O funk: de um grito da comunidade ao consumo da cultura de massas

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda sobre a cultura para massas relacionada ao estilo musical funk e como este se tornou presente em vários espaços atualmente e a carga de representatividade incutida. O termo funk surgiu inicialmente em 1967, nos EUA, criado por James Brown, como ritmo musical negro originado da black music, soul e algumas influencias de R&B, e se popularizou no Brasil a partir da década de 80 nas comunidades cariocas, quando começaram a ser promovidos bailes funk aos domingos, no Canecão – Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. (RUI, 2019)

Os bailes da pesada tinham um público estimado em cinco mil pessoas, que vinham das mais diversas áreas da cidade e eram comandados pelos DJ's Big Boy e Ademir Lemos. Os bailes chegaram ao fim quando a direção do Canecão teve a oportunidade de fazer shows com grandes nomes da Música Popular Brasileira (VIEIRA; BRAGANÇA, 2016, p.4)

O funk, na sua época inicial, tinha objetivos genuínos de denunciar em suas letras a truculência da polícia contra moradores das comunidades, dar visibilidade aos negros e favelados como condições de subsistência, enaltecer uma cultura marginalizada das pessoas que tiveram pouco acesso a outros meios culturais e educacionais, conforme demonstrado na citação abaixo:

Os adeptos do movimento funk, também conhecidos como funkeiros, fizeram tentativas bem-sucedidas de divulgar seus bailes durante os anos 1990 e com isto se inseriram no cenário musical brasileiro. Todavia, o funk, assim como o hip-hop2, com a dimensão que começou a ganhar na década de 1990, foi duramente atacado e classificado pela crítica como instrumento utilizado pelos grandes traficantes de drogas para recrutarem jovens para a vida do crime e do vício. (COUTINHO, 2014, p. 894)

No entanto, atualmente as letras de funk fazem mais apologias ao sexo, incitam a misoginia e submissão de mulheres, LGBT, algumas letras até exaltam o poder do crime, do tráfico e da ostentação dos traficantes.

Esse gênero, apesar de mobilizar grandes massas e ser considerado, atualmente, como popular, ainda é alvo de preconceito por parcelas da sociedade. Conforme expõe Mizrahi (2013):

Hoje é possível dizer que o ritmo, mesmo que majoritariamente consumido por estes mesmos jovens, alcançou uma circulação tal que lhe permitiu tornar-se um dos símbolos mais loquazes do Rio de Janeiro, tanto em âmbito nacional como em contextos estrangeiros. Este foi um percurso espontâneo e compatível com a própria dinâmica da cultura brasileira, que transforma manifestações culturais populares em símbolos de identidade nacional. (MIZRAHI, 2013, p. 858)

As influências que sobreviveram na época de introdução do ritmo no Brasil deixaram poucas heranças, como as letras animadas e dançantes. Hoje, é nitidamente privilegiada a batida e as letras chicletes, de fácil memorização, o que justifica o sucesso rápido e viralização nas mídias sociais digitais.

2. DISCUSSÃO SOBRE INDÚSTRIA CULTURAL E TEORIA CRÍTICA DA COMUNICAÇÃO

Os meios de comunicação têm o poder de massificar e transformar o que é único, genuíno e autêntico em meras reproduções para as massas, tirando suas características iniciais. Segundo Adorno (1986), a indústria cultural se caracteriza pela combinação da capacidade técnica de reprodução massificada das produções artísticas e da concentração de poder económico e administrativo nas mãos de algumas poucas empresas, que atuam no sentido de integrar os consumidores a partir do alto (Adorno, 1986, p. 92). Ou seja, a mídia exerce poder de dominar e se apropriar de uma cultura que em determinada época foi marginalizada ou que não teve tanta adesão social.

A teoria dos sistemas auto referências afirma que os sistemas só podem se diferenciar por referência de si mesmos (...) ao construir os seus elementos e operações elementares. Para tornar isso possível os sistemas têm que criar uma descrição de si próprios; eles têm pelo menos que ser capazes de usar a diferença entre sistema e meio ambiente dentro deles próprios para orientação e como princípio de informação. (Luhmann,1965, p. 9)

A partir da citação acima, pode-se perceber que os meios de comunicação de massa, por meio de auto referência ou mobilização através da empatia popular, exercem poder de influenciar a sociedade ou determinado nicho dela para o consumo de determinados produtos, ou culturas, como é caso do funk: originalmente uma manifestação cultural de minorias e que tinha claro objetivo denunciativo, que agora passa a ser elitizado, protagonizado muitas vezes por pessoas de etnias e raças diversas (não somente negras como era inicialmente), capazes de disseminar essa cultura a milhões de pessoas.

3. ANÁLISE DO OBJETO SOB A ÓTICA DA TEORIA CRÍTICA E CONCEITOS DE INDÚSTRIA CULTURAL

A indústria cultural destina análise crítica de bens simbólicos em escala industrial. A produção e promoção publicitária acarretaram na homogeneização dos padrões de gastos, proporcionando uma deteriozição da kulter genuína. (ADORNO, 1975). Para a análise, foram escolhidos, a exemplo, o funk como um gênero musical midiático explorado pelas cantoras Anitta e Ludmilla.

