, Afrânio. Conceito de literatura brasileira. Petrópolis: Vozes, 1981.
CRUZ, Maria do Rosário Lustosa. Machado de Assis: o leitor e escritor do Brasil. Juazeiro do Norte: HB Gráfica, [s.d].
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv00180a.pdf>. Acesso em: 4.nov.2019.