Pensando as Divisões por Zero: Um ensaio lógico-matemático

I.

11/10/19

Este ensaio tem por objetivo pensar as operações por zero através da lógica matemática informal, no intuito de exercitar os conceitos vistos em Leibniz e Georg Cantor. Não se tem por intenção a criação ou obtenção de qualquer novo conceito ou releitura de convicções matemáticas, mas sim pensar no problema, chegar a um determinado resultado e comparar o mesmo com a realidade matemática que o antecede.

Nós sabemos - e nossa mente pode conceber - as duas operações mais básicas que conhecemos quando por zero. Sabemos que uma adição de um número qualquer com zero resultará no mesmo número, pois, algo adicionado de nada é o mesmo algo, ou, “ x + 0 = x “, e nossa mente pode conceber essa realidade matemática. O mesmo ocorre com a operação da subtração, sabemos que se subtrairmos nada de algo, esse algo continuará incólume( “ x - 0 = x ” ). Se concebermos a multiplicação como uma repetição de somas -- embora saibamos que não se resume a isto - como no exemplo de “ 2 x 4 ” podemos dizer que se trata de 4 operações da soma “ 2 + 2 “, ou: “ 2 + 2 + 2 + 2 ”, que é igual a 8, e com isso, podemos afirmar que qualquer número multiplicado por zero(ou zero multiplicado por qualquer número) será igual a zero. Pois em, por exemplo, “ 4 x 0 ” temos “ 0 x 0 x 0 x 0 ”, que é igual a 0.

Esses conceitos são facilmente concebíveis e aplicáveis. No entanto quando adentramos no campo da divisão as coisas ficam um tanto mais confusas, afinal, como eu poderia dividir qualquer coisa por nada? Minha mente sequer consegue conceber essa operação. Por definição temos que a divisão por zero é indefinível, isso pois, peguemos o exemplo da divisão 1/0, pensar em 1/0 implicaria pensar de igual modo, pela redução ao idêntico(Leibniz) se existe algum número, que quando multiplicado por zero, resultaria em 1, isso pois:

X/Y = Z

X = Y x Z

Esse conceito é sustentado pelo axioma da redução ao idêntico pois, na propriedade da divisão podemos reduzir(no caso, transformar) a operação da divisão em uma operação de multiplicação, onde os dois termos da igualdade são(logicamente) idênticos.

1/0 = ?

1 = 0 x ?

Aqui temos uma redução ao absurdo, pois, a operação descrita vai de desacordo com a definição que encontramos na redução ao idêntico, a contradição se encontra no fato de que não existe qualquer número que multiplicado por 0 resulte em 1 pois, como antes visto, qualquer número multiplicado por zero é zero.

Temos que esse número, resultante de uma divisão de um número qualquer por zero, não pode ser concebido ou definido, e portanto, para a matemática, a divisão de qualquer número por zero é indefinível pois, não é concebível um número que multiplicado por zero resulte qualquer coisa senão zero.

II.

No entanto, se a divisão por zero não é definível a priori, isso não significa que teremos nossos esforços já esgotados para pensar essa operação, aqui levanto a questão: existe alguma maneira concebível de pensar objetivamente a operação da divisão por zero?

E ao fazer essa questão eu tentei imaginar de que forma demonstrativa eu poderia achar um resultado da divisão de um número qualquer por zero, e logo pensei: Bem, não posso definir uma divisão por zero, mas eu consigo definir com clareza a divisão de um número por um outro número muito próximo de zero e obter resultados. Observe:

0.1 é um número muito próximo de zero;

1/0.1 = 10

0.01 é um número ainda mais próximo de zero;

1/0.01 = 100

0.001 é um número ainda mais próximo de zero;

1/0.001 = 1,000

0.0001 é um número ainda mais próximo de zero;

1/0.0001 = 10,000

0.00000000000000000000000001 é um número ainda mais próximo de zero;

1/0.00000000000000000000000001 = 100,000,000,000,000,000,000,000,000

(...)

Daí podemos concluir que: Quanto menor o número presente no denominador da fração(x/0 sendo x um número real positivo qualquer) maior é o resultado obtido, de modo que um número infinitamente pequeno no denominador resultaria em um número infinitamente grande como resultado. Zero é um número infinitamente próximo de qualquer número infinitamente pequeno, e infinitamente menor que um número infinitamente pequeno, logo, pode-se definir que:

1/0 = infinito.