Nascida Larissa de Macedo Machado, a cantora Anitta teve um começo difícil. De origem humilde, as dificuldades financeiras marcaram sua infância. A cantora, no entanto, conseguiu impulsionar sua carreira a nível nacional com o hit Show das Poderosas e, mais tarde, atingiu o mercado internacional com parcerias pontuais em seu projeto Check Mate, que levou o funk carioca para o mundo inteiro. A carreira da cantora pode ser dividida em momentos a partir dos nomes que usou durante esse caminho. De Larissa, estudante e trabalhadora comum a MC Anita, produzida pela Furacão 2000 e, mais tarde, Anitta, personalidade nacional. Administradora de sua própria carreira, a cantora provou ser uma empresária muito capaz no meio musical e audiovisual. (NUNES, 2018, p. 28)

No caso de Anitta, que iniciou sua carreira no ano de 2011, na empresa Furacão 2000, cantava músicas de sua autoria e compostas por outros compositores. Os empresários da artista começaram a divulgar os vídeos e os mesmos viralizaram, ganhando repercussão nacional e internacional com milhões de acessos no Youtube. A partir daí Anitta com sua voz soprano, conquistou uma legião de fãs no Brasil e atualmente faz carreira internacional. Em 2017, ela e Pabllo Vittar gravaram um clipe da música Sua Cara, com Major Laser, no Marrocos, obtendo bilhões de visualizações. Uma verdadeira jogada de marketing, pois tanto ela como Pabllo são LGBT e tiveram infância difícil financeiramente. Em 2019, Anitta quebrou mais um paradigma, participando do Rock In Rio, um evento que tradicionalmente valorizava apenas o Rock.

No caso de Ludmilla, também foi lançada artisticamente pela empresa Furação 2000, a mesma que lançou Anitta basicamente no mesmo período, porém Ludmilla rompeu contrato e foi para a Som Livre, posteriormente para a Warner.

Ludmilla Oliveira da Silva nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 24 de abril de 1995, e cresceu na cidade de Duque de Caxias, região metropolitana da mesma cidade. Com ensino médio incompleto e filha de donos de um bar, Ludmilla tinha vergonha de cantar suas próprias composições. (SILVA, 2017, p. 54)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises das duas cantoras supracitadas, pode-se observar que ambas utilizaram as redes sociais e mídias alternativas para ascenderam no meio cultural e artístico, as duas são negras, vieram de famílias pobres e comunidades periféricas do Rio de Janeiro, são assumidamente bissexuais e feministas, o que levam a uma representatividade dos públicos que elas representam, no entanto, as grandes produtoras que hoje investem pesado na carreira delas com o objetivo de lucrar, destoam claramente do funk raiz, apesar que as letras de suas músicas ainda tem forte apelo sexual, e elas são responsáveis pela popularização da funk entre a elite e pessoas brancas, héteros e etc.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. (1975). A Indústria Cultural. Em G. Cohn (Org.), Comunicação e indústria cultural (pp.270-291). São Paulo: Ed. Companhia Nacional.

ADORNO, T. (1986). Coleção Grandes Cientistas Sociais. Textos Escolhidos. São Paulo: Ática.

COUTINHO, Reginaldo Aparecido. FUNK COMO MOVIMENTO CULTURAL E MUSICAL: COTIDIANO E EMBATES SOCIOPOLÍTICOS EM TORNO DA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 5543/2009 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. UEPR. 2014

LUHMANN, Niklas. Sistemas sociales: lineamientos para uma teoria general; 1 ed., Barcelona: Anthropos, 1965.

MIZRAHI, Mylene. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO FUNK CARIOCA E A INVENÇÃO CRIATIVA DA CULTURA. Antíteses. v. 6, n. 12, p. 855-864, jul. /dez. 2013.

NUNES, Letícia Reis. VAI MALANDRA O checkmate da Anitta. UnB. Brasília, 2018. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/21850/1/2018_LeticiaReisNunes_tcc.pdf. Acesso em 14/11/2019.

RUI, Gonçalves Santos Júnior. BLUES: A música do gueto como elemento cultural no ensino de história. 2019. Disponível em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/9800/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Rui%20Gon%C3%A7alves%20Santos%20J%C3%BAnior%20-%202019.pdf.

SILVA, Tobias Fidelis da. DE MC BEYONCÉ A LUDMILLA: UMA ANÁLISE DA MUDANÇA DE IMAGEM E POSICIONAMENTO DA CANTORA LUDMILLA POR MEIO DE VIDEOCLIPES. UFRS. Porto Alegre. 2017. Disponível em file:///C:/Users/LABPROF14/Downloads/Lud.pdf. Acesso em 14/11/2019

VIEIRA, Juliana Lessa. BRAGANÇA, Juliana da Silva. O funk carioca: limites e possibilidades proporcionados pela indústria cultural. IS Working Paper, 3.ª Série, N.º 12. Porto. 2016. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/21850/1/2018_LeticiaReisNunes_tcc.pdf. Acesso em 14/11/2019.

Patrick Sousa
Enviado por Patrick Sousa em 21/11/2019
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