Etimologia da Língua Portuguesa nº203

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº203.

Sumo, com o significado de suco, originou-se do Grego zomós, pelo Latim sucus e daí ao Latim vulgar hispânico zumu, do qual chegou até ao Português. Xingamento formou-se do verbo xingar, do Quimbundo xinga, blasfemar, insultar, ofender, designando agressão verbal.

Arabesco: do Italiano arabesco, designando estado de decoração das manifestações artísticas árabes, marcadas pelo entrecruzamento de linhas, ramagens e flores, sejam entalhadas em pedra ou madeira, sejam pintadas, desenhadas ou impressos, sem a figura humana, porque a arte islâmica não admite sua representação. Tornou-se também sinônimo rascunho e rabisco.

Canônico: do Grego kanonikós, pelo Latim canonicus, derivados de kánon, originalmente haste de junco para medir, depois régua utilizada nas construções, consolidando-se como regra e modelo, significados mantidos no Latim canon, conjunto de coisas aceitas, como é ocaso de cristãos sacrificados e por isso dito canonizados, isto e, postos no cânone. Como aconteceu com outras palavras, cânone e canônico tiveram significados e sentidos alterados por influência do cristianismo, de que são exemplos os quatro evangelhos canônico --- de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João --- escolhidos dentre os cerca de 40 existentes, impostos a partir do século IV, pela aliança entre o império romano e bispos, então as mais altas autoridades cristãs.

Entardecer: de tarde, do Latim tarde, lentamente, do mesmo étimo de tardere, demorar, e de retardatus, retardado, aquele que demorou a crescer ou desenvolver-se. Entardecer designa os momentos que antecedem o pôr do sol, por volta das 18 h, a hora do ângelus, assim chamada porque os sinos tocam as aves-marias, badaladas que lembram o início da gravidez de Maria, resumida em começo de frase extraída do Evangelho de Lucas, contando o diálogo entre o arcanjo Gabriel e a adolescente Maria, no entardecer do dia 25 de março do ano I de nossa era, na Galileia: “Angelus Domini nuntiavit Mariae” ( “O anjo do Senhor anunciou a Maria”). O jornalista, romancista e poeta paraibano José Nêumanne Pinto, cujo estilo é marcado por extrema correção com a língua portuguesa, tratou de outro viés do entardecer no poema Às Cinco da Tarde: “Entre o toureiro e a praça/ Firmam um pacto/ Os patos e os tontos./ Entre o toureiro e a areia/Tocam os sinos/ O dobre dos sinos./ Entre o touro e a praça/ Dançam os sãos/ A dança dos doidos” .

Sumo: com o significado de suo, vem do Grego zomós, pelo Latim sucus e daí ao Latim vulgar hispânico zumu, do qual chegou ao Português. Já com o significado de supremo, o mais elevado, procede do Latim summus, como em sumo sacerdote e sumo pontífice, duas expressões surgidas nas narrativas cristãs, alterando, no segundo caso, a designação pontifex maximus, o cargo mais elevado entre os sacerdotes romanos pagãos, designando aquele que ia à frente do colegiado religioso nos desfiles e cerimônias públicas, cabendo-lhe a fiscalização para que os ritos fossem realizados conforme prescritos. Tambémos judeus tinham seu sumo sacerdote, que se chamava Caifás (século I) e presidiu a sessão do sinédrio, o supremo tribunal religioso, cujo poderes eram imensos, que condenou Jesus (? 6 a. C. 27) por blasfêmia e o entregou ao governador da Judeia, Pôncio Pilatos (século I), que o condenou à morte.

Um: do Latim unus, designando apenas o numeral no primeiro milênio, e com sentido artístico a partir do segundo. Os antigos romanos representavam os números numa forma que ainda hoje prevalece, mais restrita a algumas funções, como em século I, capítulo II, seção III etc., mas, depois que os árabes trouxeram os algarismos hindus para o Ocidente, predominaram os números árabes ou arábicos, cuja representação foi feita originalmente na Índia a partir dos ângulos que continham e só depois foram estilizados na forma com a qual se consolidaram : 1,2,3 etc., respectivamente com um ângulo, dois ângulos, três ângulos.

Xingamento: de xingar, do Quimbundo xinga, blasfemar, insultar, ofender, designando agressão verbal, em que frequentemente os animais são igualmente ofendidos quando invocados para ilustrar o que se quer criticar: anta, toupeira e burro, dirigidos a quem é falto de inteligência; gambá, para bêbado; gato e rato, para ladrões; cobra, especialmente cascavéis e jararacas, para pessoas malévolas.

Deonísio da Silva, da Academia brasileira de Filologia, recebeu o Prêmio Internacional Casa de las Américas, em júri presidido pelo escritor português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura. Escritor, professor e doutor em Letras pela USP, é professor (aposentado) da UFSCar (SP), curador de Língua Portuguesa da Universidade Estácio de Sá (RJ), onde ministra videoaulas, coordenador de projetos editoriais na Unisul (SC) e colunista da Bandnews, com Ricardo Boechat e Pollyanna Bretas. Livros de sua autoria estão publicados também no exterior. É autor de De Onde Vêm as Palavras (17ª edição) www.lexicon.com.br

Revista Caras

2015

deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 24/11/2019
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