III.

Desavisadamente poderíamos dizer que, ao assumir o infinito como o resultado da divisão de um número por zero teríamos resolvido este problema, mas a questão não acaba por aí. Isso porque esse resultado é contraditório com o que havíamos assumido anteriormente quando elucidamos a questão da divisão por zero. Falo da propriedade da divisão na matemática que assumimos como uma redução ao idêntico:

X/Y = Z

X = Y x Z

Isso pois, sendo válida essa propriedade, assumir o infinito como resultado da divisão de qualquer número por zero seria uma contradição que por sua vez se reduz ao absurdo. Veja:

1/0 = infinito

infinito = 1 x 0

1 x 0 = 0

0 ≠ infinito

Ao assumir essa resposta(1/0 = infinito) como verdadeira podemos perceber ainda outra incoerência matemática, veja:

i. x/0 = infinito, sendo x um número real qualquer.

ii. 1/0 = infinito

2/0 = infinito

iii. infinito(ii) = infinito(ii)

iv. 1/0 = 2/0

logo 1 = 2

no entanto 1 ≠ 2

Se nós, de fato, encontramos no infinito, a resposta para a divisão por zero, então por que encontramos essas incoerências matemáticas? Temos que notar que: infinito não é número, e essa observação é de suma importância. Isso pois, “infinito” é um termo que usamos quando, seja na matemática ou na linguagem em si, não conseguimos atribuir o qualitativo de contabilidade a um elemento. Quando um elemento é tão extenso que minha razão não pode conceber ou medir eu tenho por definição que ele é infinito, a esse infinito damos também o nome de “infinito não-contável”. Podemos entender melhor a questão do infinito da seguinte maneira:

Imagine um povo cujo qual a linguagem numérica só vai até 9, e tudo para além de 9 é chamado de “muito”. Tudo o que é quantitativo para esse povo pode ser traduzido em sua linguagem numérica diminuta, no entanto um determinado indivíduo desse povo desafiou-se a pensar no tamanho da terra. Ao contrário de todas as outras coisas que sua linguagem conseguia sondar e traduzir, esse indivíduo não conseguia transcrever numericamente o tamanho da terra, visto que todos os números que sua razão poderia conceber iam somente até 9. Então quando lhe perguntaram: “indivíduo, qual o tamanho da terra?”, tudo o que ele soube e podia responder era: “ela é ‘muito’ grande”. Isso pois, como dito, tudo para além de 9 é “muito”, e o tamanho da terra, em qualquer medida, vai muito além de 9.

Apesar de ser um exemplo grosseiro ele transmite com clareza a ideia aqui defendida. Podemos perceber que assim acontece com nossa linguagem, os números de 0 a 9 são todos os números que nossa mente pode conceber, e “muito” seria o nosso infinito, ou seja, a definição que damos para as coisas ou casos em que nossa mente não pode conceber a qualidade de contabilidade. O infinito, portanto, não é um termo necessariamente matemático(embora seja presente em cálculos infinitesimais e de limites), mas sim um número que se expressa melhor no âmbito da linguagem.

Ao expressar isso, notamos que assumir o termo “infinito” como a resolução para a questão da operação de qualquer número por zero pode ser uma resposta linguística e talvez até lógica para o problema, mas no âmbito da matemática, assumir infinito para essa questão cria situações incoerentes e contraditórias.

No começo do ensaio nós dissemos que a resposta para a questão-chave apresentada é que: “toda divisão por zero é indefinível”, a partir de juízos e cálculos aproximativos tentamos demonstrar que o infinito pode ser resposta para essa questão, concluímos que assumir o infinito como resposta gera uma resolução linguística para o problema mas não uma resolução matemática.

Além disso, como dito, o ensaio tenta ser uma antítese para a tese de que “toda divisão por zero é indefinível” o infinito, por sua vez, é um termo indefinível se assumido como número. Ao pensar o infinito como resposta para a questão entramos em uma tautologia. Apesar da nossa tentiva de antítese reforçamos a ideia presente na tese.

A conclusão final é que: matemáticamente falando, toda divisão por zero é indefinível.