O SUBSTANTIVO E O ADJETIVO NO ANDAMENTO RÍTMICO

Tudo na vida é uma questão de ritmo, quer pureza, quer malícia.

Em câmara lenta, uma luta de box é um suave balé com permuta de carícias.

Luiz Coronel, in Os Pensamentos Azuis, 1978.

Na proposta verbal em Prosa, os escritores cuidadosos, costumam usar (vale dizer, os que têm razoável senso crítico) os adjetivos depois do substantivo. Sabem que esta palavra é a protagonista do assunto, sendo que o adjetivo é elemento acessório. A utilização do vocábulo complementar a posteriori da palavra que é principal, na frase, geralmente soa melhor e a proposta prosaica adquire um bom efeito plástico e semântico, quanto ao andamento rítmico. O uso do adjetivo posposto dá à frase uma apreciável naturalidade, a oração navega cursiva, fluente, sem significativas surpresas no tocante à ritmação. Afinal, a comunicação cotidiana entre as pessoas se dá com a utilização do sentido denotativo; diferentemente da linguagem poética, que se utiliza da linguagem conotativa como expressão usual. Nesta, o andamento verbal se impõe e cada palavra – incluindo o adjetivo – passa a ter importante protagonismo na cadência rítmica dos versos de uma peça poética. Em Poesia, o senso estético norteado pela característica fundamental – o ritmo – aconselha a anteposição, especialmente no tocante aos qualificativos, na intenção de que o verso adquira uma certa leveza, não se sobrepondo este ao substantivo, que é sempre o vocábulo-chave a ser ressaltado, o protagonista principal no decurso da poeticidade, no firme intuito de um melhor entendimento do poema e a subsequente criação de imagens, por força da proposta sugestiva que a Poética concentra, na essência de sua codificada linguagem. Ressalte-se que essa inovação conceitual sobre o assunto em pauta é bem diferenciada daquilo que “se queria dizer ou expressar”, ou seja, aquilo que a literalidade da palavra em questão possuía. É a utilização do sentido conotativo dos signos, assentado na metáfora, que pode ser entendida simplesmente como a subversão do sentido original da palavra, tomando novo sentido, concepção ou entendimento. Na intenção de tornar mais palpável e acessível o tema em discussão, e ao explicar o seu conceitual – metaforicamente – tenho procurado dar forma, cor e relevo, utilizando-me da silhueta feminina. Reitera-se aquilo que se tem de realmente realçar: o substantivo. E este é o facial e a silhueta imagética que dele promana. O adjetivo é o batom, o ruge, o rímel, os brincos, enfim, os acessórios que servirão para realçar o rosto (e o seu inerente semblante), pois é o principal, o protagonista a ser focado, destacado. O adjetivo não pode “tirar a força”, enfraquecer o substantivo, especialmente nos versos do poema curto, sintético, o poemeto tão em voga na contemporaneidade dos versos publicados na internet, em tempos de pós-modernidade líquida, acatando os conceitos sociológicos de Zygmunt Bauman para a temática em pauta. Bem, voltemos ao aspecto prático, no fraseado cursivo. Há que se ter cuidado também (tanto na prosa quanto na poesia) com os acessórios polissilábicos. Essas “tartarugas”, enfeiam o ritmo, especialmente nos versos curtos, enxutos, da poética contemporânea. No entanto, a regra rítmica da anteposição ao substantivo não é aconselhável no caso do adjetivo polissilábico. Esta “tartaruga fônica de longa silabação”, que arrasta desarrazoadamente o verso, pode macular e/ou causar sobressaltos à hora da emissão do vocábulo, prejudicando o ritmo. É de muito bom tom seja ela colocada no final do verso, sempre que possível, objetivando a pausa rítmica, mesmo que não conste nenhum sinal gráfico nesse final da versificação: vírgula, ponto e vírgula, reticências ou o definitivo ponto final. Há que se ter a devida atenção também com os advérbios, aos quais se deve aplicar a mesma cautela. É útil lembrar da conveniência (estética e rítmica) de terminar o verso, especialmente se esses forem adverbiais de modo, os quais, em regra, finalizam o vocábulo com a aposição do sufixo “mente”. Também é por este sentir que se fixam os estilos dos poetas-autores que conseguem a consagração pública devido ao primor de seus versos, no território estrito do poema (em que o caos morde a palavra), restando ao gênero poético dizer muito com a utilização de um pequeno número de vocábulos muito bem urdidos em significação, através da imagética e do ritmo propícios à arte da palavra escrita. Na frase ou no verso, o principal e seus acessórios ensaiam a dança das palavras e modulam a estética rítmica.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 04; 2015/19.

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