O Último Universo Paralelo

Este ensaio é o último capítulo de um romance que escrito por mim há algum tempo nomeou-se "O miolo do ar", foi formatado como um monólogo. Assim, é a única literatura a respeito que se encontra disponível.

O Último Universo Paralelo

Eu tinha quatorze e tu dezenove. Tu me chamou na parada e eu não desci do ônibus. Eu tinha vinte e um e tu dezessete. Te esperei na estação tu não veio. Marquei um encontro na frente da sorveteria, te vi de longe e fui embora. De férias fomos à praia. Em silêncio, só pensávamos em voltar e continuar com os planos no trabalho. Acordei do sonho e imaginei nosso beijo. Um que eu descia do ônibus, guri, sem autoestima, me achando feio. Te esperei na estação e tu veio com uma amiga. Se achava suburbana demais. Eu já tinha barba e me achava galã. De repente, olhos nos olhos e a gente se beijou. Tua amiga disse que tu não podia ficar, senão ia ficar presa no futuro. Tu nem ligou. Podia ser que eu ficasse preso no passado. Nem liguei. Esqueci do encontro e passei por ali. Te vi só na hora. Comprei duas casquinhas e uma eu te dei. Te compus uma música e só mostrei mentalmente. Tu era novinha e boba, se apaixonou. Prometi cantar Cazuza pra ti na rua e tu me esperou na esquina do bar. Num universo paralelo eu apareci. Bêbado. Anos antes de te re-conhecer. Te achei linda. Mas desconhecida. Parei na porta do bar e cantarolei "exagerado" bem baixinho. Quando tinha uns dez eu ensaiei no Karaokê da tia. A prima disse que minha voz era 'tão bonita'. Cantei do mesmo jeitinho, meio desafinado e com a voz fininha. Acho que tu gostou. Nas eu fiquei envergonhado mesmo assim. Vi teus olhos brilharem. Teu namorado foi quem não gostou. Saiu esbarrando em mim. Tu foi atrás. Voltei pra casa e esqueci. Um dia eu acordei e pensei que fosse sonho. Te perguntei na vida real e tu disse que 'não'. Que não lembrava. Lembrei do pônei azul atravessando a calçada. Lembrei do muro. Do tempo que a gente estudou juntos no primário. Da música que eu te fiz. Um dia eu acordo e te esqueço. Percebo que foi errado te usar pra escrever esse texto. Um dia eu adormeço. Sonho contigo de novo e me despeço. Com saudade do nosso beijo. Na parada de ônibus, eu guri e tu princesa. Eu galã e tu pequena. Um sorvete de casquinha pra cada um, com frio na barriga e na garganta. Um desejo em silêncio, tipo saudades de casa, vontade de trabalhar olhando pro mar. Um amor pra vida toda, até a eternidade, com os destinos traçados na maternidade.